Theresa Catharina de Góes Campos

     
PEC do Teto:
Aylê-Salassié F. Quintão*
 
  “moralizemos tudo, ou locupletemo-nos todos”
 
          A emenda constitucional chamada de “PEC do Teto” mantém uma proximidade grande com a Operação Lava Jato. Não se propõe a prender ninguém, mas passar o rodo em centenas de programas, projetos, acordos, convênios, modelos corporativos, acadêmicos, empresariais e, sobretudo, familiares mantidos com dinheiro público dentro do Orçamento da União. Seus efeitos se estenderão aos orçamentos estaduais e municipais. Vão desarmar muita gente boa que se apoia em programas  comunitários, em artificiosas audiências públicas e até nas ruas.
 
           Assustadora, a emenda pretende instrumentalizar o Estado para limitar os gastos orçamentários dos governos. Deve  suprimir rubricas e valores apropriados indiretamente por dezenas de parlamentares, correligionários e amigos. Chegará certamente às  paternais desonerações empresariais que só, em 2017, corresponderiam a mais de R$ 200 bilhões expropriados dos cofres públicos. Tende a induzir a internalização de R$53 bilhões de recursos desviados irregularmente do Estado, e imobilizados no estrangeiro ou gerando empregos  em outros países. O BNDES distribuiu R$ 50,5 bilhões do FAT (poupança compulsória do trabalhador brasileiro) para  140 projetos em 26 países.  A simples repatriação desse dinheiro abriria milhões de oportunidades de trabalho por aqui. 
 
            BB, CEF, BNDES  e empresas como a Eletrobrás, a Petrobrás, os fundos de pensão, que vinham confundindo interesses dos acionistas e associados com os dos políticos, terão de retornar aos patamares estatutários.    A hipótese revolucionária  de estender, cedo ou tarde, as pedaladas também  às instituições financeiras privadas estará inviabilizada. Usada por alguns governantes, quebrou os países. O tal orçamento criativo, aquele com déficit leviano de R$ 70 bilhões para 2016, e que fazia o dinheiro vazar para todos os lados, terá as torneiras fechadas. E, assim, já se sabia de antemão que, senão a longo prazo,  não haveria transposição do São Francisco, o Minha Casa Minha Vida não seria concluído, não haveria dinheiro para o FIES, para as 100 mil bolsas no exterior e o famoso Pronatec iria parar no meio.       As desonerações tiveram outro sentido. Vieram no momento em que se percebeu que a “vaca ia pro brejo”. Como se a economia criativa lhes fizesse um grande favor, transferiu-se paradoxalmente para o ávido mundo empresarial a responsabilidade de salvar a Pátria.  
 
            Esse cenário encorajou a Levandowski para, no auge da crise agônica, ir à Dilma pedir aumento de salário para o Judiciário, casta, de formato oligárquico (familiar), cujas remunerações e vantagens competem e até superam as mesmas categorias em países desenvolvidos. Nessa área, a criatividade chegou a tal ponto que se inventou um modelo de reajustes salariais sucessivos e automáticos em orçamentos futuros, artifício que nunca deixaria os cofres públicos fecharem-se para um balanço rigoroso. Não foi de se admirar. O Judiciário, ao qual caberia preservar as regras, tem sido o primeiro a desrespeitar os acordos salariais isonômicos entre os Três Poderes, alegando, unilateralmente, preservar sua autonomia, cujo peso foi também sempre maior que a real capacidade do Tesouro para ampará-lo.  

 
           Por incrível que pareça, o Ministério Público sofismou, insurgindo-se contra a PEC. Ora, os salários dos procuradores seguem mais ou menos os do Judiciário. As prerrogativas também. Cada procurador agrega mensalmente entre os seus privilégios R$ 5 mil para pagar aluguel e moradia, mesmo que exerça suas atividades na cidade onde reside. O TSE aprovou as contas dos partidos que estão hoje na Lava Jato. O próprio TCU, que denunciou  as contas do governo, procura esconder os salários dos seus funcionários. Cargos de ministro existem centenas deles por aqui! Além    de vitalícios, são doados para os amigos, como se fossem reles presentes de Natal. As “quarentenas”  para os que deixam os cargos públicos são remuneradas por até seis meses. No fundo são gorduras do orçamento, cujo retorno e produtividade proporcionais podem ser questionados: 78 milhões de processos paralisados. Ora, a moralidade!...
 
             O modelo patrimonialista denunciado por Faoro (1958) é, portanto, injusto e covarde com a população. Os abusos são grandes, os roubos maiores, e é ainda mais expressivo o cinismo das elites , em particular, daquela pequena burguesia cujos projetos e atividades só funcionam como o aporte dos cofres públicos. Que venha então a PEC 241!. Que ela seja devastadora do ponto de vista fiscal,  e com ela  surja um novo modelo de planejamento, programação e avaliação dos investimentos e dos gastos públicos. Preservem-se os direitos sociais, mas com responsabilidade.  Que nunca tenhamos de enfrentar o anátema excomungatório de José Maria Alkmin: “Moralizemos tudo, ou locupletemo-nos todos”.
*Jornalista, professor e doutor em História Cultural
 

Jornalismo com ética e solidariedade.