Volta ao campo: será que os empregos ainda existem por lá?
Aylê-Salassié F. Quintão
Mesmo convivendo em um cenário anuviado pela “PEC do Teto dos Gastos Públicos” (no. 241), a introdução de um programa de “volta ao campo” poderia ser oportuna, e funcionar como opção individual ou familiar para amenizar os crescentes dramas cotidianos da população, como o desemprego. A emenda constitucional precisa ter respostas adequadas, ousadas e inovadoras capazes de amenizar seus imprevisíveis efeitos. No caso, a alternativa daria vida nova à política agrícola que, na forma como se realiza, daqui a doze anos (2030) a comunidade rural brasileira terá deixado de existir, segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Responsáveis por 70% da produção de alimentos para a subsistência da população, pequenos e médios proprietários rurais estão vagarosamente seguindo o caminho tomado já por milhares de trabalhadores rurais, e trocando o campo pela cidade. São expulsos não somente pelo latifúndio, mas também pela mecanização modernizante. Um exemplo paradigmático é o município gaúcho de Arroio do Sol, cuja produção agrícola era, até recentemente, importante para a economia do Rio Grande do Sul. Repentinamente o trabalhador rural desapareceu dali e a produção caiu. Propriedades com 15 a 20 famílias abrigam hoje duas ou três, já envelhecidas. Esse despovoamento terminou por criar uma visão fantasmagórica da zona rural marcada, segundo os pesquisadores Fabrício Teló e Cesar De David (“O rural depois do êxodo”..., 2012), por casas abandonadas, em ruínas, taperas, terrenos baldios, provocando um sentimento de abandono e de isolamento, e gerando nos indivíduos uma perda da auto-estima.
Vivendo problemas parecidos, com características próprias, países como a Colômbia, Macedônia, Itália, Canadá, Noruega e Austrália e mais meia dúzia de outros vêm criando programas destinados a inverter as tendências dos movimentos migratórios no campo. A Colômbia está em campanha para que os 6 milhões de agricultores que fugiram das FARC retornem às suas terras. Na Macedônia, a quem quiser retornar ao campo o Estado garante 6 mil euros (R$ 24 mil) para a construção de uma casa, usufruto gratuito de três hectares de terra de propriedade pública e uma subvenção mensal de 250 euros (R$ 1 mil) durante 18 meses. A oferta contempla ainda auxílios para a compra de máquinas agrícola e para a instalação de um sistema de irrigação por gotejamento, subvencionado em 80%. São experiências que poderiam enriquecer muito uma solução brasileira nessa direção.
Por aqui, desde o primeiro Programa Nacional de Reforma Agrária (1984/85) procurava-se já criar condições para a fixação do homem à terra e o retorno dos que saíram. O projeto não chegou a ser devidamente alavancado porque, ao longo do tempo, a maioria dos que se propuseram a fazê-lo encontraram mais motivações nas mobilizações e até nas invasões. Ao invés de trabalhar a terra, empregaram-se como militantes sem terra e sem compromisso com a produção. Enquanto isso, a tecnologia avançou e foi ocupando as terras com culturas de exportação.
Mas, afinal, mesmo que pensemos o contrário continuamos a ser um país agrícola. Nossos modelos de aglomerados urbanos tendem a se esgotar. Uma política de retorno ao campo, envolvendo terras públicas e inclusive propriedades privadas, poderia ser sim uma alternativa, até para que o brasileiro não perca a capacidade e as habilidades de se relacionar com a terra. Um retorno ao campo ofereceria a possibilidade da introdução de uma dinâmica nova na área da agricultura e contribuiria para amenizar as angústias urbanas.
De outro lado, o País precisa reagir ao discurso da modernização mecanizada do campo, voltada para apoiar as exportações e que, em conseqüência, mata a relação do homem com a terra, num país com tanta terra cultivável disponível, num mundo com ainda um bilhão de famintos. A produção de subsistência no Brasil, sempre foi orgânica, fruto do esforço da pequena e média propriedade. Isso hoje é vendido com se fosse uma virtude (perdida). É certo, contudo, que o retorno ao campo iria exigir um trabalhador rural com novo perfil. Necessidades e competências mudaram. As de fazendeiro também. Os proprietários rurais precisam tornar-se empreendedores, agregando valores, no mínimo, semi manufaturados aos próprios produtos, porque, no fundo, a terra, em si, continua a ser do homem, não é de ninguém.
*Jornalista, professor, doutor em História Cultural |