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A “paz ilusória”: na pele dos colombianos
De: Reynaldo Ferreira
Data: 3 de outubro de 2016
Assunto: Na pele dos colombianos
Repassando: Não se faz acordo com bandidos e,
ainda mais, mediado por Havana. E observem que a
votação se deu pelo método tradicional. Nada de
uso de fraudulentas máquinas eletrônicas, como
as nossas.
A “paz ilusória”: na pele dos colombianos
Aylê-Salassié F. Quintão*
Enquanto alguns brasileiros
ocupam-se surpresos da derrota do PT nas
eleições municipais, um clima de insegurança e
frustração toma conta da vizinha Colômbia. O
povo colombiano recusou (02/10) também o acordo
do Governo central, assinado estratégica e
previamente, antes do plebiscito popular, com
as Farc- Forças Armadas Revolucionárias, e que,
supostamente, levaria à supressão das atividades
guerrilheiras no País.
Aqui a dor é grande, lá é ainda maior. Em nome
da reforma agrária, as Farc, que terminaram por
ser financiadas pelo narcotráfico,
protagonizaram episódios de extrema violência,
que resultaram na morte de mais de 200 mil
pessoas, a maioria civis, ao longo de 50 anos de
atividade. Com o acordo, mediado por Havana,
pretendiam as partes jogar para debaixo do
tapete, atos de suprema covardia, como em La
Chinita, uma vila pobre a noroeste da Colômbia.
Ali, um grupo de jovens
guerrilheiros invadiu a festa de uma escola para
arrecadar fundos, e sem titubear executou
friamente 35 pessoas na frente dos familiares,
dos professores e dos estudantes – e pasme-se -
muito antes da degola de civis promovida pelos
militantes do Estado Islâmico (EI), que tanto
assusta o mundo. Era uma disputa de espaço
entre grupos políticos de esquerda. Isso
aconteceu há 22 anos. A maioria dos civis
sobreviventes da chacina está ainda viva e,
surpreendentemente, foi induzida, pelo governo,
à passividade do perdão, num estilo que só
Mahatma Ghandi soube conduzir na luta dos
indianos contra os ingleses. A ação violenta das
Farc, ao invés de estimular a reforma agrária,
provocou uma debandada de 6,9 milhões de pessoas
do campo, desestruturando a produção agrícola do
País.
Para um perdedor, as Farc, um
exército revolucionário de inspiração comunista,
constituído em torno da temática da reforma
agrária, e que chegou a ter perto de 50 mil
militantes, distribuídos em mais de 40 focos
pelos interior do País, o acordo levaria ao fim
das suas atividades armadas. Com ele, as Farc,
transformadas em partido político, ganharia dez
cadeiras no Parlamento, os guerrilheiros
individualmente seriam contemplados com uma
espécie de bolsa família por dois anos, casa
para morar, e perdão para um grande número de
atos explicitamente criminosos. Submetido o
acordo a um plebiscito, a população o rejeitou,
gerando um novo impasse político para o País, de
rumos imprevisíveis.
A Colômbia, um país que, mesmo em
guerra com as Farc e mais dois ou três
movimentos revolucionários, tem apresentado
resultados favoráveis na economia- superou o
Brasil nas exportações de café - sinalizava, com
o acordo, para uma expansão econômica incomum na
América Latina nos próximos anos. A situação na
Venezuela bolivariana poderia estar ainda mais
grave, não fosse a Colômbia suprindo de
alimentos às populações da fronteira. Por isso,
pode-se dizer que se aqui há um desolamento com
a saída do PT das luzes dos holofotes da
política, lá é frustração acompanhada de
desesperança, pior que o acordo do Brexit – da
saída da Inglaterra da União Européia.
O que pode significar essa
rejeição popular: 1 – que a tomada do Poder pela
força não se sustenta nem na Colômbia, nem no
Brasil. O mundo do trabalho (ou do desemprego)
tem outra configuração daquele que deu origem,
no Brasil, à CLT ou às mobilizações operárias do
início do século passado; 2 - Que a população
não é tão idiota quanto imaginam os pequenos
grupos que se propõe à salvação da Pátria; 3 -
que a população não apóia a luta armada, nem as
atividades de movimentos do tipo Black Bloc; 4 -
que a população não quer se ver diante do
chamado caos pré-revolucionário, que no Brasil
tomou, inclusive, rumos inesperados, com seus
líderes deixando-se seduzir pelas fantasias da
acumulação privada do capital.
Já que o brasileiro é
pouco ligado a assuntos da América Latina - e
tampouco conhece o que está acontecendo na
Colômbia - é recomendável mesmo sempre passar a
limpo, junto à opinião pública, as configurações
de mundo de organizações construídas no submundo
da política ou surgidas de interesses patronais
e sindicais. Ignoram quase sempre os amplos
direitos da cidadania, e agem na direção que
lhes convém. Nunca parecem se preocupar, de
fato, com a população, nem com os milhares de
desempregados. O bom senso recomenda pensar,
neste momento, em saídas mais honrosas, do que
em reajustes salariais absurdos e atitudes fora
de contexto, mais próximas do chantagismo, até
no serviço público, e propor soluções mais
convergentes. As eleições brasileiras
demonstram, com a derrota dos supostos
revolucionários – inclusive os armados – que os
200 milhões de brasileiros não são tão
ignorantes, e que o povo não se ilude com a paz
e a segurança virtualizados nos discursos
otimistas, nem há espaço para o caos, seja a
título do que for.
*Jornalista, professor e doutor em
História Cultural |
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