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FANTASIAS DE CIDADÃ
Tereza Halliday – Artesã de Textos
Este ano, os foliões brincarão como se fosse um
carnaval normal. É a grande festa da manutenção
das aparências: faz de conta que “as águas vão
rolar”, faz de conta que somos felizes, faz de
conta que as classes sociais se misturam
fraternalmente, faz de conta que não existe
calote nem empobrecimento de todos. Eu mesma vou
cair no passo e usar uma fantasia diferente para
cada dia momesco, em homenagem às três dimensões
da minha cidadania:
No domingo, sairei fantasiada de OTÁRIA - entra
ano, sai ano e eu caindo no conto do Governo e
no conto da Oposição. Sempre estão dizendo uma
coisa e fazendo outra - a molecagem difere
apenas na cor e no teor. Na segunda-feira,
vestirei minha fantasia de EQUILIBRISTA -
caminhando na corda bamba estendida sem rede de
proteção (apesar de prometida), sustentando uma
vara escorregadia, sem certeza de que amarraram
a corda direito (provavelmente não). Tentando
com todas as minhas forças e habilidades não ser
derrubada pelos ventos da incúria nacional. Isto
é que é ser brasileira. Na terça-feira, será a
vez da minha fantasia de PALHAÇO. Sem
originalidade alguma, já que estarei cercada de
meus concidadãos, vestidos do mesmo jeito.
Formaremos o Bloco dos Burlados e driblaremos
nosso desconsolo, que é o que palhaço sabe fazer
bem. E ainda cantaremos a marchinha “De dia
falta água, de noite falta luz”.
Na quarta-feira de cinzas, terei, cristalizadas
nas bochechas, uma lágrima verde outra amarela.
Sairei, impávida, para a vida real, cantarolando
este samba-enredo: “A cegonha me largou de lá de
cima,/ Caí no abismo das desilusões./ Meu
coração quase parou / Quando ela me disse: no
Brasil você chegou./ Sou brasileira, sim. E amo
o Brasil./ Mas, for favor, não riam de mim”.
(Diário de Pernambuco, 9/2/2015)
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