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Por que os amigos morrem?
Sério. Não faz sentido.
Pra morrer, basta estar vivo. Todos sabemos
dessa incômoda verdade. É inevitável, de vez em
quando, pensar sobre esse assunto cruel que
torna insignificante a imensa maioria das nossas
preocupações, metas e conquistas.
Pensamos na dor de perder os avós, no pavor do
dia em que perderemos nossos pais (esperando que
a vida seja generosa o suficiente para não
morrermos antes deles), na angústia de pensarmos
se morreremos antes ou depois daquele que
amamos. Mas, estranhamente, quase nunca
colocamos os amigos nessa roda. Parece que os
enxergamos como pessoas alheias a essa
estapafúrdia ideia de morte.
Até que um deles morre.
Sério: como pode?! Amigos não devem morrer!
Amigos não podem morrer! Amigos não foram feitos
pra morrer!
Abre-se em nós uma imensa ferida que até pode
parar de doer, mas nunca sara. Barganha,
revolta, transtorno. Inconformismo com o mundo.
Sensação de injustiça, de desamparo, de
descrença na vida. Sensação eterna de vazio.
Tem dias em que a gente simplesmente esquece que
eles não estão aqui, outros em que faz questão
de fingir que esqueceu. Nos imaginamos, hoje à
noite, numa mesa de bar, rindo e falando mal da
vida, como sempre foi. Nos imaginamos perto
deles, como se nada tivesse acontecido, como uma
espécie de afronta a essa piada de mal gosto do
destino.
Quem permitiu que os amigos morressem e que esse
buraco se instaurasse no nosso peito, para nunca
mais sair?
E é tão duro ter que viver das lembranças. Ter
que mendigar sonhos com eles antes de dormir.
Ter que implorar por sinais nas noites de
angústia em que eles indicariam o melhor
caminho. É tão pouco ter que imaginar. É tão
difícil fechar os olhos e buscar a presença de
alguma forma. É tão, tão duro.
A saudade vai tentando massacrar a memória, o
tempo vai deixando o passado meio desfocado e a
gente precisa lutar para não deixar que as
lembranças esmoreçam. Para não permitir que a
eterna indignação da perda se torne mais
relevante do que as coisas boas vividas.
Às vezes nos flagramos imaginando como eles
estariam agora, se não nos tivessem sido
roubados pelo tempo. Imaginamos se teriam
engordado, se namorariam a mesma pessoa, se
estariam felizes no emprego, se continuariam
gostando daquela velha música. Imaginamos se
ainda usariam aqueles sapatos e se o corte de
cabelo seria o mesmo.
Mas acima de tudo: imaginamos o que eles diriam
sobre essa vida que estamos levando. Se diriam
que a calça que estamos vestindo é cafona, se
teriam apoiado nosso pedido de demissão, se
achariam que esse relacionamento em que estamos
é uma fria, se diriam “vamos sair hoje, que eu
quero te falar algumas coisas.”.
Mas eles não estão aqui. Não vai ter barzinho,
não vai ter conselho, não vai ter crítica
acompanhada de risada, não vai ter xingamento
bem vindo. Não vai ter abraço no fim da noite.
Passam os meses, os anos. A gente fica
aguardando o dia em que algo mude. Ou que a
gente pare de questionar, ou que eles surjam de
surpresa numa festa de aniversário, contando que
tudo não passou de um grande engano.
A verdade é que o tempo pode até diminuir a dor,
mas nunca cura essa falta. E que a gente tem que
parar de sofrer, para permitir que eles voem.
Mas que talvez a gente nunca se conforme. Que
talvez a gente passe a vida inteira tentando
entender. E não entenda.
Mas quem tem amigos sabe: amigos nunca vão
embora. Nós nunca fomos embora deles, nunca os
despejamos do nosso peito, nunca deixamos que
eles virassem passado. Por que eles haveriam de
fazer isso então? Não fariam. Eles estão por aí,
em algum lugar, olhando por nós com aquele ar de
reprovação, rindo do que nos fazia rir juntos,
cantarolando as músicas de sempre.
Estão aqui, estão na gente, caminhando ao nosso
lado, guiando nossos passos como sempre guiaram.
Porque amigos não vão embora.
RUTH MANUS |
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