Theresa Catharina de Góes Campos

 


RELATO AUTÊNTICO DA MORTE DA PRINCESA ISABEL - ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS

No próximo dia 3 de dezembro, deverei apresentar no Rio de Janeiro, em sessão da CEPHAS (Comissão de Estudos e Pesquisas Históricas) do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, uma exposição sobre o lote de 80 cartas escritas entre 1912 e 1921 pelo Conde d'Eu a D. Maria Amanda Paranaguá Dória (1849-1931), Baronesa de Loreto. Estou transcrevendo e anotando essas cartas, para serem publicadas em 2015, acompanhadas de notas explicativas e de uma análise de conjunto, na “Revista do IHGB”. São cerca de 560 páginas manuscritas, que, uma vez ordenadas e transcritas, constituem um fascinante material de estudos para pesquisadores.

As 80 cartas contêm comentários interessantes sobre política, sobre o dia-a-dia da vida familiar, sobre cultura em geral, sobre a Primeira Guerra Mundial. A personalidade do Conde d´Eu se revela muito diferente da ideia que se tem dele, inclusive daquela que seus biógrafos Câmara Cascudo e Alberto Rangel fixaram. Ele parece muito mais brasileiro do que francês, nessas cartas. É afetivo, caseiro, de uma absoluta simplicidade. Muitas pessoas da sociedade são designadas pelos apelidos (Mariquinhas, Chiquinha, Zezinho, Totó), os netos são referidos como “os queridinhos pequerruchos” ou “os queridos gorduchos”. Tudo está escrito em excelente português, com uma letra miúda que, vencida a primeira estranheza, logo se entende com bastante clareza. Apenas a pontuação é bastante relaxada, faltando vírgulas e pontos finais, com aspas ou parênteses que abrem e não fecham.

  1. Amanda era natural da Bahia, filha do Marquês de Paranaguá e esposa do Dr. Franklin Américo de Meneses Dória, Barão de Loreto. Foi educada junto com a Princesa Isabel e, enquanto ambas eram meninas, num acidente, a Princesa feriu involuntariamente a amiguinha. Estavam ambas brincando de plantar uma horta, no jardim do Palácio de São Cristóvão e a Princesa, num gesto desastrado, vasou com uma ferramenta o olho da companheira. A Baronesa de Loreto usou toda a vida um olho de vidro, confeccionado com tal perfeição que ninguém se dava conta disso. Até à morte, foram as duas amigas inseparáveis. A Baronesa de Loreto acompanhou a Família Imperial na viagem de exílio e deixou um relato comovedor da travessia do Atlântico a bordo do vapor Alagoas.

O Conde d'Eu sempre a trata cerimoniosamente, como “Senhora Dona Amanda”, mas percebe-se, pelo tom das cartas, que ela era realmente muito familiar e chegada à Família Imperial.

Transcrevo a seguir, como curiosidade, a última das cartas desse lote, aquela em que o Conde d'Eu comunica à sua correspondente a morte da Princesa. É um documento inédito, que divulgo em primeiríssima mão neste artigo, transcrito integral e fielmente, apenas atualizando a ortografia e ajustando a pontuação:

 

“Castelo d'Eu, 19 de novembro de 1921

Dia de Santa Isabel de Hungria, que era o dia dela!

Senhora Dona Amanda,

Estas são as primeiras linhas que escrevo para o Brasil depois do terrível golpe; e nem estou em estado de dar-lhe, como desejaria, pormenores. Não quero, porém, deixar de enviar-lhe já as inclusas fotografias que ela lhe destinava, e à Marianinha Suruí, assinando-as na manhã do mesmo dia em que se declarou a febre que o médico logo atribuiu a embaraço pulmonar, e nem mesmo talvez três horas antes! O mal, embora com altos e baixos, não cessou mais durante os dias seguintes (nos quais se confessou longamente e recebeu a Sagrada Comunhão) até que no 5º dia, dia 14, pelas 9h1/2 da manhã perdeu repentinamente os sentidos e não durou nem meia hora, chegando, contudo, o Pároco a tempo de aplicar a Extrema-Unção, todos nós de joelhos em roda, à exceção das crianças, que só mais tarde foram chamadas para dar o beijo de despedida à querida Vovó!

Calcule a desolação em que ficamos e amerceie-se da desgraça deste amigo velho de todos os seus.

  1. a) Gastão d'Orleans”

É, como veem os leitores, um documento comovedor e de indiscutível autenticidade.

A Marianinha Suruí citada na carta era D. Mariana Cândida de Lima e Silva, filha de Manuel Francisco de Lima e Silva, Barão de Suruí (1793-1869), e de sua sobrinha e esposa D. Carlota Guilhermina de Lima e Silva (1817-1894). Esta, por sua vez, era filha do Regente do Império Francisco de Lima e Silva (irmão de seu marido) e era irmã do Duque de Caxias e do Conde de Tocantins. Foi ela, juntamente com a Baronesa de Loreto, a feliz destinatária de uma das últimas fotografias assinadas pela Redentora. 

ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS - Jornalista profissional, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

 Blogue "PAZ"   http://solpaz.blogs.sapo.pt/
 

 

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