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PASSAGEM DE ANO
Tereza Halliday – Artesã de Textos
“As datas são meras invenções dos homens”, dizia
minha avó. Não fazia questão de romper ano
dormindo ou acordada. Havia aprendido a medida
das coisas e atingido o contentamento. Eu a
levava a sério, certa de sua sabedoria. E esta
afirmação, óbvia mas profunda, teve o peso
formativo de suas outras sentenças memoráveis:
“Nossa maior fraqueza é que somos incrédulos. Só
damos valor ao que possuímos quando o
perdemos”;“Imoral não é usar biquíni. Imoral é
enganar os outros para levar vantagem”.
Para ela, dias festivos e datas históricas eram
convenções às quais não devíamos nos escravizar.
Não era antissocial nem indiferente a
celebrações, tanto que sempre lembrava dos
aniversários de parentes e amigos, marcando-os
com visita e presentes. Mas não era do seu
feitio gastar com roupa nova, endividar-se,
somente porque haveria a festa chamada Revéillon
(em francês: refeição no meio da noite de Natal
e no Dia de Ano; do verbo “réveiller” –
acordar). Seu exemplo fazia acordar para o bom
senso. Se, no guarda-roupa havia vestidos lindos
e em bom estado, qual o mal de repetir um deles
para a Noite de Ano?
Ela deplorava a tristeza de muitos, por não ter
dinheiro para o sapato novo e a roupa nova, não
podendo assim curvar-se às convenções das festas
de fim de ano. Como se a essência da celebração
estivesse nos gastos e na exibição. Também se
compadecia dos que sofriam por não ter muita
gente ao seu redor na noite de 31 de dezembro.
Expectativas impostas pelos outros. O fim do ano
e o começo do outro deve ter a marca de uma
alegria interior, que dispensa agitação e
multidão, embora a presença das pessoas queridas
seja coisa boa. A celebração da mudança de ano
não precisa conter amargor de desejos não
realizados ou cenários irreais. Basta marcá-la,
sem alarde, por gratidão e esperança. |
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