Theresa Catharina de Góes Campos

     
Reflexões Homiléticas para 2017 – Ano Litúrgico letra A (Mateus)
Pe. Tomaz Hughes, SVD
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OITAVO DOMINGO COMUM (26.02.17)
Mt 6, 24-34
“Ninguém pode servir a dois senhores”
O texto nos mergulha de novo no espírito do Sermão da Montanha (Mt 5, 1 - 7, 27). Coloca os ouvintes diante da sua escolha fundamental na vida - a quem ou a que querem servir? - a Deus, vivendo os valores delineados no Sermão da Montanha, ou ao Dinheiro, (que a Bíblia TEB escreve com “D” maiúsculo), ou seja, o Dinheiro como potência que escraviza o mundo a si? Embora essa escolha seja exigência de todos os tempos e lugares, torna-se mais urgente ainda em nossa sociedade de consumo, de exclusão e de acumulação, que exclui a maioria absoluta da humanidade, condenando-a a uma vida de miséria e sofrimento. Jesus deixa bem claro que os seus discípulos/as não podem assumir esses valores consumistas e materialistas, se querem ser fiéis a Ele e ao seu projeto do Reino de Deus. Esse princípio fundamental do seguimento de Jesus é enfatizado sem rodeios pelo Papa Francisco no seu documento de novembro 2013 Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho) quando na secção que trata dos desafios do mundo atual ele insiste “Não a uma economia da exclusão e da desigualdade” (nº 53), “não à nova idolatria do dinheiro” (nº 55), ‘não a um dinheiro que governa ao invés de servir” (nº 57), “não à desigualdade social que gera violência” (nº 59). Parece que hoje em dia, a tendência de alguns líderes e países é de construir muros em lugar de pontes! Há pouco anos, o Muro de Berlim era tido como vergonhoso, sinal de uma sociedade comunista decadente. Hoje, Israel e os Estados Unidos constroem muros, e são aplaudidos por muitos! Duas medidas!
Como consequência desse princípio, Jesus continua: “por isso é que lhes digo: não fiquem preocupados com a vida, com o que comer; nem com o corpo, com o que vestir”. Com certeza, uma declaração que soa como estranha a quase todos nós, obrigados a lutar com insegurança para que as nossas famílias tenham o que comer e vestir. Como não se preocupar com essas coisas em um mundo de insegurança, de desemprego, de exclusão? Realmente seria no mínimo uma falta de sensibilidade proclamar aos famintos ou esfarrapados que não era para se preocuparem com a comida e a roupa. É só olhar a situação terrível de tantas famílias em tantas regiões do Brasil e do mundo hoje. Então o que quer dizer esse trecho?
Essas palavras não são convite a descuidar dessas necessidades básicas, que seria um atentado contra a vida, e, portanto, contra a proposta de Jesus. A frase deve ser entendida no contexto da situação da comunidade mateana pelo ano 85 d.C, que parece ter sido uma comunidade que tinha bastante gente próspera (p. ex., Mateus diz que são os “pobres em espírito” que são bem-aventurados, enquanto Lucas diz simplesmente “vocês, os pobres”!). O sentido do texto gira ao redor do sentido do verbo grego “meirmnao” que as nossas Bíblias traduzem como “preocupeis” (Pastoral, TEB, Jerusalém, Ave Maria). Isso, obviamente, não quer dizer não cuidar, zelar, ocuparmo-nos, mas não deixar que essas coisas nos absorvam de tal maneira que se tornem o absoluto da nossa vida. Assim, em lugar de usar essas frases para acalmar os que sofrem falta dessas necessidades da vida, esse texto implica uma denúncia de uma sociedade excludente como a nossa, que obriga a maioria das pessoas a dedicarem-se totalmente à sobrevivência, esgotando as suas forças físicas, espirituais e psicológicas na luta diária para simplesmente sobreviver nesse mundo cruel.
Seria beirando a blasfêmia usar essas frases para apaziguar os sofridos, falando chavões sobre a providência de Deus, enquanto apoiamos e nos mergulhamos nos valores materialistas da sociedade neoliberal, sem notar que essa mesma sociedade é a negação de tudo que o Sermão da Montanha ensina sobre simplicidade, solidariedade, justiça e o seguimento de Jesus. A chave da interpretação do ensinamento de hoje está em v. 33: “Procurai primeiro o Reino e a justiça de Deus, e tudo isso vos será dado por acréscimo” (trad. TEB). Pois, se criarmos um mundo ou uma comunidade que vive os valores do Reino e a justiça de Deus (não o que a sociedade considera “justiça” a partir de uma ideologia positivista que favorece os interesses da minoria dominante), então teremos solidariedade, que garantirá que todos tenham pelo menos o mínimo para ter uma vida digna dos filhos e filhas de Deus.
Então, longe de ser “pano quente”, para que possamos ignorar com tranquilidade o sofrimento e carência de tantos, o texto nos desafia para que descubramos sinceramente quais são os nossos valores, os do Evangelho ou os do consumismo. É impossível ser discípulos de Jesus sem nos interessar por uma sociedade humana que seja favorável à vida de todos. O Papa Francisco insiste em Evangelii Gaudium: “Ninguém pode sentir-se exonerado da preocupação pelos pobres e pela justiça social: “A conversão espiritual, a intensidade do amor a Deus e ao próximo, o zelo pela justiça e pela paz, o sentido evangélico dos pobres e da pobreza são exigidos de todos”(EG 201). É uma questão vital para todos e todas que querem ser seguidores/as de Jesus, pois “onde está o seu tesouro, aí estará também o seu coração” (Mt 6, 21).
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SÉTIMO DOMINGO COMUM (19.02.17)
Mt 5, 38-48
“Sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês, que está no céu”
Na verdade, esse texto, continuando o Sermão da Montanha (Mt 5-7), continua o tema da leitura do domingo passado. Mais uma vez enfatiza que atrás de todas as nossas ações existem sentimentos, ou disposições internos. Por isso, Jesus dá o verdadeiro sentido à Lei, dizendo que o discípulo não pode se contentar em não agir mal, mas, tem que mudar a sua maneira de entender o mundo, as pessoas e as relações. Com autoridade, “Eu digo”, ele declara que não basta que os seus seguidores não ajam como o mundo age, mas que deem uma viravolta nos valores da sociedade vigente. Enquanto “olho por olho, dente por dente” era, nos tempos idos, um grande avanço sobre a lei da vingança exagerada, Jesus exige que os seus discípulos vão adiante, tirando até o desejo de vingança e retribuição, assim desarmando o mal e criando uma sociedade de novas relações. Sem dúvida, uma visão utópica; mas, utopia não é ilusão, é o ideal que nos norteia e encoraja até que finalmente, passo por passo, ela se concretize.
Esses versículos insistem que o modelo para a vida cristã e as suas atitudes não é a sociedade dominante, onde os cristãos muitas vezes se contentam em agir exatamente como os outros, dentro do que é aceitável em uma sociedade que não segue o Evangelho. É só verificar quantos cristãos apoiam as atitudes nefastas de Donald Trump, por exemplo, e comparar as suas atitudes com as de Jesus! Ele insiste aqui que ser cristão não é simplesmente ser como qualquer um (“os pagãos”), mas é ter outros valores e outra visão. E qual é o fundamento desses valores, desse modo de agir? Não é o exemplo da sociedade e do mundo, mas, o exemplo do nosso Pai. Jesus não deixa por menos: “sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês que está no céu”. Obviamente nunca poderemos ser “perfeitos” como o Pai do céu, no sentido de não termos defeitos ou fraquezas. Essa frase relembra Dt 18,13 onde a Lei recomenda ao povo de Israel que seja perfeito na sua adesão ao Senhor. O Evangelho de Lucas explicita melhor ainda o sentido dessa frase quando ensina: “sejam misericordiosos, como também o Pai de vocês é misericordioso” (Lc 6, 36).
Sem rodeios esses versículos nos levam a examinar as nossas atitudes e ações, especialmente em relação à vingança, ao ódio, à dureza de coração, à compaixão e à misericórdia. A nossa medida nesses aspectos é a nossa sociedade, ou o nosso Pai? Se nós agimos e pensamos como qualquer outro, o que fazemos de extraordinário?
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SEXTO DOMINGO COMUM (12.02.17)
Mt 5, 17-37
“Se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrarão no Reino do Céu”
Quando lemos o Evangelho de Mateus, é muito importante ter em mente o contexto histórico em que foi escrito, pelos anos 85-90 do primeiro século d.C., ou da Era Comum. Depois do desastre da Primeira Guerra Judaica, culminando com a destruição de Jerusalém e do Templo (que nunca mais seria erguido, diferente da sua destruição pelos babilônios em 587 a.C.), o povo judeu e a sua religião enfrentavam a possibilidade de desaparecer para sempre. Um grupo de rabinos reorganizou o judaísmo a partir de um tipo de “Sínodo” em Jâmnia, perto da atual Tel Aviv, no ano 85. Sem Templo, sem sacerdócio, sem sacrifício, esses mestres de Lei, quase todos fariseus, reestruturaram o judaísmo, ao redor de uma identidade proveniente de uma adesão estrita à Lei, a Torá. Diante da fraqueza do judaísmo, não admitiam nenhuma divergência da sua interpretação da Lei, nenhuma dissonância diante das comunidades judaicas. Mas, no seio do judaísmo existia um grupo de discípulos/as de Jesus de Nazaré, que aceitava a Lei como autoridade, mas, com a interpretação vinda dos ensinamentos do seu mestre, Jesus. Como consequência, começou um processo de expulsão desses judeu-cristãos da comunidade da sinagoga e se tornou muito importante para eles entender a sua relação com a Lei, e o que tinha mudado com o ensinamento e exemplo de Jesus, o Mestre.
O trecho de hoje do Sermão da Montanha começa exatamente situando Jesus diante da Lei. A primeira parte enfatiza que Jesus não rejeitou a Lei; mas, veio dar a ela o seu pleno cumprimento, o seu verdadeiro sentido. Portanto, as comunidades mateanas não precisavam sentir-se como traidoras da Antiga Aliança, pois, a Lei encontrou a sua verdadeira expressão na vida, ensinamento e opções de Jesus de Nazaré.
Devemos superar uma visão errada dos fariseus que frequentemente existe entre nós, entendendo esse grupo como hipócrita (essa ideia vem da linguagem polêmica de Mt 23, que reflete mais os conflitos do tempo do escrito do que a visão de Jesus). Mas, o texto de hoje mesmo assim é contundente quando Jesus declara aos seus discípulos (e a nós hoje!): “se a justiça de vocês não superar a dos doutores da lei e fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu” (lembremo-nos que em Mateus “Reino do Céu” é sinônimo com “Reino de Deus”, só que tendo comunidade judaica, ele substitui o termo “Céu” por “Deus” por motivos de reverência diante do nome de Deus). Como foi a justiça dos fariseus? Era uma adesão estrita à letra da Lei. Como superar isso - ir além da letra, ao espírito da Lei, que existe para que a vida abunde. Muitas vezes a letra mata, mas o verdadeiro espírito da Lei defende e promove a vida. Infelizmente, ainda tem muita gente nas nossas Igrejas (é só ver certas resistências às atitudes pastorais do Papa, até por parte de prelados) que prefere buscar a falsa segurança da letra da lei do que a liberdade dos filhos de Deus, que uma verdadeira interpretação dela nos concede.
O texto de hoje vai ao âmago da questão. Insiste que não é o suficiente simplesmente obedecer à letra a lei, não matando, não cometendo adultério etc. O discípulo de Jesus tem que tirar a raiz dessas ações más. Pois, às vezes não se pratica uma ação má por falta de oportunidade ou medo, mas a raiz do mal está no pensamento, no coração. Por isso devemos cortar a “mão” que nos leva ao erro (mão = maneira de agir) e arrancar o “olho” errado (olho = a nossa maneira de enxergar as coisas, o nosso pensamento). Devemos cuidar com essas expressões tipicamente semíticas e, obviamente, não levar ao pé da letra.
O texto termina com um apelo em favor da criação de uma sociedade de transparência e honestidade, pois só se pode dispensar a garantia do juramento, quando não há dúvida que todos falem a verdade. O grande estadista alemão Bismarck falou que não se podia dirigir um Estado baseando-se no Sermão na Montanha - mas somos desafiados a construirmos famílias e comunidades com esses princípios, para que já comecemos a vivenciar os valores do Reino, ultrapassando a letra e vivendo o espírito da Lei, à luz de Jesus.
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QUINTO DOMINGO COMUM (05.02.17)
Mt 5, 13-16
“Vós sois o sal da terra”
O nosso texto faz parte do Sermão da Montanha, cujos princípios são resumidos nas Bem-aventuranças (Mt 5, 1-12). Os versículos de hoje se dirigiam às comunidades dos “pobres em espírito”, cuja proposta de vida era a vivência do espírito das bem-aventuranças. Mateus usa as metáforas de sal e luz para aplicá-las aos ouvintes do Sermão da Montanha.
O sal era de suma importância no Oriente Médio. Era usado como tempero para dar sabor à comida e também para conservá-la. Também a imagem do sal era usada para simbolizar a Sabedoria e a Lei. Mateus afirma que os discípulos devem tornar saboroso o mundo em sua aliança com Deus, através da vivência que nasce da sabedoria de Jesus e a nova Lei, o Sermão da Montanha. Se não assumirem essa missão, servirão para nada e merecem ser jogados fora como sal insosso. Essa missão se realiza através da vivência da plena justiça, muito mais do que uma prática externa de leis: “Se a vossa justiça não for maior do que a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu” (Mt 5, 20). Embora o sal às vezes seja considerado perigo para a nossa saúde, sempre é necessário na medida certa. Celebrando, em janeiro/2017, os 800 anos da Ordem Dominicana, o Papa Francisco aproveitou a oportunidade para advertir contra uma Vida Religiosa, ou até uma Congregação inteira que tenham perdido o sabor, como um sal que se tornou insosso. Mas, pode-se estender essa preocupação à Vida Cristã, às paróquias, às comunidades eclesiais, pastorais e movimentos – se não têm ainda o gosto, são como sal que perdeu o sabor e servem para mais nada. Um convite a todos nós a um exame objetivo da vibração das nossas vidas cristãs.
As outras imagens também são tiradas da experiência da Palestina do tempo de Jesus. Se a imagem da “cidade situada sobre um monte” foi tirada da Galiléia, talvez se refira à cidade de Hippos, se não, poderia ser Jerusalém. A imagem da lâmpada que ilumina todos na casa vem do fato de que a casa normal de um pobre na Palestina consistia de uma sala só. Através da prática dos discípulos, a luz de Deus deve iluminar a sociedade, desmascarando as injustiças e apontando para a justiça do Reino do Céu.
O versículo 16 mantém um equilíbrio entre a prática das boas obras e o evitar do orgulho ou vaidade por causa delas. A vida do discipulado descrita no Sermão não deve levar à arrogância, tão típica de alguns “piedosos” ou “justos”; mas, à conversão de muitos ao Pai. Mateus se refere a Is 42, 6 e 49, 6 que mostram que o Servo de Deus traz luz e salvação para todos os povos.
Mais uma vez o Evangelho de Mateus enfatiza a missão da comunidade cristã. Somos chamados a dilatar o Reino de Deus no mundo. Não é possível sermos discípulos se mantivermos uma vida individualista, fechada em nós mesmos. A nossa maior pregação deve ser a nossa luta em prol do mundo que Deus quer, para que “todos tenham a vida e a vida em abundância” (Jo 10, 10). Uma vida cristã que não se engaja nisso, se torna como sal insosso, luz apagada, que não serve para nada. Mas, a motivação é clara - nada em benefício próprio, mas tudo para que as pessoas cheguem a conhecer o nosso Pai amoroso e vivenciem os valores do seu Reino.
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QUARTO DOMINGO COMUM (29.01.17)
Mt 5, 1-12a
“Fiquem alegres e contentes, porque será grande para vocês a recompensa nos céus”
Esses primeiros versículos do Cap. 5 servem ao mesmo tempo como introdução e como resumo do Sermão da Montanha. Apresentam-nos um retrato das qualidades do(a) verdadeiro(o) discípulo(a), daquele e daquela que, no seguimento de Jesus, procura viver os valores do Reino de Deus. Basta uma leitura superficial para ver que a proposta de Jesus está na contramão da proposta da sociedade vigente - tanto a do tempo de Jesus, como a de hoje. Embora com uma linguagem menos contundente do que Lucas (Lc 6, 20-26), o texto de Mateus deixa claro que o seguimento de Jesus exige uma mudança radical na nossa maneira de pensar e viver.
Um primeiro elemento que chama a atenção é o fato de que a primeira e a última bem-aventurança estão com o verbo no presente - o Reino já é dos pobres em espírito e dos perseguidos por causa da justiça - na verdade, as mesmas pessoas, pois os que buscam a justiça são “pobres em espírito”, e que é verdadeiramente pobre em espírito se empenha na construção de uma sociedade justa. Eles já vivem a dependência total de Deus, pois só com Ele esses valores podem vigorar. Mas, quem luta pela justiça será perseguido - e quem não se empenha nessa luta jamais poderá ser “pobre em espírito”.
As outras bem-aventuranças traçam as características de quem é pobre em espírito. É aflito, por causa das injustiças e do sofrimento dos outros, causados por uma sociedade materialista e consumista. Isso deve questionar a indiferença de muitos cristãos que, embora frequentem a Missa, não se comovem com o sofrimento de milhões, se compactuam com uma política e um sistema econômico que promove a cultura de exclusão e torna a religião uma mera fachada de consolações pessoais. É manso, não no sentido de passivo, mas porque não é movido pelo ódio e violência que marcam a ganância e a truculência dos que dominam, “amansando” os pobres e fracos.
Tem fome da Justiça de Deus, não a dos homens, que tantas vezes não passa de uma legitimação oficial da exploração e privilégio. Tem coração compassivo, como o próprio Pai do Céu, e é “puro de coração”, sem ídolos e falsos valores. Promove a paz, não “a paz que o mundo dá” (Jo 14, 27), mas o “shalom”, a paz que nasce do projeto de Deus, quando existe a justiça do Reino.
Jesus deixa clara a consequência de assumir esse projeto de vida - a perseguição! Pois, um sistema baseado em valores antievangélicos não pode aguentar quem o contesta e questiona, algo que a história dos mártires do nosso Continente testemunha muita bem. Qualquer Igreja Cristã que é bem aceita e elogiada pelo sistema hegemônico precisa se questionar sobre a sua fidelidade à vivência das bem-aventuranças do Sermão da Montanha. O martírio (= testemunho) é pedra-de-toque dessa fidelidade. Com muita justiça, foi lembrada a atuação profética do falecido Dom Paulo Evaristo Arns, quando faleceu em dezembro/2016. Mas, devemos também lembrar como ele foi perseguido e caluniado, pelos arautos da ditadura e pela ala conservadora dentro da própria Igreja.
Continua válido para todos nós, como indivíduos e como comunidades, o desafio de estar “na contramão, com Jesus”, como diz Frei Carlos Mesters. Não somente na contramão da sociedade, mas com uma proposta de construção de uma sociedade fundamentada nos princípios do Sermão da Montanha, os de solidariedade, justiça, fraternidade e paz. No mundo onde estas metas e princípios são chamados de “ladainha dos perdedores”, cabe aos cristãos descobrir meios práticos de concretização desta utopia, a utopia de Deus, que impelia Jesus a doar a sua vida. É o grande desafio de sermos “no mundo, mas não do mundo” como dizia Jesus (Jo 14) e por isso temos que ser “vigilantes” (outro tema do evangelho de Mateus), para que não assumamos os princípios antievangélicos do neoliberalismo selvagem, quase por osmose! O mundo é o palco da nossa missão (Jo 16, 18), mas uma missão transformadora, norteada pelas Bem-Aventuranças.
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TERCEIRO DOMINGO COMUM (22.01.17)
Mt 4, 12-23
“Convertam-se, porque o Reino do Céu está próximo”
O texto começa situando a pessoa e a missão de Jesus no seu contexto concreto, histórica e geograficamente. A mudança de Jesus para a Galiléia tem sido interpretada tanto como um assumir corajoso da sua missão profética, diante da prisão de João, como uma busca de maior segurança. O verbo usado para “retirou-se” em v. 12 costuma ser usado por Mateus para indicar o recuo diante de um perigo (2, 12.13.14.22; 12, 15;14, 13;15, 21). Porém, o autor quer não somente apontar o lugar geográfico da missão de Jesus, mas, também, a sua natureza profética. Por isso, cita, com grandes modificações, o texto de Is 8, 23-9,1. Mateus condensa o texto da forma que só sobram as referências geográficas, que apontam para o Norte da Galileia e Transjordânia, conquistadas pelos pagãos assírios em 734 a.C. Ao passo que a maioria dos profetas e messias do seu tempo se retiravam para o deserto (p. ex. os Essênios de Qumrã e João, o Batista), ou agiram na capital, Jerusalém, Jesus se retira para a periferia, Galileia, cercada pelos gentios. A esperança da salvação inicia-se exatamente em uma região da qual nada se espera. No tempo de Mateus uma grande parte da população da Galileia era gentia, ou seja, pagã. Por isso, escolhendo esse lugar como palco da sua missão, o ministério de Jesus vai entrar em contato com “todas as nações” (Mt 28, 19).
V. 17 inaugura solenemente a missão de Jesus, a de anunciar a presença do Reino de Deus entre nós. Esta é a mensagem central de Jesus, e junto com a Ressurreição, formava a base e o objetivo da esperança cristã. Usando a visão noturna de Daniel (Dn 7, 13-14), o Reino representa a salvação futura e definitiva de toda a humanidade, socialmente, politicamente e espiritualmente, através do exercício da soberania de Deus, estabelecendo o “Shalom”, a paz que vem pela justiça, na terra como no céu. Como Mateus escreve para uma comunidade basicamente de judeu-cristãos, ele obedece o costume de não pronunciar o nome de Deus, e por isso, usa a frase “Reino dos Céus” no sentido de “Reino de Deus”. Infelizmente, esta convenção nascida do respeito pela transcendência de Deus, levou muitas pessoas a identificar, erroneamente, o Reino como algo pertencente somente ao céu, diluindo a sua força transformadora.
O primeiro passo de Jesus é chamar um grupo de discípulos, começando com os pescadores do Lago de Genesaré. Nos Evangelhos Sinóticos, Jesus rompe com o costume rabínico, pois, Ele mesmo chama os seus discípulos. Em Mateus, Jesus muda a prática rabínica também em outros pontos - os discípulos não serão meros ouvintes do ensinamento do Mestre, mas colaboradores na sua missão; as multidões também seguirão Jesus, buscando n’Ele algo que não encontravam nos mestres oficiais das sinagogas (Mt 4, 25; 8, 1; 12, 15; 14, 13 etc); em um segundo momento, Jesus vai fazer uma crítica a este seguimento, mostrando que segui-Lo vai muito além do que os discípulos e as multidões tinham imaginado - será tomar sobre si a sua cruz (16, 24).
É interessante observar os detalhes do chamamento dos primeiros discípulos para serem “pescadores de homens”, (“pescador” é uma das duas principais imagens para o ministério no Novo Testamento. A outra, a de pastor, tem menor conotação missionária) - dois estavam lançando as redes e dois estavam consertando-as. Assim, o evangelho mostra a dinâmica da vida cristã - tem hora para lançar redes (a ação missionária) e hora para consertá-las (cuidar mais da vida interna das pessoas e da comunidade). Os dois elementos têm que ser integrados na vida dos discípulos e das comunidades. A rede pode significar a comunidade dos discípulos. Com o tempo, as redes dos pescadores se rompiam, por causa dos detritos apanhados, e precisavam ser consertadas, pois rede rompida não pega peixe. O mesmo acontece com a vida cristã, tanto no nível individual como comunitário - com o tempo podemos romper as redes, enfraquecendo a nossa missão. Consertar as redes simboliza o refazer dos elos de união entre nós e Deus, entre os próprios irmãos e irmãs, e com a criação. Mas, como rede consertada também não apanha peixe se não for lançada, assim a comunidade cristã não pode ficar voltada sobre si mesma, em uma vida somente interna; mas, esta vida forte de união interna deve levar de volta à missão. É notável como as homilias do Papa Francisco batem muito nessa tecla, recusando de aceitar que a Igreja fecha-se em si mesma, e nos convidam a estar sempre “em saída” – em diálogo profético com o mundo, com os que não tem fé ou buscam a fé, com os marginalizados e excluídos, com pessoas de outras culturas e tradições religiosas. As imagens do chamamento nos advertem contra dois extremos que distorcem o seguimento de Jesus - um ativismo desenfreado, só voltado para fora, e que descuida da vida interior das pessoas e das comunidades, de um lado, e uma vida só voltada para dentro, do outro, fazendo da experiência espiritual algo intimista e individual, que não leva à missão. Para o cristão, a missão brota da intimidade com Jesus e leva a aprofundar esta intimidade. A intimidade com Jesus leva de volta à missão e é alimentada pela experiência da missão. Todos os cristãos e cristãs são chamados a serem “pescadores de homens”, colaboradores na construção do Reino de Deus, que já está no meio de nós.
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SEGUNDO DOMINGO COMUM (15.01.17)
Jo 1, 29-34
“Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo”
O texto de hoje é tirado do Quarto Evangelho, o da Comunidade do Discípulo Amado. Escrito muito depois dos Sinóticos, o Quarto Evangelho tem como uma das suas características o uso abundante de símbolos, e uma cristologia bastante diferente dos outros três evangelhos. O texto de hoje situa-se no contexto de 1, 19 - 2, 12, onde, num cenário de sete dias, o autor descreve os sete dias da nova criação, que se dá em Jesus, fazendo paralelismo com o relato de Gênesis.
Diante das dificuldades em explicar o sentido do Batismo e Jesus, João omite o evento, mas descreve a descida do Espírito Santo sobre Jesus. Usando um símbolo muito conhecido dos primeiros judeu-cristãos, João Batista proclama Jesus como o “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”, na verdade, uma expressão pós-pascal de fé. O texto evoca ecos de duas imagens do Antigo Testamento - Jesus é o Cordeiro Pascal da Páscoa cristã, que, pela sua morte, acontecida no exato momento em que os cordeiros pascais estavam sendo abatidos no Templo (Jo 19, 14), salvou o mundo do pecado, da mesma maneira que o sangue do cordeiro pascal original salvou os israelitas do anjo destruidor (Êx 12, 1-13). Em segundo lugar, Jesus é também o Servo de Javé, descrito por Deutero-Isaías, o Servo Sofredor, que “brutalizado, não abre a boca; como uma ovelha emudece diante dos tosquiadores... carregou o pecado das multidões e intercede pelos transgressores” (Is 53, 7-12). João Batista também proclama que Jesus existia antes dele - um tema tipicamente joanino, o da preexistência do Verbo.
Como o Batista batizava com água, Jesus batizará com o Espírito Santo. Embora talvez o Batista se referisse ao Espírito purificador de Deus, de que falavam os profetas como purificador dos corações nos últimos dias (Is 4, 4; Ez 36, 25s; Zc 12, 10; 13, 1;), o evangelista quer que o leitor veja uma referência ao Espírito Santo, dado por Jesus e pelo batismo cristão.
Diferente dos Sinóticos, em João não se fala de uma voz celeste no momento do batismo. Substituindo-a, o próprio Batista dá testemunho: Jesus é o “Eleito” de Deus, sobre quem o Espírito de Deus desceu e permaneceu! Aqui temos mais uma referência ao Servo do Senhor de Isaías (Is 42, 1). A ênfase sobre o fato que o Espírito “permaneceu” sobre Jesus é peculiar ao Quarto Evangelho. O autor quer ressaltar o relacionamento permanente entre o Pai e o Filho, e entre o Filho e os que n’Ele acreditam. Aqui, o Espírito de Deus permanece com Jesus, que o Evangelho vai mostrar ser aquele que o dispensa aos que creem (Jo 3, 5. 34; 7, 38-39; 20, 22).
Assim, logo no início do Quarto Evangelho, temos toda uma cristologia, através do testemunho do Batista referente a Jesus: Ele é aquele que sempre existia, que morrerá como o Cordeiro Pascal e como o Servo Sofredor pelos pecados das pessoas, para depois derramar o Espírito Santo sobre o Novo Israel, a comunidade dos discípulos.
O Quarto Evangelho, neste texto, faz do seu jeito o que os Sínóticos fazem com os seus relatos do Batismo de Jesus - proclama Ele como o Eleito do Pai, o Servo de Javé, que manifesta em sua vida a vontade do Pai e que, dando a sua vida, dá a vida eterna para todos os que n’Ele acreditam.
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FESTA DA EPIFANIA DO SENHOR (08.01.17)
Mt 2, 1-12
“Ajoelharam-se diante dele e lhe prestaram homenagem”
Hoje celebramos uma das grandes festas do Ciclo de Natal - a Manifestação do Senhor (“Epifania” em grego), onde comemoramos o fato de que Jesus foi manifestado não somente ao seu próprio povo, mas a todos os povos, representados pelos Magos do Oriente. Mais importante do que a sua grande popularidade folclórica, a festa celebra uma grande verdade da fé - que a salvação em Jesus é destinada a todos os povos, sem distinção de raça, cor ou religião. Retomando a grande intuição do profeta Terceiro-Isaías, celebramos hoje a salvação universal em Jesus.
O texto de hoje é altamente simbólico - usa uma técnica da literatura judaica chamada “midrash”, ou seja, uma releitura de passagens bíblicas, com o intuito de atualizá-las. Assim, Mateus quer ensinar algo sobre Jesus, usando figuras e símbolos tirados de diversos textos do Antigo Testamento. Por exemplo:
Vêm os magos (nem três, nem reis, segundo o texto!) buscando o Rei dos Judeus. Esses magos nos lembram os magos que enfrentavam e foram derrotados por Moisés (Êx 7, 11.22; 8, 3.14-15; 9,11) e acabaram reconhecendo o poder de Deus nas maravilhas feitas por Ele.
A estrela é sinal da vinda do Messias, prevista na profecia de Balaão (Nm 24, 17).
O menino nasce em Belém, segundo a profecia de Miquéias (Mq 5, 1).
Os presentes lembram as profecias de Segundo-Isaías sobre os estrangeiros que viriam a Jerusalém trazendo presentes para Deus (Is 49, 23; 60,5; também Sl 72, 10-11).
Herodes é o novo Faraó, que também massacra os filhos do povo de Deus (Êx 1, 8.16).
O texto chama a atenção pelas reações diferentes diante do acontecido. Os que deveriam reconhecer o Messias - pois são versados nas escrituras - ficam alarmados, pois para eles, opressores do povo através do abuso da religião e da política, Jesus e a sua mensagem constituem uma ameaça. Outros, pagãos do Oriente, buscando sem ter certeza, arriscam muito para descobrir o verdadeiro Deus, e entregam-lhe presentes, sinais da partilha que será característica do Reino que Jesus veio pregar.
Hoje em dia, verificam-se as mesmas reações diante de Jesus e do seu Evangelho. Podemos pensar nas críticas ao estilo de vida e mensagem do Papa Francisco da parte de setores ultraconservadores da Igreja, pois a sua mensagem e vivência ameaçam o poder desses grupos. Também, a reação de crítica de defensores do capitalismo selvagem, diante da análise feita pelo Papa do sofrimento de tanta gente, por exemplo nas suas homilias e na sua Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”. Os nossos canais de televisão e rádio estão infestados com “pregadores do Evangelho” que frequentemente distorcem a Boa Nova para se enriquecerem, explorando a ingenuidade de tanta gente através da sua oratória demagógica e manipulante.
Muitos querem reduzir os eventos religiosos a algo folclórico com shows e cantos, mas, que de forma alguma devem questionar a nossa sociedade e os seus valores. Para outros, o menino nascido na estrebaria é um sinal do novo projeto de Deus, o mundo fraterno, onde todas as pessoas de boa vontade têm que se unir, seja qual for a sua raça, nação, gênero ou religião, para construir a fraternidade que Deus quer.
Jesus não precisa de presentes, mas, sim, do nosso esforço na vivência do seu Reino. Não paremos em uma explicação sentimental dos eventos das narrativas da Infância de Jesus, mas, procuremos penetrar no seu sentido mais profundo. Pois, na prática, temos que optar, ou pela a vivência religiosa vazia, como a de Herodes e dos Sumos Sacerdotes, ou pela mensagem libertadora do Menino de Belém, que convoca a todos, representados pelos magos, para a construção do mundo de paz, fraternidade e justiça, pois, Jesus veio para que “todos tenham a vida e a tenham plenamente.” (Jo 10, 10).
A festa de hoje é altamente missionária, pois é a manifestação de Jesus às nações. É uma boa oportunidade para retomarmos os apelos do Documento de Aparecida, que conclama a uma missão renovada, onde todos os cristãos saem dos limites das suas comunidades de fé, para levar o Evangelho especialmente aos mais afastados. Temos muito a caminhar ainda, mas, o início foi feito, para que cheguemos a um Brasil não somente de batizados, mas, de discípulos-missionários.
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Festa da Santa Maria, Mãe de Deus; e, Dia Mundial da Paz (01.01.17)
Lc 2, 16-21
“Maria conservava todos esses fatos e meditava sobre eles no seu coração”
Embora haja uma certa confusão sobre as referências cronológicas nas narrativas da infância de Jesus em Lucas, - pois Quirino não foi governador no tempo de Herodes e não se tem informações extra-bíblicas sobre um recenseamento feito por Augusto - a finalidade do autor é teológica - situar o nascimento do Salvador firmemente dentro da história humana, e especialmente a história humana dos pobres e excluídos. Jesus nasce filho de viajantes, forçados a sair da sua casa pela força opressora do império, pois a finalidade de um recenseamento era alistar todos para a cobrança de impostos. Assim, o Messias nasce em condições subumanas e indignas - como nascem e se criam milhões de crianças todos os anos na nossa sociedade atual, algo que fica muito óbvio hoje, com as imagens diárias da situação dos refugiados, migrantes e vítimas da política desumana em lugares como Aleppo. Como não teve lugar para eles na “hospedaria” (um tipo de albergue para viajantes, onde os animais ficavam no pátio, no primeiro andar tinha cozinha comunitária e no segundo andar dormitórios, algo ainda comum em certas regiões do Oriente hoje), Maria dá à luz em uma gruta ou estrebaria e deita Jesus em uma manjedoura.
Logo, Lucas introduz mais personagens tirados das fileiras dos excluídos da religião e sociedade de então - os pastores. No tempo de Jesus eram considerados como delinquentes, dispostos sempre ao roubo e à pilhagem; por isso, não mereciam confiança alguma e nem podiam testemunhar em juízo. É importante notar que em Lucas são pessoas pertencentes a duas categorias proibidas de dar testemunho em juízo (pastores e mulheres) que Deus escolhe para testemunhar os dois eventos mais importantes da história - o nascimento e a ressurreição do Salvador. Natal se torna festa de inclusão dos que a religião oficial e a sociedade dominante excluíam - enquanto a maioria da classe abastada da nossa sociedade atual celebra o Natal exatamente nos templos de consumo de hoje - os Shoppings, onde pessoas pobres são excluídas do banquete de poucos. Assim é tão bom escutar – e assimilar – as palavras do papa Francisco sobre o sentido natalino, pois facilmente até nós, pessoas bem integradas nas Igrejas, assimilamos a mentalidade consumista e materialista, como por osmose, e muitas vezes, sem que notemos. Que contradição! Para muitos, na verdade, o Natal se torna festa de consumismo, sem lugar para a mensagem evangélica, nem para a memória do nascimento do Salvador.
É importante refletir como Lucas nos apresenta a pessoa da Maria neste texto. Enquanto todos os que ouviam os pastores “assombravam-se” (v. 18), “Maria, porém, conservava isso e meditava tudo em seu íntimo” (v. 19). Dois textos do Antigo Testamento usam o mesmo verbo grego (synetèrein): Gn 37, 11 e Dn 4, 28, para descrever a perplexidade íntima de uma pessoa que procura entender o significado profundo de um fato. Assim, Lucas enfatiza que Maria não captou de imediato todo o sentido daquilo que ouviu, mas meditava as palavras, contemplando-as, para descobrir o seu significado. Maria cresceu na fé, acolhendo e discernindo o sentido profundo dos acontecimentos - se tornou peregrina na fé, modelo para todos nós, nos convidando a nos mergulharmos nos relatos evangélicos, contemplando os mistérios da vida de Jesus e o que eles podem significar para nós hoje.
A festa de hoje, também Dia Mundial da Paz, nos faz lembrar a mensagem dos anjos: “Glória a Deus no alto, e na terra paz aos homens que ele ama” (v. 14). Aqui Lucas cria um binômio - dois elementos conjugados, ou seja, uma maneira de dar glória a Deus no alto é a criação da paz entre as pessoas aqui na terra. Atrás do termo “paz” há um cabedal de reflexão teológica, vindo do Antigo Testamento. O nosso termo “paz” capta somente uma parte do que significava a palavra hebraica “Shalom”, que não se limita a uma mera ausência de violência física, mas inclui a realização de tudo que Deus deseja para os seus filhos e filhas. Portanto, o texto natalino nos convida e desafia para que demos glória a Deus através do nosso esforço em criar um mundo de Shalom - onde todos possam “ter a vida e a vida em abundância!” (Jo 10, 10).
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Jornalismo com ética e solidariedade.