Theresa Catharina de Góes Campos

     
Não mexam no FGTS, nem na Poupança!
Aylê-Salassié F. Quintão*
         
 Sem dinheiro no bolso, o brasileiro comprou em 2016 menos vestuário (-11%), móveis e eletrodomésticos (-12%), serviços e produtos no varejo (-8,5%), perfumaria, cosmésticos, imóveis e até remédios nas farmácias e, em 2017, continuará comprando menos. A previsão é da Confederação Nacional do Comércio, que acredita na retomada do crescimento econômico somente no segundo semestre do próximo ano. O endividamento das famílias chegou a 58,2%, as contas atrasadas 63,2 % e a inadimplência próximo de 7%, até agora... A renegociação de dívidas revela dramas, como o desemprego prolongado, acidentes, separações até suicídios.
                                                              
Ainda bem que o governo decidiu não autorizar saques no FGTS para o pagamento de dívidas. Seria um rombo de consequências futuras inimagináveis. Não se mexe em FGTS, Poupança e salário, senão para engordá-los . Mas, para pagar dívida com os bancos – são eles que financiam o comércio -  como esperavam alguns,  não tem mesmo sentido . São as últimas reservas, em vida, de um trabalhador, depois que ele é levado a ficar definitivamente fora do mercado de trabalho, ou quando já sem acesso ao seguro-desemprego.
           
O efeito imediato, que  poucos conhecem, seria descapitalizar a construção civil, financiada pelo FGTS e pela Poupança. Com a queda no PIB, está encolhendo há três anos seguidos, tendo fechado quase 400 mil vagas de trabalho. Ao contrário do que se imagina, tem possibilidades de investir as reservas do trabalhador, assegurando rendimentos compatíveis, de reativar dezenas de segmentos produtivos periféricos, e de gerar 2 milhões de empregos, embora, segundo o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, José Carlos Martins, ”57% dos trabalhadores na construção civil não recolhem o INSS”.
 
Usar o FGTS para pagar dívidas é, portanto, um contra senso. Esse dinheiro iria engordar o caixa dos bancos e ter parcela imobilizada nos “depósitos compulsórios” - valor, em bilhões, correspondente a  um percentual de até 50 por cento dos depósitos à vista nos bancos, que o Banco Central recolhe sistematicamente, com o fim de controlar os excessos de liquidez (poder de compra) e a própria inflação. O sistema bancário, além de ter um volume enorme de dinheiro imobilizado pelo “compulsório”, está com os próprios cofres cheios. Não emprestam, e não o fazem por dois motivos: porque temem não receber; segundo, porque a taxa de juros praticada no mercado assusta empresas e famílias, já sem reservas até para compras no varejo.
          
Ex-diretor do Banco Central e hoje economista-chefe da CNC, Carlos Thadeu de Freitas sugere que, ao invés do governo autorizar o uso do FGTS, da Poupança ou o empréstimo consignado na folha de salários, recorra aos “depósitos compulsórios”dos bancos junto ao Banco Central. “É uma saída sensata”, diz, “Os bancos estão com as burras cheias”. Ao lado disso, sugere o ex-diretor do BC que a taxa Selic, ou taxa básica de juros, seja reduzida logo de, pelo menos, 0,5%, mas sem permitir que o sistema aumente os spread (taxas de risco) para amenizar seus temores: um absurdo, que poucos observam.
        
Nas condições de hoje não há como se endividar, já que parcela significativa da população caiu no conto do vigário, no surto do crédito fácil estimulado no País entre 2012 a 2015, “imaginado falaciosamente” – alguém veiculou isso – como um calote generalizado a curto prazo, tipo ação black block. São poucos os que acreditam  que o mercado de consumo vai ser reaquecido já no primeiro semestre de 2017. Esforços estão sendo feitos – PEC do controle de gastos do governo, reforma da Previdência, reforma Trabalhista, a próxima  - em nome da correção de rumos e da retomada do crescimento. Todos, no setor público, privado e acadêmico acenam com um olhar mais otimista para a segunda metade de 2017. Projeções de dirigentes do Banco Central indicam para janeiro um corte na taxa básica de juros (Selic) entre 0,5 a 0,75%.  Possibilitaria uma distensão no mercado de crédito e daria até mesmo um up grade na imagem do governo.
 
Os mais céticos observam, contudo, que o próprio ajuste fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Henrique Meireles, é frágil, e só começará a dar resultados efetivos a partir de 2018. É o que pensa Tony Volpon, ex-diretor de Gestão de Riscos Corporativos do Banco Central.  Para ele, recomenda-se um certo realismo, mas não a ponto de jogar  a crise para o próximo governo. “É preciso ser rigoroso nos controles”. Outra questão que preocupa é o fato de que  uma efeverscência eleitoral agora, no meio da crise, poderia interromper esse percurso anti depressão econômica, prolongando-o por mais quatro a cinco anos. E se mexer no FGTS, na Poupança e abusar dos empréstimos consignados, o caos será estendido para o futuro de, pelo menos, metade da população brasileira.  
Jornalista, professor, doutor em História Cultural
 

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