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From: Guido Bilharinho
Date: 2016-09-15
Subject: Remessa de artigo de Guido Bilharinho
(Publicação autorizada pelo Autor)
ATRAVÉS DAS OLIVEIRAS
Obra de Arte
Guido Bilharinho
No gênero ficcional, em literatura (romance e
conto), teatro e cinema, o importante, ao
contrário do que normalmente se pensa e se
propala, não é a estória, a ação, o que se
conta. Mas, como se conta e o sentido que
orienta e o significado que se imprime ao
entrecho. O essencial normalmente não se vê nem
se percebe. Há que se procurá-lo. Há que se
entender o que se passa e porque se passa de um
modo e não de outro. Enfim, pesquisar,
descobrir, apreender e expor o que é, realmente,
fundamental em dada situação. Não se limitar e
se comprazer, como nos filmes e romances
comerciais e convencionais, a apenas captar e
transmitir as aparências, geralmente enganosas.
Através das Oliveiras (Zire Darakhtané Zeyton,
Irã, 1994), de Abbas Kiarostami (1940-2016),
obtém repercussão mundial justamente por
preencher os requisitos configuradores da obra
de arte ficcional. A par das virtualidades
estéticas específicas, contém, da realidade
enfocada, a verdade humana.
Enquanto os produtos fílmicos comerciais
estadunidenses (e até alguns europeus) gastam
milhões de dólares para viabilizar-se no
circuito exibidor, que é só esse seu objetivo,
Kiarostami, com apenas alguns poucos milhares de
dólares (se tanto), constrói obra de arte.
Através das Oliveiras entusiasma pela
simplicidade e extasia pela genialidade da
concepção e extrema competência da realização.
Não são muitas as obras de arte que se resolvem
com tais atributos. São raras.
O filme iraniano (de um país com tão grandes
atribulações históricas, sociais e políticas,
além das naturais), é, nesse sentido, perfeito.
Até mesmo quando a câmera treme nas cenas
iniciais ao acompanhar a trepidação do carro por
estrada vicinal no campo.
Perfeito do início ao fim, nos mínimos detalhes.
Aliás, esses é que são importantes. Por meio
deles e de diálogos pertinentes, diretos,
econômicos e incisivos, esboça-se e se perfaz
uma das mais importantes realizações artísticas
do século XX.
Tem-se filme dentro de filme. Ambos, excelentes.
A embricação entre o que se está filmando (o
filme) e o que se pretende filmar (o entrecho) é
tão inteligente que quase não é possível
separá-los, dando até a impressão de que se está
assistindo a documentário sobre a realização de
um filme. Nessa confluência de situações, reside
o núcleo de sua concepção.
Só com o desenvolvimento da ação é que se vai,
pouco a pouco, sutilmente, caracterizando-se o
plot, a situação dramática. Porém, sem drama,
sem glamour, sem retoques e enfeites tão ao
gosto da visão romântica. Segue assim,
naturalmente, como não quer nada, como, aliás,
acontece no cotidiano da vida.
Nesse fluir normal das coisas, da filmagem e da
vida (também, no caso, filmada), nessa
convergência de tramas, também corre o filme com
a aparência de não querer nada.
O caso é que, nisso, se tem tudo, porque o
diretor, da grandeza de um Fellini, por sinal da
mesma família espiritual e artística, extrai da
vida concreta a essência humana e a transforma
em uma das mais simples (e, portanto, das mais
belas) obras de arte já feitas.
Simplicidade, verdade e poesia caracterizam
Através das Oliveiras com base em sensibilidade
e inteligência, qualidades indispensáveis para
se conseguir construir obra de arte.
Resta enfatizar novamente a importância dos
detalhes, das angulações e das sutilezas dos
diálogos econômicos e rigorosos. E, também, não
menos sutis, rigorosas e essenciais, a percepção
e a transmissão da concretude da situação humana
focalizada.
______________
Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba,
editor da revista internacional de poesia
Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de
literatura (poesia, ficção e crítica literária),
cinema (história e crítica), história (do Brasil
e regional).
ATRAVÉS
DAS OLIVEIRAS.pdf |
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