Flora, 86
Hoje a Flor que me pariu faria 86 anos.
Mas se foi antes de ver-nos e abraçar-nos de manhãzinha cedo como fazia todo dia 5 de julho.
Pena.
Quando dava, juntava mais de um filho.
E o café da manhã era regado a cuscuz, beiju e, claro, o frito que Paulinha fazia questão de me servir. Ela apenas beliscava um pouco daquela farofa que tinha sua cara – ou frito, em bom bahianês – pois estava meio que proibida de comer fritura. Mas o cuscuz com manteiga e o café-com-leite abundante jorrava quente e fumegante em seu canto superior da mesa da cozinha.
Incrível, hoje, 5 de julho, já se vão 3 meses e meio que ela se foi. E me pergunto, como bom materialista, o que minha mãe Florinda – Flora, para os mais chegados - faz debaixo da terra fria e marrom dessa cidade. Às vezes penso na ingratidão da raça humana perante o Universo. O homem – a mulher, no caso – nasce, ri, procria, faz e monta uma bela família, nesse interregno faz um montão de amigos, um bando, no caso dela que alfabetizou meia Taguatinga, e simplesmente se vai. Some da vida das pessoas sem ao menos dizer para onde. E você fica aqui que nem besta variada olhando pro restos, pras coisas, os lugares, as músicas, as pessoas, os jovens e os velhos – e vê que aquela velhinha mais velha que a sua ainda está de pé. Andando, te respondendo ao bom dia e você se pergunta onde está a sua velha?
Onde está dona Florinda minha mãe?
. . .
Outro dia em Taguatinga atendendo um cliente, de repente ele olha bem fundo e, quase que num salto, solta:
- E a professora Florinda como anda, como está, o que é feito dela? Ainda lê e cobra dos filhos a leitura que exigia dos alunos? Aprendi muito com sua mãe, sua severidade e sua sempre bonança.
Escrevo isso – severidade e bonança – e relembro que ela ria muito, chistava demais quando na presença dos netos. Notadamente Cássia, Laura e Paola a punham sempre pra rir . Laura ria de sua ranhice comigo. Paola sempre se divertia com sua boa risada me corrigindo . . . ô vó!
No momento que escrevo escuto Palhaço, de Gismonti – a música que minhas filhas escutaram a primeira vez que vieram ao mundo.
- Ambas!
Me bate uma tristeza que lacrimejo . . . mas continuo com a lembrança acesa da vida de minha mãe na fronte jovem de minhas filhas.
- Parabéns, Flora!
Memória e Fado – Gismonti e Geraldinho Carneiro
Porque o sonho terminava
Quando o dia amanhecia
No espelho
Vinha um medo desse gosto morto do passado
Mergulhado na memória
Eu não queria que a vida findasse no abismo desse quarto
Amargando amargurada solidão
Porque a hora se esvazia
Na memória do espelho
Como um fado
Teço o fio do meu sonho cheio de mistério
Um rosário de silêncio
E a minha boca fechada com medo das sombras desses anjos
Que se foram e não voltam nunca mais.
De: Joao Vianey de Farias
Data: 6 de julho de 2016
Que bela homenagem desse filho à mestra - Dona FLORINDA!
Suas publicações sempre nos encantam e emocionam, Theresa.
Um abraço fraterno,
João Vianey de Farias