Theresa Catharina de Góes Campos

     
From: Guido Bilharinho
Date: 2016-09-15
Subject: Remessa de artigo de Guido Bilharinho (Publicação autorizada pelo Autor)

ATRAVÉS DAS OLIVEIRAS

Obra de Arte

Guido Bilharinho

No gênero ficcional, em literatura (romance e conto), teatro e cinema, o importante, ao contrário do que normalmente se pensa e se propala, não é a estória, a ação, o que se conta. Mas, como se conta e o sentido que orienta e o significado que se imprime ao entrecho. O essencial normalmente não se vê nem se percebe. Há que se procurá-lo. Há que se entender o que se passa e porque se passa de um modo e não de outro. Enfim, pesquisar, descobrir, apreender e expor o que é, realmente, fundamental em dada situação. Não se limitar e se comprazer, como nos filmes e romances comerciais e convencionais, a apenas captar e transmitir as aparências, geralmente enganosas.

Através das Oliveiras (Zire Darakhtané Zeyton, Irã, 1994), de Abbas Kiarostami (1940-2016), obtém repercussão mundial justamente por preencher os requisitos configuradores da obra de arte ficcional. A par das virtualidades estéticas específicas, contém, da realidade enfocada, a verdade humana.

Enquanto os produtos fílmicos comerciais estadunidenses (e até alguns europeus) gastam milhões de dólares para viabilizar-se no circuito exibidor, que é só esse seu objetivo, Kiarostami, com apenas alguns poucos milhares de dólares (se tanto), constrói obra de arte.

Através das Oliveiras entusiasma pela simplicidade e extasia pela genialidade da concepção e extrema competência da realização. Não são muitas as obras de arte que se resolvem com tais atributos. São raras.

O filme iraniano (de um país com tão grandes atribulações históricas, sociais e políticas, além das naturais), é, nesse sentido, perfeito. Até mesmo quando a câmera treme nas cenas iniciais ao acompanhar a trepidação do carro por estrada vicinal no campo.

Perfeito do início ao fim, nos mínimos detalhes. Aliás, esses é que são importantes. Por meio deles e de diálogos pertinentes, diretos, econômicos e incisivos, esboça-se e se perfaz uma das mais importantes realizações artísticas do século XX.

Tem-se filme dentro de filme. Ambos, excelentes. A embricação entre o que se está filmando (o filme) e o que se pretende filmar (o entrecho) é tão inteligente que quase não é possível separá-los, dando até a impressão de que se está assistindo a documentário sobre a realização de um filme. Nessa confluência de situações, reside o núcleo de sua concepção.

Só com o desenvolvimento da ação é que se vai, pouco a pouco, sutilmente, caracterizando-se o plot, a situação dramática. Porém, sem drama, sem glamour, sem retoques e enfeites tão ao gosto da visão romântica. Segue assim, naturalmente, como não quer nada, como, aliás, acontece no cotidiano da vida.

Nesse fluir normal das coisas, da filmagem e da vida (também, no caso, filmada), nessa convergência de tramas, também corre o filme com a aparência de não querer nada.

O caso é que, nisso, se tem tudo, porque o diretor, da grandeza de um Fellini, por sinal da mesma família espiritual e artística, extrai da vida concreta a essência humana e a transforma em uma das mais simples (e, portanto, das mais belas) obras de arte já feitas.

Simplicidade, verdade e poesia caracterizam Através das Oliveiras com base em sensibilidade e inteligência, qualidades indispensáveis para se conseguir construir obra de arte.

Resta enfatizar novamente a importância dos detalhes, das angulações e das sutilezas dos diálogos econômicos e rigorosos. E, também, não menos sutis, rigorosas e essenciais, a percepção e a transmissão da concretude da situação humana focalizada.

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Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura (poesia, ficção e crítica literária), cinema (história e crítica), história (do Brasil e regional).

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