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O SONHO DE REFÚGIO
(miniconto)
A Sra. Palavra viajou durante alguns anos,
constantemente emigrando em razão da abundância
de ruídos padronizados, grupos violentos e
políticas silenciosas - mas ditatoriais - dos
comitês onipresentes de oposição ao diálogo.
Vendeu por vinténs seus parcos recursos. A peso
de ouro, pagou sua aventura homérica sem destino
certo. Passou por sofrimentos inimagináveis que
o pudor ainda a impede de relatar. Quase sem
voz, pensa que, afinal, parece ter chegado a um
porto tranquilo, bem distante do circo de
horrores que a expulsara de onde antes residia -
o lar de raízes fortes, enriquecido por
tradições, herança linguística, nomes e rostos
habituais.
Exausta, disfarçou a impaciência. A espera foi
longa, no entanto, não recebeu o acolhimento
sonhado... Embora tudo parecesse bem organizado,
em lugares vazios ou lotados, nem era notada.
Conseguiu depois embarcar em trens abarrotados
de pessoas a seu redor e lado a lado, onde
barulho não faltava. Escalas e desembarques se
sucederam, sempre tangida como rebanho sem
pastor, prejudicada pela ausência de documentos
pessoais para se apresentar. Quando a Sra.
Palavra tentava falar, não a compreendiam.
Os interlocutores - repetitivos, lacônicos! -
exigem o preenchimento de formulários extensos,
confusos para a Sra. Palavra responder,
preocupantes - sem o incentivo tácito de uma
atitude de acolhimento, sem a simpatia de um
sorriso.
Ela continua exausta, assombrada pela percepção
da qual não consegue se livrar: sente-se
desgarrada, como se fosse um hieróglifo à espera
de intérprete com sabedoria para decifrá-lo. Não
consegue esclarecer a si mesma o porquê de não
ser uma pessoa bem-vinda ao refúgio sonhado.
Perturbada, conclui: encontrar abrigo, neste
mundo de solidão barulhenta, em ambientes
desprovidos de empatia, sem condições para se
iniciar um diálogo, lhe parece agora uma utopia.
Ninguém a ouve terminar uma resposta, explanar o
pensamento, nem lhe prestam qualquer atenção.
Como lidar com indivíduos posando de poderosos,
de ouvidos fechados, olhos sem visão, exibindo
um ar de suposta superioridade e demonstrando um
coração empedernido também adormecido?
A Sra. Palavra se cala. Apavorada e talvez por
esgotamento físico-emocional, a Sra. Palavra vai
empalidecendo, desfalece...
Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília - DF, 16 de fevereiro de 2016 |
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