Uma nova pauta de demolição
nacional
Aylê-Salassié F. Quintão*
Assistimos pela televisão ao choro coletivo,
convulsivo mesmo, de empregados de uma
empresa tradicional do Rio Grande do Sul,
que os reuniu para comunicar o encerramento
de suas atividades. Às vésperas do Natal,
três mil trabalhadores ficaram sem
emprego. Outras, em Erechim, Passo Fundo,
Pelotas também fecharam as portas para rever
processos e adaptar-se às tecnologias
disponíveis. Apesar dessa “herança
maldita”, que se projeta para muito além do
território gaúcho, ainda hoje há gente por
aí que acredita – e prega - na destruição
do sistema produtivo para liquidar as bases
de subsistência do capitalismo: “Que
ninguém hesite em deflagrar a violência por
medo das consequências!”.
É tão difícil aderir a uma assertiva
dessas, quanto acreditar que o quadro
político que aí está poderá gerar notícias
alvissareiras. Pensar também que o que
aconteceu nos últimos dez anos serviria de
modelo para o que acontecerá nos dez anos
vindouros é uma falácia. Mas não se pode
ficar todo o tempo questionando, duvidando e
alimentando idéias estapafúrdias, sem
oferecer nenhuma contribuição, diz o
economista Sérgio Braga, da Universidade
Federal do Paraná, presente ao Congresso do
Futuro, promovido pelo Senado Federal. É
importante buscar alternativas em valores
compartilhados e no capital criativo,
imaginando o que pode ser feito para
melhorar a vida das pessoas, e não para
disseminar o caos.
Alguns economistas observam que respostas
novas deveriam incluir um certo grau de
desglobalização e, ao contrário do que se
prega inconsequentemente, adotar medidas de
fortalecimento da empresa nacional. Mas,
como? Algumas das empresas beneficiadas pelo
governo anterior, estão em condições de
difícil recuperação. Como tirar delas o
privilégio das isenções?! Para matá-las de
vez? Algumas parcerias público/privadas não
deram certo porque os governos estaduais que
não cumpriram a sua parte. O maior
parceiro comercial do Brasil hoje é a China,
reconhecido na OMC como praticante contumaz
do dumping (prática da concorrência
desleal, com a venda de produtos abaixo do
preço de mercado, posição sustentada,
internamente, com subsídios e salários
baixos) . Por aqui, produtos chineses gozam
do privilégio da taxação de 40,4% ,
enquanto para os demais países as tarifas
antidumping chegam a 98,6%. Os chineses
tiveram 11 anos para se ajustar à economia
de mercado. O prazo terminou, e eles não
alteraram suas práticas, mesmo no comércio
bilateral com o Brasil. Como abrir mão do
mercado chinês, que nos compra U$40 bilhões
por ano.? Não há indústria por aqui que
consiga competir com os produtos chineses.
O próprio Brasil está sendo acusado da
prática de dumping, e poderá sofrer alguns
processos por parte de outros parceiros
comerciais, ou ter mercadorias retidas nos
portos de entrada. Trinta produtos
brasileiros estão nessa condição. Vinte
investigações internacionais já foram
abertas contra o Brasil. Entre os produtos
estão o aço, a celulose e os agrícolas: se
as exportações nessas áreas forem
paralisadas a crise do desemprego agrava-se
ainda mais.
É verdade que até outubro 1.600 empresas
brasileiras entraram com processo de
recuperação judicial, em sua maioria
pequenas e médias, mas é impossível negar
que a taxa de mortalidade nessa área
mantém-se há dois anos entre 30 a 35%. Para
o Sebrae, é grande o amadorismo. Na criação
de novos negócios, observa-se mais angústia
causada pelo desemprego, do que ousadia
empreendedora ou capacidade de gestão. As
start up (empresas oferecendo novos
aplicativos) continuam bombando, mas elas
não absorvem grandes quantidades de mão de
obra.
O economista Paulo Rabelo de Castro, hoje
presidente do IBGE, aponta uma série de
“disfuncionalidades “no sistema produtivo
brasileiro, entre eles uma desconfiguração
de cadeias produtivas. Isso dificulta a
previsão de uma recuperação cíclica. A
prática do rentismo financeiro faz com que a
sociedade precise ser reeducada para o
trabalho, hoje a última opção. As filas
preferenciais são as do subsídio e as dos
privilégios. Outra disfuncionalidade foi o
desprezo pela disciplina no campo da
economia. Gerida criativamente, sem
estabelecer limites entre o público e o
privado, corrói o patrimônio nacional e
desgasta a imagem do Brasil junto aos
investidores.
Ora, a desclassificação do Brasil pelas
agências internacionais de avaliação de
risco não se alterou. O investidor
interessado em desembarcar aqui olha o
Brasil com cautela; alguns com descrença
nos governantes. Por isso, “deveríamos
evitar ao máximo contaminar a autoridade do
Presidente com uma nova pauta de demolição
nacional”, diz Rabelo. “Sem isso, será muito
difícil fazer esse time jogar bem”. A pior
coisa que poderíamos enfrentar hoje é um
novo estado de desconfiança em relação à
figura do Presidente da República. De um
estado de expectativas de equilíbrio, com
prazos e indicadores definidos, corre-se o
risco de optar por entrar no túnel de uma
anti-democracia, cuja solução seria mesmo
assistir, “sem medo das consequências”, a
destruição do sistema produtivo e dos
empregos para aventurar num modelo sem
configuração. “Seria uma guerra longa e
cruel”. Teríamos de passar uma borracha em
tudo. Recomeçaríamos como a Venezuela de
Hugo Chaves. Mais grave é que há quem queira
isso.
Jornalista, professor, doutor
em História Cultural
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