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Reflexões Homiléticas para 2017 –
Ano Litúrgico letra A (Mateus)
Pe. Tomaz Hughes, SVD
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OITAVO DOMINGO COMUM (26.02.17)
Mt 6, 24-34
“Ninguém pode servir a dois senhores”
O texto nos mergulha de novo no espírito do
Sermão da Montanha (Mt 5, 1 - 7, 27). Coloca os
ouvintes diante da sua escolha fundamental na
vida - a quem ou a que querem servir? - a Deus,
vivendo os valores delineados no Sermão da
Montanha, ou ao Dinheiro, (que a Bíblia TEB
escreve com “D” maiúsculo), ou seja, o Dinheiro
como potência que escraviza o mundo a si? Embora
essa escolha seja exigência de todos os tempos e
lugares, torna-se mais urgente ainda em nossa
sociedade de consumo, de exclusão e de
acumulação, que exclui a maioria absoluta da
humanidade, condenando-a a uma vida de miséria e
sofrimento. Jesus deixa bem claro que os seus
discípulos/as não podem assumir esses valores
consumistas e materialistas, se querem ser fiéis
a Ele e ao seu projeto do Reino de Deus. Esse
princípio fundamental do seguimento de Jesus é
enfatizado sem rodeios pelo Papa Francisco no
seu documento de novembro 2013 Evangelii Gaudium
(A Alegria do Evangelho) quando na secção que
trata dos desafios do mundo atual ele insiste
“Não a uma economia da exclusão e da
desigualdade” (nº 53), “não à nova idolatria do
dinheiro” (nº 55), ‘não a um dinheiro que
governa ao invés de servir” (nº 57), “não à
desigualdade social que gera violência” (nº 59).
Parece que hoje em dia, a tendência de alguns
líderes e países é de construir muros em lugar
de pontes! Há pouco anos, o Muro de Berlim era
tido como vergonhoso, sinal de uma sociedade
comunista decadente. Hoje, Israel e os Estados
Unidos constroem muros, e são aplaudidos por
muitos! Duas medidas!
Como consequência desse princípio, Jesus
continua: “por isso é que lhes digo: não fiquem
preocupados com a vida, com o que comer; nem com
o corpo, com o que vestir”. Com certeza, uma
declaração que soa como estranha a quase todos
nós, obrigados a lutar com insegurança para que
as nossas famílias tenham o que comer e vestir.
Como não se preocupar com essas coisas em um
mundo de insegurança, de desemprego, de
exclusão? Realmente seria no mínimo uma falta de
sensibilidade proclamar aos famintos ou
esfarrapados que não era para se preocuparem com
a comida e a roupa. É só olhar a situação
terrível de tantas famílias em tantas regiões do
Brasil e do mundo hoje. Então o que quer dizer
esse trecho?
Essas palavras não são convite a descuidar
dessas necessidades básicas, que seria um
atentado contra a vida, e, portanto, contra a
proposta de Jesus. A frase deve ser entendida no
contexto da situação da comunidade mateana pelo
ano 85 d.C, que parece ter sido uma comunidade
que tinha bastante gente próspera (p. ex.,
Mateus diz que são os “pobres em espírito” que
são bem-aventurados, enquanto Lucas diz
simplesmente “vocês, os pobres”!). O sentido do
texto gira ao redor do sentido do verbo grego
“meirmnao” que as nossas Bíblias traduzem como
“preocupeis” (Pastoral, TEB, Jerusalém, Ave
Maria). Isso, obviamente, não quer dizer não
cuidar, zelar, ocuparmo-nos, mas não deixar que
essas coisas nos absorvam de tal maneira que se
tornem o absoluto da nossa vida. Assim, em lugar
de usar essas frases para acalmar os que sofrem
falta dessas necessidades da vida, esse texto
implica uma denúncia de uma sociedade excludente
como a nossa, que obriga a maioria das pessoas a
dedicarem-se totalmente à sobrevivência,
esgotando as suas forças físicas, espirituais e
psicológicas na luta diária para simplesmente
sobreviver nesse mundo cruel.
Seria beirando a blasfêmia usar essas frases
para apaziguar os sofridos, falando chavões
sobre a providência de Deus, enquanto apoiamos e
nos mergulhamos nos valores materialistas da
sociedade neoliberal, sem notar que essa mesma
sociedade é a negação de tudo que o Sermão da
Montanha ensina sobre simplicidade,
solidariedade, justiça e o seguimento de Jesus.
A chave da interpretação do ensinamento de hoje
está em v. 33: “Procurai primeiro o Reino e a
justiça de Deus, e tudo isso vos será dado por
acréscimo” (trad. TEB). Pois, se criarmos um
mundo ou uma comunidade que vive os valores do
Reino e a justiça de Deus (não o que a sociedade
considera “justiça” a partir de uma ideologia
positivista que favorece os interesses da
minoria dominante), então teremos solidariedade,
que garantirá que todos tenham pelo menos o
mínimo para ter uma vida digna dos filhos e
filhas de Deus.
Então, longe de ser “pano quente”, para que
possamos ignorar com tranquilidade o sofrimento
e carência de tantos, o texto nos desafia para
que descubramos sinceramente quais são os nossos
valores, os do Evangelho ou os do consumismo. É
impossível ser discípulos de Jesus sem nos
interessar por uma sociedade humana que seja
favorável à vida de todos. O Papa Francisco
insiste em Evangelii Gaudium: “Ninguém pode
sentir-se exonerado da preocupação pelos pobres
e pela justiça social: “A conversão espiritual,
a intensidade do amor a Deus e ao próximo, o
zelo pela justiça e pela paz, o sentido
evangélico dos pobres e da pobreza são exigidos
de todos”(EG 201). É uma questão vital para
todos e todas que querem ser seguidores/as de
Jesus, pois “onde está o seu tesouro, aí estará
também o seu coração” (Mt 6, 21).
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SÉTIMO DOMINGO COMUM (19.02.17)
Mt 5, 38-48
“Sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês,
que está no céu”
Na verdade, esse texto, continuando o Sermão da
Montanha (Mt 5-7), continua o tema da leitura do
domingo passado. Mais uma vez enfatiza que atrás
de todas as nossas ações existem sentimentos, ou
disposições internos. Por isso, Jesus dá o
verdadeiro sentido à Lei, dizendo que o
discípulo não pode se contentar em não agir mal,
mas, tem que mudar a sua maneira de entender o
mundo, as pessoas e as relações. Com autoridade,
“Eu digo”, ele declara que não basta que os seus
seguidores não ajam como o mundo age, mas que
deem uma viravolta nos valores da sociedade
vigente. Enquanto “olho por olho, dente por
dente” era, nos tempos idos, um grande avanço
sobre a lei da vingança exagerada, Jesus exige
que os seus discípulos vão adiante, tirando até
o desejo de vingança e retribuição, assim
desarmando o mal e criando uma sociedade de
novas relações. Sem dúvida, uma visão utópica;
mas, utopia não é ilusão, é o ideal que nos
norteia e encoraja até que finalmente, passo por
passo, ela se concretize.
Esses versículos insistem que o modelo para a
vida cristã e as suas atitudes não é a sociedade
dominante, onde os cristãos muitas vezes se
contentam em agir exatamente como os outros,
dentro do que é aceitável em uma sociedade que
não segue o Evangelho. É só verificar quantos
cristãos apoiam as atitudes nefastas de Donald
Trump, por exemplo, e comparar as suas atitudes
com as de Jesus! Ele insiste aqui que ser
cristão não é simplesmente ser como qualquer um
(“os pagãos”), mas é ter outros valores e outra
visão. E qual é o fundamento desses valores,
desse modo de agir? Não é o exemplo da sociedade
e do mundo, mas, o exemplo do nosso Pai. Jesus
não deixa por menos: “sejam perfeitos como é
perfeito o Pai de vocês que está no céu”.
Obviamente nunca poderemos ser “perfeitos” como
o Pai do céu, no sentido de não termos defeitos
ou fraquezas. Essa frase relembra Dt 18,13 onde
a Lei recomenda ao povo de Israel que seja
perfeito na sua adesão ao Senhor. O Evangelho de
Lucas explicita melhor ainda o sentido dessa
frase quando ensina: “sejam misericordiosos,
como também o Pai de vocês é misericordioso” (Lc
6, 36).
Sem rodeios esses versículos nos levam a
examinar as nossas atitudes e ações,
especialmente em relação à vingança, ao ódio, à
dureza de coração, à compaixão e à misericórdia.
A nossa medida nesses aspectos é a nossa
sociedade, ou o nosso Pai? Se nós agimos e
pensamos como qualquer outro, o que fazemos de
extraordinário?
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SEXTO DOMINGO COMUM (12.02.17)
Mt 5, 17-37
“Se a justiça de vocês não superar a dos
doutores da Lei e dos fariseus, não entrarão no
Reino do Céu”
Quando lemos o Evangelho de Mateus, é muito
importante ter em mente o contexto histórico em
que foi escrito, pelos anos 85-90 do primeiro
século d.C., ou da Era Comum. Depois do desastre
da Primeira Guerra Judaica, culminando com a
destruição de Jerusalém e do Templo (que nunca
mais seria erguido, diferente da sua destruição
pelos babilônios em 587 a.C.), o povo judeu e a
sua religião enfrentavam a possibilidade de
desaparecer para sempre. Um grupo de rabinos
reorganizou o judaísmo a partir de um tipo de
“Sínodo” em Jâmnia, perto da atual Tel Aviv, no
ano 85. Sem Templo, sem sacerdócio, sem
sacrifício, esses mestres de Lei, quase todos
fariseus, reestruturaram o judaísmo, ao redor de
uma identidade proveniente de uma adesão estrita
à Lei, a Torá. Diante da fraqueza do judaísmo,
não admitiam nenhuma divergência da sua
interpretação da Lei, nenhuma dissonância diante
das comunidades judaicas. Mas, no seio do
judaísmo existia um grupo de discípulos/as de
Jesus de Nazaré, que aceitava a Lei como
autoridade, mas, com a interpretação vinda dos
ensinamentos do seu mestre, Jesus. Como
consequência, começou um processo de expulsão
desses judeu-cristãos da comunidade da sinagoga
e se tornou muito importante para eles entender
a sua relação com a Lei, e o que tinha mudado
com o ensinamento e exemplo de Jesus, o Mestre.
O trecho de hoje do Sermão da Montanha começa
exatamente situando Jesus diante da Lei. A
primeira parte enfatiza que Jesus não rejeitou a
Lei; mas, veio dar a ela o seu pleno
cumprimento, o seu verdadeiro sentido. Portanto,
as comunidades mateanas não precisavam sentir-se
como traidoras da Antiga Aliança, pois, a Lei
encontrou a sua verdadeira expressão na vida,
ensinamento e opções de Jesus de Nazaré.
Devemos superar uma visão errada dos fariseus
que frequentemente existe entre nós, entendendo
esse grupo como hipócrita (essa ideia vem da
linguagem polêmica de Mt 23, que reflete mais os
conflitos do tempo do escrito do que a visão de
Jesus). Mas, o texto de hoje mesmo assim é
contundente quando Jesus declara aos seus
discípulos (e a nós hoje!): “se a justiça de
vocês não superar a dos doutores da lei e
fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu”
(lembremo-nos que em Mateus “Reino do Céu” é
sinônimo com “Reino de Deus”, só que tendo
comunidade judaica, ele substitui o termo “Céu”
por “Deus” por motivos de reverência diante do
nome de Deus). Como foi a justiça dos fariseus?
Era uma adesão estrita à letra da Lei. Como
superar isso - ir além da letra, ao espírito da
Lei, que existe para que a vida abunde. Muitas
vezes a letra mata, mas o verdadeiro espírito da
Lei defende e promove a vida. Infelizmente,
ainda tem muita gente nas nossas Igrejas (é só
ver certas resistências às atitudes pastorais do
Papa, até por parte de prelados) que prefere
buscar a falsa segurança da letra da lei do que
a liberdade dos filhos de Deus, que uma
verdadeira interpretação dela nos concede.
O texto de hoje vai ao âmago da questão. Insiste
que não é o suficiente simplesmente obedecer à
letra a lei, não matando, não cometendo
adultério etc. O discípulo de Jesus tem que
tirar a raiz dessas ações más. Pois, às vezes
não se pratica uma ação má por falta de
oportunidade ou medo, mas a raiz do mal está no
pensamento, no coração. Por isso devemos cortar
a “mão” que nos leva ao erro (mão = maneira de
agir) e arrancar o “olho” errado (olho = a nossa
maneira de enxergar as coisas, o nosso
pensamento). Devemos cuidar com essas expressões
tipicamente semíticas e, obviamente, não levar
ao pé da letra.
O texto termina com um apelo em favor da criação
de uma sociedade de transparência e honestidade,
pois só se pode dispensar a garantia do
juramento, quando não há dúvida que todos falem
a verdade. O grande estadista alemão Bismarck
falou que não se podia dirigir um Estado
baseando-se no Sermão na Montanha - mas somos
desafiados a construirmos famílias e comunidades
com esses princípios, para que já comecemos a
vivenciar os valores do Reino, ultrapassando a
letra e vivendo o espírito da Lei, à luz de
Jesus.
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QUINTO DOMINGO COMUM (05.02.17)
Mt 5, 13-16
“Vós sois o sal da terra”
O nosso texto faz parte do Sermão da Montanha,
cujos princípios são resumidos nas
Bem-aventuranças (Mt 5, 1-12). Os versículos de
hoje se dirigiam às comunidades dos “pobres em
espírito”, cuja proposta de vida era a vivência
do espírito das bem-aventuranças. Mateus usa as
metáforas de sal e luz para aplicá-las aos
ouvintes do Sermão da Montanha.
O sal era de suma importância no Oriente Médio.
Era usado como tempero para dar sabor à comida e
também para conservá-la. Também a imagem do sal
era usada para simbolizar a Sabedoria e a Lei.
Mateus afirma que os discípulos devem tornar
saboroso o mundo em sua aliança com Deus,
através da vivência que nasce da sabedoria de
Jesus e a nova Lei, o Sermão da Montanha. Se não
assumirem essa missão, servirão para nada e
merecem ser jogados fora como sal insosso. Essa
missão se realiza através da vivência da plena
justiça, muito mais do que uma prática externa
de leis: “Se a vossa justiça não for maior do
que a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês
não entrarão no Reino do Céu” (Mt 5, 20). Embora
o sal às vezes seja considerado perigo para a
nossa saúde, sempre é necessário na medida
certa. Celebrando, em janeiro/2017, os 800 anos
da Ordem Dominicana, o Papa Francisco aproveitou
a oportunidade para advertir contra uma Vida
Religiosa, ou até uma Congregação inteira que
tenham perdido o sabor, como um sal que se
tornou insosso. Mas, pode-se estender essa
preocupação à Vida Cristã, às paróquias, às
comunidades eclesiais, pastorais e movimentos –
se não têm ainda o gosto, são como sal que
perdeu o sabor e servem para mais nada. Um
convite a todos nós a um exame objetivo da
vibração das nossas vidas cristãs.
As outras imagens também são tiradas da
experiência da Palestina do tempo de Jesus. Se a
imagem da “cidade situada sobre um monte” foi
tirada da Galiléia, talvez se refira à cidade de
Hippos, se não, poderia ser Jerusalém. A imagem
da lâmpada que ilumina todos na casa vem do fato
de que a casa normal de um pobre na Palestina
consistia de uma sala só. Através da prática dos
discípulos, a luz de Deus deve iluminar a
sociedade, desmascarando as injustiças e
apontando para a justiça do Reino do Céu.
O versículo 16 mantém um equilíbrio entre a
prática das boas obras e o evitar do orgulho ou
vaidade por causa delas. A vida do discipulado
descrita no Sermão não deve levar à arrogância,
tão típica de alguns “piedosos” ou “justos”;
mas, à conversão de muitos ao Pai. Mateus se
refere a Is 42, 6 e 49, 6 que mostram que o
Servo de Deus traz luz e salvação para todos os
povos.
Mais uma vez o Evangelho de Mateus enfatiza a
missão da comunidade cristã. Somos chamados a
dilatar o Reino de Deus no mundo. Não é possível
sermos discípulos se mantivermos uma vida
individualista, fechada em nós mesmos. A nossa
maior pregação deve ser a nossa luta em prol do
mundo que Deus quer, para que “todos tenham a
vida e a vida em abundância” (Jo 10, 10). Uma
vida cristã que não se engaja nisso, se torna
como sal insosso, luz apagada, que não serve
para nada. Mas, a motivação é clara - nada em
benefício próprio, mas tudo para que as pessoas
cheguem a conhecer o nosso Pai amoroso e
vivenciem os valores do seu Reino.
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QUARTO DOMINGO COMUM (29.01.17)
Mt 5, 1-12a
“Fiquem alegres e contentes, porque será grande
para vocês a recompensa nos céus”
Esses primeiros versículos do Cap. 5 servem ao
mesmo tempo como introdução e como resumo do
Sermão da Montanha. Apresentam-nos um retrato
das qualidades do(a) verdadeiro(o) discípulo(a),
daquele e daquela que, no seguimento de Jesus,
procura viver os valores do Reino de Deus. Basta
uma leitura superficial para ver que a proposta
de Jesus está na contramão da proposta da
sociedade vigente - tanto a do tempo de Jesus,
como a de hoje. Embora com uma linguagem menos
contundente do que Lucas (Lc 6, 20-26), o texto
de Mateus deixa claro que o seguimento de Jesus
exige uma mudança radical na nossa maneira de
pensar e viver.
Um primeiro elemento que chama a atenção é o
fato de que a primeira e a última
bem-aventurança estão com o verbo no presente -
o Reino já é dos pobres em espírito e dos
perseguidos por causa da justiça - na verdade,
as mesmas pessoas, pois os que buscam a justiça
são “pobres em espírito”, e que é
verdadeiramente pobre em espírito se empenha na
construção de uma sociedade justa. Eles já vivem
a dependência total de Deus, pois só com Ele
esses valores podem vigorar. Mas, quem luta pela
justiça será perseguido - e quem não se empenha
nessa luta jamais poderá ser “pobre em
espírito”.
As outras bem-aventuranças traçam as
características de quem é pobre em espírito. É
aflito, por causa das injustiças e do sofrimento
dos outros, causados por uma sociedade
materialista e consumista. Isso deve questionar
a indiferença de muitos cristãos que, embora
frequentem a Missa, não se comovem com o
sofrimento de milhões, se compactuam com uma
política e um sistema econômico que promove a
cultura de exclusão e torna a religião uma mera
fachada de consolações pessoais. É manso, não no
sentido de passivo, mas porque não é movido pelo
ódio e violência que marcam a ganância e a
truculência dos que dominam, “amansando” os
pobres e fracos.
Tem fome da Justiça de Deus, não a dos homens,
que tantas vezes não passa de uma legitimação
oficial da exploração e privilégio. Tem coração
compassivo, como o próprio Pai do Céu, e é “puro
de coração”, sem ídolos e falsos valores.
Promove a paz, não “a paz que o mundo dá” (Jo
14, 27), mas o “shalom”, a paz que nasce do
projeto de Deus, quando existe a justiça do
Reino.
Jesus deixa clara a consequência de assumir esse
projeto de vida - a perseguição! Pois, um
sistema baseado em valores antievangélicos não
pode aguentar quem o contesta e questiona, algo
que a história dos mártires do nosso Continente
testemunha muita bem. Qualquer Igreja Cristã que
é bem aceita e elogiada pelo sistema hegemônico
precisa se questionar sobre a sua fidelidade à
vivência das bem-aventuranças do Sermão da
Montanha. O martírio (= testemunho) é
pedra-de-toque dessa fidelidade. Com muita
justiça, foi lembrada a atuação profética do
falecido Dom Paulo Evaristo Arns, quando faleceu
em dezembro/2016. Mas, devemos também lembrar
como ele foi perseguido e caluniado, pelos
arautos da ditadura e pela ala conservadora
dentro da própria Igreja.
Continua válido para todos nós, como indivíduos
e como comunidades, o desafio de estar “na
contramão, com Jesus”, como diz Frei Carlos
Mesters. Não somente na contramão da sociedade,
mas com uma proposta de construção de uma
sociedade fundamentada nos princípios do Sermão
da Montanha, os de solidariedade, justiça,
fraternidade e paz. No mundo onde estas metas e
princípios são chamados de “ladainha dos
perdedores”, cabe aos cristãos descobrir meios
práticos de concretização desta utopia, a utopia
de Deus, que impelia Jesus a doar a sua vida. É
o grande desafio de sermos “no mundo, mas não do
mundo” como dizia Jesus (Jo 14) e por isso temos
que ser “vigilantes” (outro tema do evangelho de
Mateus), para que não assumamos os princípios
antievangélicos do neoliberalismo selvagem,
quase por osmose! O mundo é o palco da nossa
missão (Jo 16, 18), mas uma missão
transformadora, norteada pelas Bem-Aventuranças.
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TERCEIRO DOMINGO COMUM (22.01.17)
Mt 4, 12-23
“Convertam-se, porque o Reino do Céu está
próximo”
O texto começa situando a pessoa e a missão de
Jesus no seu contexto concreto, histórica e
geograficamente. A mudança de Jesus para a
Galiléia tem sido interpretada tanto como um
assumir corajoso da sua missão profética, diante
da prisão de João, como uma busca de maior
segurança. O verbo usado para “retirou-se” em v.
12 costuma ser usado por Mateus para indicar o
recuo diante de um perigo (2, 12.13.14.22; 12,
15;14, 13;15, 21). Porém, o autor quer não
somente apontar o lugar geográfico da missão de
Jesus, mas, também, a sua natureza profética.
Por isso, cita, com grandes modificações, o
texto de Is 8, 23-9,1. Mateus condensa o texto
da forma que só sobram as referências
geográficas, que apontam para o Norte da
Galileia e Transjordânia, conquistadas pelos
pagãos assírios em 734 a.C. Ao passo que a
maioria dos profetas e messias do seu tempo se
retiravam para o deserto (p. ex. os Essênios de
Qumrã e João, o Batista), ou agiram na capital,
Jerusalém, Jesus se retira para a periferia,
Galileia, cercada pelos gentios. A esperança da
salvação inicia-se exatamente em uma região da
qual nada se espera. No tempo de Mateus uma
grande parte da população da Galileia era
gentia, ou seja, pagã. Por isso, escolhendo esse
lugar como palco da sua missão, o ministério de
Jesus vai entrar em contato com “todas as
nações” (Mt 28, 19).
V. 17 inaugura solenemente a missão de Jesus, a
de anunciar a presença do Reino de Deus entre
nós. Esta é a mensagem central de Jesus, e junto
com a Ressurreição, formava a base e o objetivo
da esperança cristã. Usando a visão noturna de
Daniel (Dn 7, 13-14), o Reino representa a
salvação futura e definitiva de toda a
humanidade, socialmente, politicamente e
espiritualmente, através do exercício da
soberania de Deus, estabelecendo o “Shalom”, a
paz que vem pela justiça, na terra como no céu.
Como Mateus escreve para uma comunidade
basicamente de judeu-cristãos, ele obedece o
costume de não pronunciar o nome de Deus, e por
isso, usa a frase “Reino dos Céus” no sentido de
“Reino de Deus”. Infelizmente, esta convenção
nascida do respeito pela transcendência de Deus,
levou muitas pessoas a identificar,
erroneamente, o Reino como algo pertencente
somente ao céu, diluindo a sua força
transformadora.
O primeiro passo de Jesus é chamar um grupo de
discípulos, começando com os pescadores do Lago
de Genesaré. Nos Evangelhos Sinóticos, Jesus
rompe com o costume rabínico, pois, Ele mesmo
chama os seus discípulos. Em Mateus, Jesus muda
a prática rabínica também em outros pontos - os
discípulos não serão meros ouvintes do
ensinamento do Mestre, mas colaboradores na sua
missão; as multidões também seguirão Jesus,
buscando n’Ele algo que não encontravam nos
mestres oficiais das sinagogas (Mt 4, 25; 8, 1;
12, 15; 14, 13 etc); em um segundo momento,
Jesus vai fazer uma crítica a este seguimento,
mostrando que segui-Lo vai muito além do que os
discípulos e as multidões tinham imaginado -
será tomar sobre si a sua cruz (16, 24).
É interessante observar os detalhes do
chamamento dos primeiros discípulos para serem
“pescadores de homens”, (“pescador” é uma das
duas principais imagens para o ministério no
Novo Testamento. A outra, a de pastor, tem menor
conotação missionária) - dois estavam lançando
as redes e dois estavam consertando-as. Assim, o
evangelho mostra a dinâmica da vida cristã - tem
hora para lançar redes (a ação missionária) e
hora para consertá-las (cuidar mais da vida
interna das pessoas e da comunidade). Os dois
elementos têm que ser integrados na vida dos
discípulos e das comunidades. A rede pode
significar a comunidade dos discípulos. Com o
tempo, as redes dos pescadores se rompiam, por
causa dos detritos apanhados, e precisavam ser
consertadas, pois rede rompida não pega peixe. O
mesmo acontece com a vida cristã, tanto no nível
individual como comunitário - com o tempo
podemos romper as redes, enfraquecendo a nossa
missão. Consertar as redes simboliza o refazer
dos elos de união entre nós e Deus, entre os
próprios irmãos e irmãs, e com a criação. Mas,
como rede consertada também não apanha peixe se
não for lançada, assim a comunidade cristã não
pode ficar voltada sobre si mesma, em uma vida
somente interna; mas, esta vida forte de união
interna deve levar de volta à missão. É notável
como as homilias do Papa Francisco batem muito
nessa tecla, recusando de aceitar que a Igreja
fecha-se em si mesma, e nos convidam a estar
sempre “em saída” – em diálogo profético com o
mundo, com os que não tem fé ou buscam a fé, com
os marginalizados e excluídos, com pessoas de
outras culturas e tradições religiosas. As
imagens do chamamento nos advertem contra dois
extremos que distorcem o seguimento de Jesus -
um ativismo desenfreado, só voltado para fora, e
que descuida da vida interior das pessoas e das
comunidades, de um lado, e uma vida só voltada
para dentro, do outro, fazendo da experiência
espiritual algo intimista e individual, que não
leva à missão. Para o cristão, a missão brota da
intimidade com Jesus e leva a aprofundar esta
intimidade. A intimidade com Jesus leva de volta
à missão e é alimentada pela experiência da
missão. Todos os cristãos e cristãs são chamados
a serem “pescadores de homens”, colaboradores na
construção do Reino de Deus, que já está no meio
de nós.
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SEGUNDO DOMINGO COMUM (15.01.17)
Jo 1, 29-34
“Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o
pecado do mundo”
O texto de hoje é tirado do Quarto Evangelho, o
da Comunidade do Discípulo Amado. Escrito muito
depois dos Sinóticos, o Quarto Evangelho tem
como uma das suas características o uso
abundante de símbolos, e uma cristologia
bastante diferente dos outros três evangelhos. O
texto de hoje situa-se no contexto de 1, 19 - 2,
12, onde, num cenário de sete dias, o autor
descreve os sete dias da nova criação, que se dá
em Jesus, fazendo paralelismo com o relato de
Gênesis.
Diante das dificuldades em explicar o sentido do
Batismo e Jesus, João omite o evento, mas
descreve a descida do Espírito Santo sobre
Jesus. Usando um símbolo muito conhecido dos
primeiros judeu-cristãos, João Batista proclama
Jesus como o “Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo”, na verdade, uma expressão
pós-pascal de fé. O texto evoca ecos de duas
imagens do Antigo Testamento - Jesus é o
Cordeiro Pascal da Páscoa cristã, que, pela sua
morte, acontecida no exato momento em que os
cordeiros pascais estavam sendo abatidos no
Templo (Jo 19, 14), salvou o mundo do pecado, da
mesma maneira que o sangue do cordeiro pascal
original salvou os israelitas do anjo destruidor
(Êx 12, 1-13). Em segundo lugar, Jesus é também
o Servo de Javé, descrito por Deutero-Isaías, o
Servo Sofredor, que “brutalizado, não abre a
boca; como uma ovelha emudece diante dos
tosquiadores... carregou o pecado das multidões
e intercede pelos transgressores” (Is 53, 7-12).
João Batista também proclama que Jesus existia
antes dele - um tema tipicamente joanino, o da
preexistência do Verbo.
Como o Batista batizava com água, Jesus batizará
com o Espírito Santo. Embora talvez o Batista se
referisse ao Espírito purificador de Deus, de
que falavam os profetas como purificador dos
corações nos últimos dias (Is 4, 4; Ez 36, 25s;
Zc 12, 10; 13, 1;), o evangelista quer que o
leitor veja uma referência ao Espírito Santo,
dado por Jesus e pelo batismo cristão.
Diferente dos Sinóticos, em João não se fala de
uma voz celeste no momento do batismo.
Substituindo-a, o próprio Batista dá testemunho:
Jesus é o “Eleito” de Deus, sobre quem o
Espírito de Deus desceu e permaneceu! Aqui temos
mais uma referência ao Servo do Senhor de Isaías
(Is 42, 1). A ênfase sobre o fato que o Espírito
“permaneceu” sobre Jesus é peculiar ao Quarto
Evangelho. O autor quer ressaltar o
relacionamento permanente entre o Pai e o Filho,
e entre o Filho e os que n’Ele acreditam. Aqui,
o Espírito de Deus permanece com Jesus, que o
Evangelho vai mostrar ser aquele que o dispensa
aos que creem (Jo 3, 5. 34; 7, 38-39; 20, 22).
Assim, logo no início do Quarto Evangelho, temos
toda uma cristologia, através do testemunho do
Batista referente a Jesus: Ele é aquele que
sempre existia, que morrerá como o Cordeiro
Pascal e como o Servo Sofredor pelos pecados das
pessoas, para depois derramar o Espírito Santo
sobre o Novo Israel, a comunidade dos
discípulos.
O Quarto Evangelho, neste texto, faz do seu
jeito o que os Sínóticos fazem com os seus
relatos do Batismo de Jesus - proclama Ele como
o Eleito do Pai, o Servo de Javé, que manifesta
em sua vida a vontade do Pai e que, dando a sua
vida, dá a vida eterna para todos os que n’Ele
acreditam.
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FESTA DA EPIFANIA DO SENHOR (08.01.17)
Mt 2, 1-12
“Ajoelharam-se diante dele e lhe prestaram
homenagem”
Hoje celebramos uma das grandes festas do Ciclo
de Natal - a Manifestação do Senhor (“Epifania”
em grego), onde comemoramos o fato de que Jesus
foi manifestado não somente ao seu próprio povo,
mas a todos os povos, representados pelos Magos
do Oriente. Mais importante do que a sua grande
popularidade folclórica, a festa celebra uma
grande verdade da fé - que a salvação em Jesus é
destinada a todos os povos, sem distinção de
raça, cor ou religião. Retomando a grande
intuição do profeta Terceiro-Isaías, celebramos
hoje a salvação universal em Jesus.
O texto de hoje é altamente simbólico - usa uma
técnica da literatura judaica chamada “midrash”,
ou seja, uma releitura de passagens bíblicas,
com o intuito de atualizá-las. Assim, Mateus
quer ensinar algo sobre Jesus, usando figuras e
símbolos tirados de diversos textos do Antigo
Testamento. Por exemplo:
Vêm os magos (nem três, nem reis, segundo o
texto!) buscando o Rei dos Judeus. Esses magos
nos lembram os magos que enfrentavam e foram
derrotados por Moisés (Êx 7, 11.22; 8, 3.14-15;
9,11) e acabaram reconhecendo o poder de Deus
nas maravilhas feitas por Ele.
A estrela é sinal da vinda do Messias, prevista
na profecia de Balaão (Nm 24, 17).
O menino nasce em Belém, segundo a profecia de
Miquéias (Mq 5, 1).
Os presentes lembram as profecias de
Segundo-Isaías sobre os estrangeiros que viriam
a Jerusalém trazendo presentes para Deus (Is 49,
23; 60,5; também Sl 72, 10-11).
Herodes é o novo Faraó, que também massacra os
filhos do povo de Deus (Êx 1, 8.16).
O texto chama a atenção pelas reações diferentes
diante do acontecido. Os que deveriam reconhecer
o Messias - pois são versados nas escrituras -
ficam alarmados, pois para eles, opressores do
povo através do abuso da religião e da política,
Jesus e a sua mensagem constituem uma ameaça.
Outros, pagãos do Oriente, buscando sem ter
certeza, arriscam muito para descobrir o
verdadeiro Deus, e entregam-lhe presentes,
sinais da partilha que será característica do
Reino que Jesus veio pregar.
Hoje em dia, verificam-se as mesmas reações
diante de Jesus e do seu Evangelho. Podemos
pensar nas críticas ao estilo de vida e mensagem
do Papa Francisco da parte de setores
ultraconservadores da Igreja, pois a sua
mensagem e vivência ameaçam o poder desses
grupos. Também, a reação de crítica de
defensores do capitalismo selvagem, diante da
análise feita pelo Papa do sofrimento de tanta
gente, por exemplo nas suas homilias e na sua
Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”. Os
nossos canais de televisão e rádio estão
infestados com “pregadores do Evangelho” que
frequentemente distorcem a Boa Nova para se
enriquecerem, explorando a ingenuidade de tanta
gente através da sua oratória demagógica e
manipulante.
Muitos querem reduzir os eventos religiosos a
algo folclórico com shows e cantos, mas, que de
forma alguma devem questionar a nossa sociedade
e os seus valores. Para outros, o menino nascido
na estrebaria é um sinal do novo projeto de
Deus, o mundo fraterno, onde todas as pessoas de
boa vontade têm que se unir, seja qual for a sua
raça, nação, gênero ou religião, para construir
a fraternidade que Deus quer.
Jesus não precisa de presentes, mas, sim, do
nosso esforço na vivência do seu Reino. Não
paremos em uma explicação sentimental dos
eventos das narrativas da Infância de Jesus,
mas, procuremos penetrar no seu sentido mais
profundo. Pois, na prática, temos que optar, ou
pela a vivência religiosa vazia, como a de
Herodes e dos Sumos Sacerdotes, ou pela mensagem
libertadora do Menino de Belém, que convoca a
todos, representados pelos magos, para a
construção do mundo de paz, fraternidade e
justiça, pois, Jesus veio para que “todos tenham
a vida e a tenham plenamente.” (Jo 10, 10).
A festa de hoje é altamente missionária, pois é
a manifestação de Jesus às nações. É uma boa
oportunidade para retomarmos os apelos do
Documento de Aparecida, que conclama a uma
missão renovada, onde todos os cristãos saem dos
limites das suas comunidades de fé, para levar o
Evangelho especialmente aos mais afastados.
Temos muito a caminhar ainda, mas, o início foi
feito, para que cheguemos a um Brasil não
somente de batizados, mas, de
discípulos-missionários.
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Festa da Santa Maria, Mãe de Deus; e, Dia
Mundial da Paz (01.01.17)
Lc 2, 16-21
“Maria conservava todos esses fatos e meditava
sobre eles no seu coração”
Embora haja uma certa confusão sobre as
referências cronológicas nas narrativas da
infância de Jesus em Lucas, - pois Quirino não
foi governador no tempo de Herodes e não se tem
informações extra-bíblicas sobre um
recenseamento feito por Augusto - a finalidade
do autor é teológica - situar o nascimento do
Salvador firmemente dentro da história humana, e
especialmente a história humana dos pobres e
excluídos. Jesus nasce filho de viajantes,
forçados a sair da sua casa pela força opressora
do império, pois a finalidade de um
recenseamento era alistar todos para a cobrança
de impostos. Assim, o Messias nasce em condições
subumanas e indignas - como nascem e se criam
milhões de crianças todos os anos na nossa
sociedade atual, algo que fica muito óbvio hoje,
com as imagens diárias da situação dos
refugiados, migrantes e vítimas da política
desumana em lugares como Aleppo. Como não teve
lugar para eles na “hospedaria” (um tipo de
albergue para viajantes, onde os animais ficavam
no pátio, no primeiro andar tinha cozinha
comunitária e no segundo andar dormitórios, algo
ainda comum em certas regiões do Oriente hoje),
Maria dá à luz em uma gruta ou estrebaria e
deita Jesus em uma manjedoura.
Logo, Lucas introduz mais personagens tirados
das fileiras dos excluídos da religião e
sociedade de então - os pastores. No tempo de
Jesus eram considerados como delinquentes,
dispostos sempre ao roubo e à pilhagem; por
isso, não mereciam confiança alguma e nem podiam
testemunhar em juízo. É importante notar que em
Lucas são pessoas pertencentes a duas categorias
proibidas de dar testemunho em juízo (pastores e
mulheres) que Deus escolhe para testemunhar os
dois eventos mais importantes da história - o
nascimento e a ressurreição do Salvador. Natal
se torna festa de inclusão dos que a religião
oficial e a sociedade dominante excluíam -
enquanto a maioria da classe abastada da nossa
sociedade atual celebra o Natal exatamente nos
templos de consumo de hoje - os Shoppings, onde
pessoas pobres são excluídas do banquete de
poucos. Assim é tão bom escutar – e assimilar –
as palavras do papa Francisco sobre o sentido
natalino, pois facilmente até nós, pessoas bem
integradas nas Igrejas, assimilamos a
mentalidade consumista e materialista, como por
osmose, e muitas vezes, sem que notemos. Que
contradição! Para muitos, na verdade, o Natal se
torna festa de consumismo, sem lugar para a
mensagem evangélica, nem para a memória do
nascimento do Salvador.
É importante refletir como Lucas nos apresenta a
pessoa da Maria neste texto. Enquanto todos os
que ouviam os pastores “assombravam-se” (v. 18),
“Maria, porém, conservava isso e meditava tudo
em seu íntimo” (v. 19). Dois textos do Antigo
Testamento usam o mesmo verbo grego (synetèrein):
Gn 37, 11 e Dn 4, 28, para descrever a
perplexidade íntima de uma pessoa que procura
entender o significado profundo de um fato.
Assim, Lucas enfatiza que Maria não captou de
imediato todo o sentido daquilo que ouviu, mas
meditava as palavras, contemplando-as, para
descobrir o seu significado. Maria cresceu na
fé, acolhendo e discernindo o sentido profundo
dos acontecimentos - se tornou peregrina na fé,
modelo para todos nós, nos convidando a nos
mergulharmos nos relatos evangélicos,
contemplando os mistérios da vida de Jesus e o
que eles podem significar para nós hoje.
A festa de hoje, também Dia Mundial da Paz, nos
faz lembrar a mensagem dos anjos: “Glória a Deus
no alto, e na terra paz aos homens que ele ama”
(v. 14). Aqui Lucas cria um binômio - dois
elementos conjugados, ou seja, uma maneira de
dar glória a Deus no alto é a criação da paz
entre as pessoas aqui na terra. Atrás do termo
“paz” há um cabedal de reflexão teológica, vindo
do Antigo Testamento. O nosso termo “paz” capta
somente uma parte do que significava a palavra
hebraica “Shalom”, que não se limita a uma mera
ausência de violência física, mas inclui a
realização de tudo que Deus deseja para os seus
filhos e filhas. Portanto, o texto natalino nos
convida e desafia para que demos glória a Deus
através do nosso esforço em criar um mundo de
Shalom - onde todos possam “ter a vida e a vida
em abundância!” (Jo 10, 10).
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