Theresa Catharina de Góes Campos

     
QUANDO A HISTÓRIA DESFAZ INJUSTIÇAS

No encerramento das comemorações, realizadas no mundo inteiro, do quinto centenário do descobrimento da América, se faz necessária uma reflexão profunda, não somente sobre o escopo universal do fato, mas também sobre as inúmeras injustiças que, no seu tempo, foram feitas ao navegador Cristóvão Colombo. Aliás, desde a Antigüidade, ambições e rivalidades pessoais colocam num plano inferior homens e mulheres notáveis que, dotados de uma visão avançada, terão seu valor reconhecido apenas depois de sua morte, graças ao depoimento da História.

Atualmente, a Itália não deixa que se esqueça o nascimento de Colombo em Gênova, no ano de 1451. Ocorre, porém, que o filho do tecelão Domenico Colombo e Susana Fontanarossa - o primogênito de cinco irmãos - aos 14 anos deu início à sua carreira de marinheiro. Participando, como adolescente, de viagens pelo Mediterrâneo, demonstrava conhecimento de aritmética, geometria, geografia e astrologia, além de complementar sua experiência náutica com o auxílio de leituras, sobretudo relatos de expedições da época. O naufrágio de que foi vítima deu-lhe a oportunidade de, em 1476, estabelecer-se em Portugal, que estava em pleno período de navegações. Singrando o norte e o sul do Atlântico, documentou-se sua chegada a Bristol, fazendo-se, então, referência a uma ilha - talvez Terra Nova - chamada Brasil. Como acontece com todas as pessoas capazes de grandes empreendimentos, Colombo tinha um sonho muito especial, ou melhor, um plano que, pelo menos para ele, tinha bases sólidas, realistas. Sua mente esclarecida inspirou-lhe a determinação de abrir novos caminhos para as Índias e achar novas terras. Experimentando o ambiente desbravador das conquistas marítimas lusitanas, concebeu o projeto de viagem ao Oriente através de novas rotas pelo Ocidente.

SONHO DE UM DOM QUIXOTE ?

Ao se pesquisar a vida de Cristóvão Colombo não temos dificuldade em compreender que os acontecimentos de caráter particular encontram-se entremeados às suas atividades profissionais. Escolhe para esposa, por exemplo, Filipa Moniz, filha natural do navegador Bartolomeu Perestelo. Debruçado sobre os livros e mapas do sogro, fica mais convencido do que nunca da existência de novas rotas marítimas. Na evolução de seu pensamento, semelhante ao Prometeu da mitologia greco-romana, antevê terras desconhecidas à sua espera. Todavia, é em vão que tenta convencer as autoridades de Portugal quanto à viabilidade e aos benefícios econômicos de seus planos.

Novamente demonstrando persistência, Colombo decidiu bater em outras portas com a sua mensagem de pioneiro. Logo depois que D. João II rejeitou o projeto, o navegador ficou viúvo e viajou para a Espanha com seu filho Diego. Nas proximidades do porto de PaIos, visitou o convento Rábida, conseguindo interessar em suas idéias os frades Juan Pérez e Antônio de Marchena. Dos religiosos, Colombo recebeu um ótimo conselho - recorrer aos soberanos espanhóis. Assim encorajado, Colombo chegou à Corte, onde expôs seus objetivos. Os reis Fernando e Isabel, mostrando ter a sabedoria que se espera de autoridades capazes de bem governar os destinos de seus súditos, apoiaram o navegador. As despesas com a importante expedição foram partilhadas entre os monarcas e os banqueiros genoveses de Sevilha. Bem se pode imaginar o entusiasmo de Cristóvão Colombo ao zarpar no comando geral da esquadra composta de três caravelas. Sua protetora desejava ardentemente conquistar novos cristãos, enquanto os magnatas calculavam as vantagens financeiras que adviriam de um empreendimento de sucesso. Acreditamos que a perspectiva do descobridor era a de um homem que se pode qualificar de instruído porque sabia situar os seus conhecimentos no contexto geral da realidade geográfica e política da época, ampliada por uma percepção inteligente das condições humanas, econômicas e sociais. A partida da expedição, aliás, ocorrera somente após diversas solicitações de apoio antes rejeitadas, como o parecer da Junta, em 1485, apesar de o projeto ter sido submetido pelos soberanos espanhóis. Uma segunda tentativa resultara novamente em fracasso. Os monges Pérez e Marchadena, informados por Colombo, prometeram-lhe voltar a falar com os reis Fernando e Isabel. Enquanto isso, o navegador conseguiu persuadir Martín Alonso Pinzón, que se deixou atrair pelas possibilidades de lucro que a viagem oferecia. A nova entrevista real foi em novembro de 1491 e os assessores da Corte deram, afinal, a sua aprovação.

SENSO PRATICO DE UM SANCHO PANÇA?

Destacando o fato de Colombo ter vivido um século antes da obra clássica de Miguel de Cervantes, chamamos a atenção para a dualidade que se pode constatar em sua figura. A obstinação que devotou a seus planos, aparentemente de um sonhador, era acompanhada de um inegável senso prático, numa definição viva que bem descreve o tipo humano dos que têm a Espanha como pátria. Por outro lado, até hoje a nação espanhola constitui "um ponto de encontro histórico e cultural entre a Europa e a África, continentes que, na verdade, são dois mundos bastante diversos". Assim, sem que houvesse um único religioso na esquadra, o empreendimento fundamentalmente comercial fora transformado em realidade graças à autoridade e ao prestígio dos irmãos Pinzón, Martín e Vicente. Entre os objetivos almejados, estava a restauração da economia nacional, bastante comprometida no acordo de Alcaçarias, firmado com Portugal. Com o estabelecimento de relações diretas com as Índias, esperava-se uma solução para os problemas financeiros enfrentados pela Espanha.

Agindo de acordo com a sua concepção da esfericidade da Terra, Colombo desembarcou no dia 12 de outubro em uma das Ilhas Bahamas, tomando posse oficial para a Coroa e batizando-a de San Salvador. Antes, porém, tivera que interromper a viagem para que fossem efetuados reparos na caravela "Pinta" e, mais tarde, enfrentara uma rebelião iminente de sua tripulação, que começava a descrer de encontrar novas terras.

Ainda com a idéia de ter chegado ao Extremo Oriente, o navegador pretendia chegar ao Japão e à China. Depois de visitar São Domingos e Cuba, regressou à Espanha, onde teve uma recepção tão gloriosa como as que eram prestadas aos generais gregos vitoriosos, na Antigüidade.

Para o descobridor, o mais importante foi conseguir, de novo, o apoio de Fernando e Isabel, o que lhe possibilitou o prosseguimento de sua expedição. Ao contrário do que ocorrera com a primeira viagem, havia grande número de voluntários, quando partiu em 24 de setembro de 1493.

DISSABORES E CALÚNIAS

Como o herói espanhol do século XI, El Cid, o grande descobridor genovês passaria por muitas traições e dificuldades as mais inesperadas. Além disso, o nome de Colombo não iria batizar as terras que ele tão arduamente descobrira. Devido a um engano cometido pelo cosmógrafo alemão Waldseemüller, quem teve a honra de dar seu nome ao continente descoberto por Colombo foi o cosmógrafo e explorador italiano Américo Vespúcio.

Todavia, a História universal registrou todos os feitos do navegador a serviço de Castela que, em sua segunda viagem, descobriu as pequenas Antilhas, inclusive Porto Rico. Na mesma expedição, teve a tristeza de constatar que os nativos de La Espanola (em São Domingos) haviam massacrado a guarnição e destruído o forte de La Navidad, construído por Colombo no comando de sua primeira esquadra. Foi ele também que decidiu fundar um estabelecimento organizado no Novo Mundo pelos europeus. Saindo em nova aventura, descobriu a Jamaica. Na sua volta a Isabela, encontrou uma situação muito difícil. Os colonizadores que o navegador ali deixara, quando não acharam os lendários tesouros com que contavam se enriquecer, regressaram à Espanha disseminando acusações sérias contra Colombo, a quem chamavam de tirano. Com a finalidade de conduzir uma investigação, os reis enviaram Juan de Aguado. Pressionado e se sentindo injustiçado, o descobridor viu-se forçado a se dirigir outra vez à Corte. Sem conseguir limpar seu nome, Colombo passou por mais uma humilhação: para a terceira expedição, foi obrigado a recorrer a criminosos indultados. Escolhendo a rota sudoeste, chegaram a Trinidad e acompanharam o litoral sul-americano do Golfo de Pária, na foz do Orenoco. Mas as vitórias profissionais não o livravam de perseguições, inclusive um motim chefiado por Francisco Roldán, em La Española. Após o inquérito do interventor Francisco de Bodadilla, o navegador Colombo e seus irmãos desembarcaram na Espanha como prisioneiros. "Mais uma vez, os reis lhe fizeram justiça, porém não o reintegraram no governo das Índias".

Na quarta expedição (1502), chegou à Martinica, de lá rumando para La Española. O Governador Ovando, entretanto, não lhe permitiu que desembarcasse. Ora, como conciliar tal atitude com as '''Capitulações'' de Santa Fé, firmadas em 17 de abril de 1492, que reconheciam a Colombo e seus descendentes a posse das terras que fossem descobertas e a décima parte das riquezas? Cabiam-lhes ainda o vice-reinado e governo dos territórios, sem esquecer que a nomeação de almirante significava prerrogativas especiais.

A HOMENAGEM DAS TRÊS AMÉRICAS

A morte de sua protetora Isabel assinala também o último período da vida de Cristóvão Colombo. Em 1506, quando morreu, ainda não sabia da existência de um novo continente entre a Europa e a Ásia. Só com o passar dos anos se vislumbraria o verdadeiro significado de seus descobrimentos. Se ele pudesse embarcar numa "máquina do tempo", na certa, mostraria desejo de visitar a Colúmbia (estado norte-americano), o país sul-americano Colômbia e uma das províncias canadenses, a Colúmbia Britânica. Aos jornalistas que o entrevistassem, descreveria suas emoções como navegador e opinaria a respeito dos astronautas e suas conquistas espaciais. Afinal, os grandes homens pertencem a todas as épocas e a todas as nações.

Theresa Catharina de Góes Campos
Artigo publicado no Jornal Correio Braziliense, edição de 31 de julho de 1983.
Brasília - DF

De: monica bernardes

Que belo e interessante artigo, Theresa! Parabéns pela produção de extrema qualidade, com dados históricos entremeados às suas apropriadas e ricas interpretações, sempre muito sensíveis e pertinentes! Vou guardar este texto para talvez aproveitar como citação de minha tese de doutorado, que envolve as histórias de vida de profissionais criativos nas diversas áreas de conhecimento. Abraço,
Mônica
Mônica Bernardes
Designer de Joias
Brasília - DF

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De: Theresa Catharina de Goes Campos
Data: 24 de julho de 2015
Para: monica bernardes

Grata, muito grata a você, Mônica, por ter lido meu artigo com percepção cultural e humanística, exatamente a leitura que pretendi transmitir, ao escrever o texto - muito obrigada. Um incentivo enorme para mim!
Parabéns pela escolha da tese de doutorado que está elaborando.
Abraços cordiais e votos de contínuo sucesso, nas pesquisas acadêmicas e no seu trabalho de ourivesaria artística, como designer de joias.
Theresa Catharina

 

Jornalismo com ética e solidariedade.