A população está perdendo
a confiança na polícia e o encanto com a
escola
Aylê-Salassié F. Quintão*
Prisões ou
escolas? O País está perdendo os seus
jovens para a violência e o tráfico. Na
Câmara, a chamada "bancada da bala" defende
como solução a flexibilização da compra de
armas, a redução da idade criminal e o
reforço às medidas punitivas contra o
comércio das drogas. No extremo oposto, a
Pastoral Carcerária Católica contrapõe-se
aos posicionamentos dos deputados, em sua
maioria ex-delegados, militares e policiais
mesmo, reivindicando o desmantelamento do
modelo da guerra ao tráfico, da
militarização da polícia, das prisões
provisórias e da privatização do sistema
carcerário. No fundo, ninguém sabe
exatamente o que fazer, nem reúne forças
suficientes para marcar uma solução. Os
catárticos debates são quase inócuos, e mal
chegam a alguns segmentos da população. O
cidadão parece cada vez mais desprotegido
e, com as greves policiais corporativas,
também desrespeitado.
As cadeias no
Brasil transformaram-se em escolas de
aperfeiçoamento de criminosos, com cerca de
200 mil alunos potenciais, em sua maioria
jovens não julgados e presos.
Simbioticamente, tem-se a impressão de que
as escolas vão perdendo para a violência o
status de lócus privilegiado do
processo civilizatório. Pela prática mal
iniciada do tráfico de drogas, um estudante
da Universidade Católica foi condenado a
seis anos de prisão, mas autorizado a
prosseguir presencialmente o curso superior.
Era um rapaz de bom trato e carreira
promissora. Mas, depois da prisão, seu
rastro transgressor de traficante
espalhou-se por todos os cantos do campus.
Ele trocava a sala de aula para circular
entre pequenos grupos, lan houses,
cafés e bares . Certa vez, desatento, o
professor marcou equivocadamente sua
presença em sala. Ele estava ausente. Nesse
dia tivera sua liberdade acadêmica cancelada
pelo juiz, e ingressara definitivamente no
mundo do crime.
O ministro da
Justiça, Alexandre de Moraes, admite que
mais da metade dos reclusos nunca cometeu
crimes graves. "No Brasil, historicamente se
prende muito, e mal", disse. A cada jovem de
17 a 19 anos com o ensino médio incompleto
que morre assassinado, 66 tem menos de três
anos de estudos. Cerca de 56% dos presos no
Brasil são ainda quase adolescentes, entre
18 e 29 anos, negros, pobres e de baixa
escolaridade: 53% possuem ensino fundamental
não concluso. É o que mostrou no ano passado
a pesquisa do Infopen, do Ministério da
Justiça .
Constatou-se
ainda que 35,2% das escolas públicas
brasileiras convivem com as drogas nas suas
redondezas, mostra uma outra pesquisa
realizada com pelo Instituto de Estudos
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em
2013, para a Fundação Lemann, organização
sem fins lucrativos voltada para educação,.
No Distrito Federal 53, 2% das unidades
escolares estão nessa condição. Em São
Paulo, 47,1% registram a presença do tráfico
nas suas proximidades . Dos 54 mil diretores
das escolas públicas no Brasil, a maioria
concorda que a convivência com o tráfico
afeta o rendimento escolar e a agrava a
evasão, que chega a 35% anualmente.
Associada a precariedade da vida nos locais
de origem, os alunos terminam envolvidos
pela violência. Não se sabe como isolar a
escola do contexto. O policiamento é
insuficiente e frágil: os guardas,
amedrontados, assistem traficantes
conhecidos, transvestidos de estudantes,
provocando sistematicamente distúrbios,
interna e externamente, envolvendo os alunos
das escolas.
Envolver-se
com o tráfico não é um simples problema de
idade, adrenalina ou testosterona. Quando se
procura investigar, a família tem também, de
alguma forma, uma relação com as drogas, diz
o professor Celso Leitão, ex-coordenador de
Direitos Humanos e Diversidade em uma
Regional de Ensino no DF. Detectou-se
familiares militando abertamente pela
descriminalização da droga e,
consequentemente, a consumindo. “O estudante
traria o hábito e os argumentos de casa”.
Assim. o tráfico próximo às escolas
apóia-se numa clientela centro de um raio
bem maior do que se imagina.
A insegurança
vai dessa forma espalhando-se vagarosamente
entre a população, cidadãos, pais e
professores. É a guerra do tráfico ou contra
ele, que vitimiza, sobretudo, a juventude
em idade escolar. Num belo artigo para o
blog “Chumbo Gordo”, Lilia Frankenthal,
advogada que já prestou sua colaboração nas
APACs,
associações de proteção e assistência
jurídica e humanitária aos presos,
chamou o sistema carcerário brasileiro de
“estufas do ódio” . Prende-se para
averiguação e a investigação fica
postergada. Os presos terminam esquecidos
pela indiferença burocrática ou a falta de
condições para contratar um advogado.
Militarizado, o modelo não livra a
sociedade da violência. “A superlotação, os
encarceramentos ilegais e desnecessários
fornecem mão de obra farta para as
organizações criminosas. Pequenos criminosos
entram no sistema prisional como aprendizes
e saem diplomados”.
Em 2005, o Brasil
tinha 32.880 presos por tráfico de
entorpecentes, em 2011 já eram 125.744.
Agora está próximo de 200 mil. É a nova
cultura, a do ódio e da violência,
vulgarizada pelos políticos, pela televisão,
pelo cinema, nas ruas, entre companheiros de
balada, pelo sistema de desigualdade de
oportunidades, que leva à perda da
esperança no Estado , da confiança na
polícia e o desencanto com a escola.
Jornalista, professor, doutor
em história cultural
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