Trava-se uma polêmica a respeito de levantamento do sigilo de conversas telefônicas gravadas com ordem judicial, especialmente quando um dos interlocutores, não investigado, tem prerrogativa de foro por conta do cargo.
Lembrei-me da época do Império, cuja Constituição Política dispunha que “a pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma” (artigo 99). O governo era hereditário, passando de pai para filho, segundo as normas da primogenitura. Uma dinastia. A Constituição elitizava os abastados. Estabelecia um limite mínimo de renda pra ser senador, deputado e até para votar. Para ser senador, o interessado tinha que provar “um rendimento anual, por bens, indústria, comércio ou empregos a soma de 800.000” Elitizava, igualmente, a família imperial, sobretudo a esposa, em favor da qual era instituída um ganho para manter o “decoro de sua alta dignidade”.
Tudo isso mudou. O bem comum, de todos, embora muitos ainda resistam, deve ser um dos objetivos fundamentais de qualquer governo. O exercício da cidadania tem que se sobrepor ao sentimento elitista. O interesse da sociedade é legitimado para enquadrar o poder do governante, pois o homem é a base de tudo. O poder da sociedade é amplo e só pode ser limitado por seus próprios interesses. O governo é passageiro. A sociedade é vitalícia, tem supremacia.
Há princípios que regem a relação entre o Poder e a sociedade, dentre eles o da publicidade, traduzindo em transparência. O mandatário exerce governo do povo, para o povo. A publicidade é uma cintilografia a permitir que qualquer pessoa veja, com seus próprios olhos, o funcionamento do intestino da Administração Pública, que compreende Executivo, Legislativo e Judiciário. A publicidade é o espelho da verdade e revela a textura ética de qualquer servidor público, do mais humilde ao Presidente da República. Nenhum cuidador da coisa pública pode se desvincular do princípio ético, que é de natureza impositiva. Nada a esconder em relação aquilo que faço ou falo como obreiro do povo.
A Constituição Federal garante o sigilo das conversas telefônicas e, por outro lado, impõe que os julgamentos e atos processuais sejam do conhecimento de qualquer pessoa. O juiz pode limitar essa publicidade nos casos em que “a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”. Quando se trata de conversa que diga respeito direto ao serviço público e sua revelação não prejudique interesse da segurança nacional, o princípio da transparência, de natureza vinculante, surge com maior imposição: o juiz deve levantar o sigilo e dar publicidade.
Nenhuma diferença existe entre a revelação do conteúdo de um interrogatório, prestado na polícia ou em juízo, e a publicidade, por decisão judicial, do que tenha dito a mesma pessoa, ou outra, por telefone ou por qualquer meio de comunicação. O juiz, conciliando o direito à intimidade com o interesse público à informação, deve, em casos assim, levantar o sigilo das conversas que digam respeito aos fatos investigados e resguardar essa garantia dos demais diálogos. A Constituição Federal protege a inviolabilidade, sim, mas apenas em relação a quem faz bom uso das garantias constitucionais inerentes às comunicações. Seria uma imoralidade conferir idêntica proteção a situações tão diferentes. A Lei n. 9.296/96, que disciplina o monitoramento telefônico/telemático, deve ser interpretada de acordo com a Constituição Federal, a primar pelo interesse público.
Juiz Federal Odilon de Oliveira.