|
|
|
|
|
|
MEMÓRIA > OS HERÓIS DE HEMINGWAY
Os voluntários judeus na Guerra Civil espanhola
Sheila Sacks, 18/08/2015
“O mais terrível dos sentimentos é o sentimento
de ter a esperança perdida” (García Lorca, poeta
e dramaturgo espanhol, fuzilado em 1936)
Dois dias antes das eleições americanas de 4 de
novembro de 2008 – que consagraram Barack Obama
como o primeiro negro a atingir à presidência
dos Estados Unidos –, uma reportagem doNew York
Times destacava os exemplos de heróis do então
candidato democrata Obama e de seu oponente, o
republicano John McCain. Para ambos, o
protagonista do livro Por quem os sinos dobram,
o brigadista Robert Jordan, era a representação
do homem honrado, generoso, determinado,
altruísta, idealista e disciplinado. Ambientado
na guerra civil espanhola (1936-1939), o romance
de Ernest Hemingway (1899-1961) foi publicado em
1940 e é baseado em sua vivência como
correspondente de guerra em Madri. O escritor
trabalhava para a North American Newspaper
Alliance (Nana), a mais importante agência de
notícias à época.
http://observatoriodaimprensa.com.br/wp-content/uploads/2015/08/Guerra-civil-espanhola.png
Brigadas Internacionais na Guerra Civil
espanhola
Engajado contra o fascismo que avançava na
Europa (e que matou García Lorca aos 38 anos, em
Granada), Hemingway acompanhou a saga dos
voluntários das Brigadas Internacionais
(1937-1938) que combatiam pela República
espanhola contra o golpe militar liderado pelo
general Francisco Franco, com o apoio de
Mussolini e Hitler. Estima-se que 35 a 40 mil
estrangeiros de 53 países, grande parte jovens
de ideais socialistas (sendo 8 mil judeus),
atenderam ao apelo do presidente espanhol
Francisco Largo Caballero (1869-1946), o
primeiro sindicalista a chefiar um governo na
Espanha. Os brigadistas chegaram ao país no que
seria o derradeiro despertar da consciência
coletiva antes da hecatombe nazista.
No contato diário com os combatentes vindos dos
Estados Unidos, o escritor lapidou o personagem
central de seu livro que, para alguns
pesquisadores, tem o perfil do judeu
nova-iorquino Irving Goff (1900-1989), capitão
da Brigada Abraham Lincoln, com 3,2 mil
voluntários, e para outros se assemelha a Milton
Wolff (1915-2008), também um judeu de Nova York,
o último comandante da brigada. Com 40% de seu
efetivo composto por judeus americanos, a
Brigada Lincoln foi desmobilizada em outubro de
1938 e perdeu 900 combatentes em solo espanhol.
Atrás das linhas inimigas
Mas, quem de fato teria inspirado o herói de
Hemingway? No cinema, Jordan foi vivido pelo
galã Gary Cooper num filme de 1943, tendo como
parceira Ingrid Bergman. Na história, o
personagem é um professor de espanhol
especialista em explosivos, americano do estado
de Montana que se engaja na luta contra o
fascismo através das Brigadas Internacionais.
Ele viaja à Espanha para se juntar aos
republicanos da Frente Popular que lutam contra
os franquistas nacionalistas. Sua missão é
explodir uma ponte para evitar que as tropas
inimigas cheguem à cidade de Segóvia.
Em artigo para o New York Times, o jornalista e
escritor David Margolick, ao analisar a
preferência de Obama e McCain pelo personagem de
Hemingway, destaca que o escritor jamais revelou
em quem se baseou para construir o seu herói.
Sabe-se que ele conheceu em Madri um jovem
professor da Universidade da Califórnia, Robert
Merriman, que tinha estudado economia em Moscou
e pertencia ao comando tático da Brigada
Lincoln. Morto por tropas franquistas em 1938,
Merriman, porém, não era perito em explosivos
nem se infiltrava através das linhas inimigas
como Jordan fazia. Já Irving Goff atuava em
operações de guerrilha no território inimigo,
explodindo pontes, ferrovias e linhas de
energia. Também Milton Wolff participava de
situações perigosas e protagonizou ações
heroicas comandando batalhas sangrentas. Ambos
os brigadistas eram judeus e filiados ao Partido
Comunista americano (Communist Party USA-CPUSA).
No mesmo artigo (“A Hemingway hero embraced by
both sides” – “Herói de Hemingway é adotado por
ambos os lados”, em tradução livre), Margolick
cita Allen Josephs, professor de literatura na
Universidade de West Florida, ao assinalar que o
Jordan criado por Hemingway era um comunista,
mas mudou sua filiação para “antifascista”
depois da objeção de seu editor, Charles
Scribner. Ainda de acordo com Margolick,
certamente não cairia bem, até em termos
comerciais, Hemingway tipificar seu herói como
um judeu comunista nascido no Brooklyn, ainda
que essa fosse a realidade dos muitos americanos
que ele encontrou na Espanha.
Coragem elogiada
Em 1938, em uma reportagem sobre os brigadistas
americanos, Hemingway descreve Milton Wolff como
um jovem de 23 anos, “alto como Lincoln, magro
como Lincoln e tão corajoso e tão bom soldado
como aqueles que lutaram nos batalhões em
Gettysburg” (local da batalha que marcou o fim
da guerra civil americana, em 1863, dando a
vitória ao governo abolicionista de Abraham
Lincoln). O escritor ressalta a habilidade de
Wolff, atestando que dos “nove comandantes dos
batalhões Lincoln, quatro morreram, quatro foram
feridos e o nono era Milton Wolff”. E reforça:
“Ele está vivo e sem ferimentos pela mesma
casualidade que a passagem de um furacão deixa
em pé uma alta palmeira.”
Wolff conheceu Hemingway em Madri, em julho de
1937, quando esteve na cidade por um período de
folga. O encontro em um bar é descrito no seu
livro de memórias Another Hill (Outra Colina),
de 1994. Meses depois, como comandante da
Brigada Lincoln, Wolff é fotografado ao lado do
escritor e a foto ilustra a primeira página do
jornal americano judaico The Forward (atualmente
semanário), com tiragem de 270 mil exemplares.
Seu autor, o húngaro Robert Capa, frequentava o
grupo de Hemingway e tornou-se um dos mais
célebres fotógrafos de guerra da primeira metade
do século 20.
Conta-se que até então a mãe de Wolff, em Nova
York, ignorava que o filho lutava nas Brigadas
Internacionais. Nas cartas, ele dizia que
trabalhava em uma fábrica na Espanha para ajudar
os combatentes republicanos. A foto, que correu
o mundo e foi replicada por centenas de revistas
e jornais, mostra um jovem magro, envergando uma
farda, de semblante sério e com os cabelos
escuros cobertos por uma boina. Ele olha para
baixo como querendo evadir-se da lente da
câmera. Ao seu lado, a imagem marcante de um
Hemingway parecendo bem à vontade em sua missão
de reportar a guerra.
Ativista até o fim
De volta aos Estados Unidos, Wolff se mantém
fiel aos seus ideais, participando com outros
veteranos de manifestações públicas contra a
ditadura de Francisco Franco e de campanhas de
assistência às famílias dos presos políticos,
exilados e refugiados espanhóis. Por esse motivo
ele chega a ser preso em 1940 e nos anos 1950 é
alvo da intensa patrulha anticomunista liderada
pelo senador Joseph McCarthy, em um período de
delações e perseguições que atingiu militantes,
intelectuais e artistas. Por ocasião de sua
morte, em 2008, aos 92 anos, o jornal espanhol
El Mundo lembrou que Wolff combateu durante toda
a vida os movimentos fascistas. Na Segunda
Grande Guerra ele colaborou com os serviços
secretos britânicos e quando os Estados Unidos
entraram no conflito se alistou no exército. Foi
enviado para a Itália ocupada para lutar ao lado
dos partisans (guerrilheiros) antifascistas.
O jornalista e escritor Jacinto Antón, em artigo
no El País – o maior jornal da Espanha – é
incisivo acerca do mítico comandante “El Lobo”,
como Wolff era chamado por seus companheiros:
“Caiu um valente”, escreve o articulista no
início da matéria (“Milton Wolff, el último
comandante de la Brigada Lincoln”, em
08/01/2008). Antón observa que a descrição que
Hemingway fez sobre o brigadista ainda
permanecia atual. Apesar da idade, Wolff viajava
à Espanha todos os anos para voltar a cruzar o
rio Ebro – como na guerra, perseguido pelos
inimigos – e jogar flores em suas águas em
memória dos companheiros mortos, saudando-os com
um “Salud, camaradas!”
Em 2002, em visita a Barcelona, Wolff afirmou
que sua luta na Espanha foi voluntária e
pessoal. “Tenho a Espanha em meu coração. Este é
o meu segundo país”, disse. Convidado a falar
sobre a sua experiência como brigadista, Wolff
admitiu que ao lutar pela República espanhola
ele desafiou as leis dos Estados Unidos e se
arriscou a perder a própria nacionalidade.
Visão “aventureira”
O outro possível inspirador de Hemingway, Irving
Goff, nasceu em 1900 e cresceu nas ruas do
Brooklyn. Ele foi acrobata profissional até
ingressar no Partido Comunista. Em abril de 1937
viajou para a Espanha e meses depois já estava
atuando nas guerrilhas. Treinado no uso de
explosivos por instrutores soviéticos, uma de
suas ações mais difíceis foi a destruição de uma
ponte no povoado de Albarracín, na província de
Teruel – 300 quilômetros ao noroeste de Madri –
com o objetivo de cortar o abastecimento das
tropas franquistas. Esse feito pode ter
influenciado o enredo de Hemingway, cujo
personagem também se incumbe de explodir uma
ponte para deter o avanço dos inimigos.
Entretanto, o próprio Goff criticou o escritor
logo após o lançamento do livro pelo que julgou
uma visão “romântica e aventureira” em relação
ao tema.
Um dos biógrafos de Hemingway, o jornalista Milt
Machlin (1924-2004), afirma que o escritor teve
longas conversas com Goff que, em companhia de
dois outros brigadistas, Willian Alstrom e Alex
Kunslich, formavam um grupo especial de
guerrilha. Kunslich havia desaparecido nas
montanhas durante uma incursão por trás das
linhas inimigas e essa história chegou aos
ouvidos de Hemingway. Criador das expressões
“Triângulo das Bermudas” e “o abominável homem
das neves”, Machlin foi correspondente da
agência France Presse e depois se dedicou a
reportagens de aventura. Ele viajou a Cuba para
conhecer pessoalmente o seu biografado. O livro
The Private Hell of Hemingway (O inferno Privado
de Hemingway) foi publicado em 1962.
Legião do Mérito
Com a Segunda Grande Guerra em curso, Goff foi
convidado por Milton Wolff, companheiro das
brigadas, para trabalhar a serviço da
Inteligência Britânica, através da Agência de
Serviços Estratégicos (Office of Strategic
Services – OSS), precursora da CIA. Comandada
pelo general William J.Danovan (o militar mais
condecorado dos Estados Unidos), a agência
começou a funcionar em 1941, quando os
americanos ainda não estavam envolvidos
oficialmente na Segunda Grande Guerra.
Goff aceitou a convocação e partiu para o norte
da África onde iniciou o treinamento de recrutas
espanhóis para habilitá-los nas operações atrás
das linhas alemãs. Em 1943, é enviado à Itália
pelo general Danovan para preparar os
voluntários italianos nas operações de guerrilha
contra tropas nazistas, no norte do país. Anos
depois recebe a Legião do Mérito (Legion of
Merit – LOM), medalha militar das Forças Armadas
dos Estados Unidos, concedida àqueles que
prestam serviços especialmente meritórios à
nação. Ao falecer, em 1989, é sepultado no
cemitério nacional de Arlington, em Washington,
onde os veteranos e militares mortos nas guerras
são enterrados com honras de Estado.
Causa coletiva
No estudo “Judios en La Guerra de España”, o
pesquisador espanhol Alberto Fernández
(1914-1993) comenta que “a maioria dos judeus
que chegou à Espanha para combater as forças
franquistas não veio como judeus e sim por
simpatizar com a causa dos republicanos”.
Oficial do exército republicano na guerra civil,
Fernández teve contato com centenas de
brigadistas, foi ferido e com a vitória de
Franco teve de se exilar na França, onde lutou
contra os nazistas. No texto em questão
(arquivado na biblioteca digital da Universidade
de Salamanca, a mais antiga do país), Fernández
também credita ao avanço do antissemitismo na
Alemanha a decisão desses voluntários de lutar
contra o fascismo na Espanha, já que muitos eram
socialistas, comunistas ou simpatizantes desses
movimentos.
A mesma opinião tem a historiadora Raquel Ibáñez
Sperber, de origem espanhola e que reside em
Israel. Ela considera que o alto grau de
antissemitismo presente nos governos de direita
na Europa dos anos 1930 constituiu um fator
importante para explicar a alta proporção de
judeus (em torno de 20%) nas Brigadas
Internacionais. Responsável pela exposição que
reuniu fotos, documentos e objetos sobre os
voluntários judeus das Brigadas Internacionais,
em 2003, na Universidade Hebraica de Jerusalém,
Raquel Ibáñez destaca que diante do acordo
explícito do general Franco com a Alemanha
hitlerista, judeus liberais da classe
“burguesa”, antes indiferentes, mostraram
simpatia pela causa republicana.
Voluntários de Israel
Além dos judeus da Europa, das Américas e parte
da África, as Brigadas também contaram com
voluntários judeus originários de Israel. Uma
mostra instalada no Museu de Eretz Israel (Terra
de Israel) de Tel Aviv, em 2013, resgata a
memória desses combatentes esquecidos pelas
páginas da história. A exposição intitulada
“From here to Madri” (De aqui para Madri)
homenageia os 267 voluntários judeus nascidos na
antiga Israel sob o mandato britânico que
combateram na guerra civil junto aos
republicanos espanhóis.
A história desses brigadistas também é contada
no documentário produzido em 2007 pelo
israelense Eran Torbiner, intitulado Madrid
before Hanita, em alusão ao kibutz Hanita, na
Galileia. O filme expõe as críticas que esses
jovens receberam por colocarem a luta contra o
fascismo na Espanha acima do projeto de
edificação de uma pátria na Terra Santa, ou
seja, “Madri antes de Hanita”. Tendo que
combater, por um lado os ingleses colonialistas
e por outro os árabes, que queriam destruí-los,
foi grande o desagrado das lideranças judaicas
com a partida desses combatentes.
Esse enfoque, porém, mudou a partir de 1986,
quando da celebração, em Israel, dos 50 anos do
início da guerra civil espanhola. O então
presidente Chaim Herzog, quebrando um silêncio
de décadas, elogiou o heroísmo dos voluntários,
chamando-os de “guardiões do espírito e da
imagem da humanidade e defensores da cultura
humana”. Na solenidade promovida pela Histadrut
– a Federação de Trabalhadores de Israel –
Herzog agradeceu aos brigadistas: “Em nome do
povo de Israel, a principal vítima dos nazistas
e fascistas, eu presto minha homenagem à honra e
glória dos combatentes voluntários que deram a
vida por essa causa e dos sobreviventes que aqui
estão. Que eles possam desfrutar de uma vida
longa e feliz.”
Homenagens na Espanha
Dois anos depois (1988), em Madri, os
brigadistas judeus mortos em combate na Espanha
ganharam uma lápide no cemitério de Fuencarral.
Além dos nomes dos 15 combatentes (aos quais
posteriormente se acrescentaram mais quatro), um
texto in memoriam testemunhava: “Aqui jazem os
voluntários judeus heroicamente caídos em Madri,
no transcurso da guerra civil espanhola em
defesa da liberdade. A vossa e a nossa.” Também
em Barcelona a passagem dos brigadistas judeus
pela Espanha foi lembrada. Desde 1990, uma
escultura em forma da estrela de David está
instalada no cemitério de Montjuic, junto às
lápides de outros brigadistas e das vítimas da
repressão franquista.
Em 1996, por ocasião dos 60 anos do início da
guerra civil, 350 veteranos remanescentes das
Brigadas, a maioria com mais de 80 anos,
voltaram a Madri, convidados pelo governo
espanhol. Na saudação, é citada a frase do
escritor Antonio Muñoz Molina, autor da obra A
Noite dos Tempos (2009), centrada na guerra
civil espanhola: “Viajaram para um país que não
conheciam dispostos a perder, não somente a
juventude, mas também, se fosse preciso, a sua
vida em defesa da liberdade.”
Esse reconhecimento fica patente com o decreto
real emitido naquele ano pelo qual os
brigadistas poderiam optar pela nacionalidade
espanhola, ainda que tivessem de renunciar à sua
cidadania anterior. Restrição anulada em 2007
com a instituição da “Lei de Memória Histórica”
que concedeu a cidadania sem imposições. A Lei
da Memória também abriu os documentos sigilosos
da guerra civil e criou mecanismos para a
reparação moral e jurídica dos combatentes e dos
perseguidos da ditadura de Franco (regime que
durou até a sua morte, em 1975).
Aviões de Hitler
De acordo com o historiador alemão Carlos
Collado-Seidel, especializado em história
espanhola, o golpe militar de 18 de julho de
1936 contra o governo republicano não iria
adiante sem os aviões de Hitler e Mussolini. As
aeronaves transportaram os milhares de soldados
das tropas africanas do protetorado espanhol de
Marrocos para lutarem ao lado dos franquistas.
No livro España, regufio nazi (2004), o
historiador revela a afinidade ideológica e a
comunhão de interesses que uniram Franco a
Hitler.
Estima-se que Hitler enviou às forças
franquistas 14 mil soldados alemães, centenas de
tanques, armamentos e mais de 700 aviões que
formaram a Legião Condor. O bombardeio da cidade
basca de Guernica, imortalizado na pintura de
Pablo Picasso, foi executado pela força aérea
alemã. A Itália de Mussolini também colaborou
com mais de 30 mil homens, tanques, armas e 660
aviões Do lado dos republicanos, o apoio veio
basicamente da União Soviética, que enviou mil
aviões, 900 tanques, armamentos e instrutores. A
Inglaterra, França e Estados Unidos, alegando
que o conflito se limitava ao território
espanhol, se desobrigaram de qualquer tipo de
ajuda ou intervenção. Calcula-se que 400 mil
espanhóis morreram no conflito e mais 180 mil
durante os anos de chumbo da ditadura.
A historiadora austríaca Renée Lugschitz estudou
por quinze anos a guerra civil espanhola e
publicou a obra Luchadoras em España: Mujeres
extranjeras en La Guerra Civil Española, em
2012. Ela explica que um terço dos brigadistas
morreu nas frentes de batalha e aqueles que
sobreviveram sofreram perseguição política ao
voltarem para seus países. “Um grande número
acabou em campos de concentração na França, mas
outros terminaram em prisões comunistas após a
Segunda Guerra Mundial.” No Brasil, dos 20
voluntários que decidiram lutar na Espanha, dois
eram judeus. Ernest Yosk e Wolf Reutberg,
comunistas perseguidos pela ditadura de Vargas,
combateram na Espanha e morreram na Europa
durante a Segunda Grande Guerra. O primeiro em
um campo de concentração na Alemanha e o outro
fuzilado pelos nazistas na França ocupada.
“Deu sentido à vida”
Correspondente do New York Times na guerra civil
espanhola, o jornalista americano Herbert L.
Mattews (1900-1977) tornou-se amigo de Hemingway
em Madri. Ele ganhou notoriedade internacional
anos depois, em 1957, ao entrevistar com
exclusividade, na Sierra Maestra, o então
guerrilheiro Fidel Castro, que comandava nas
montanhas os grupos rebeldes na luta armada
contra a ditadura de Fulgencio Batista.
No livro que publicou em 1973 sobre a sua
vivência na guerra espanhola (Half of Spain Died:
a reappraisal of the Spanish Civil War – Metade
da Espanha morreu: uma reavaliação da Guerra
Civil Espanhola, em tradução livre), Mattews
escreve sobre os sentimentos que o animavam
naqueles tempos: “Nada tão maravilhoso vai me
acontecer novamente como esses dois anos e meio
que eu passei na Espanha. Deu sentido à vida;
incutiu coragem e fé na humanidade. Aqui eu
aprendi que homens podem ser irmãos e que
nações, fronteiras e raças são apenas aparatos
externos.”
Saudando os brigadistas que conheceu nesse
período, o jornalista americano exaltou a sua
ligação emocional com essas pessoas. “Hoje,
neste mundo, onde quer que eu encontre um homem
ou uma mulher que lutou pela liberdade na
Espanha, eu encontro uma alma gêmea. Nada vai
quebrar esse vínculo, jamais. Lá, nós deixamos
nossos corações.”
Igualmente para Hemingway a guerra civil
espanhola teve um impacto que perdurou por toda
a vida. A presença de figuras como George
Orwell, autor de 1984, e André Malraux (A
Condição Humana), entre outros intelectuais e
artistas que pegaram em armas para lutar pela
liberdade na Espanha entusiasmava o escritor: “A
guerra civil espanhola foi o momento mais feliz
de nossas vidas”, sintetizou. “Nós éramos
felizes. Apesar das pessoas morrerem, pensávamos
que suas mortes eram justificadas porque elas
morriam por uma causa em que acreditavam” (A
Death in San Pietro – Uma Morte em San Pietro,
de Tim Brady/2013).
Ao retornar da Espanha, Hemingway decide residir
em Cuba. Em 1939, no quarto do hotel Ambos
Mundos, no centro de Havana, escreve Por Quem os
Sinos Dobram (For Whom the Bell Tolls). Com o
sucesso editorial do livro – um dos 100 livros
mais importantes do século 20 segundo pesquisa
do jornal francês Le Monde – o criador de Robert
Jordan, herói de Obama e também do cubano Fidel,
finalmente conseguiu adquirir a casa de seus
sonhos, de arquitetura espanhola e debruçada
sobre o mar caribenho, onde viveu por duas
décadas.
|
|
|
|