Reflexões
Homiléticas - Abril 2017
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TERCEIRO
DOMINGO DE PÁSCOA (30.04.17)
Lc 24,
13-35
“Reconheceram Jesus quando Ele repartiu o pão”
Talvez um
dos relatos mais conhecidos de Lucas seja a
história dos dois discípulos na estrada de Emaús.
Nas figuras dos discípulos temos um retrato das
comunidades lucanas pelo ano 85 - vacilando na
fé, descrentes, desanimadas, sem sentir a
presença do Ressuscitado. Lucas procura reanimar
o seu pessoal, mostrando que eles não estão
abandonados - muito pelo contrário, estão
caminhando na vida contando com a presença do
Senhor que venceu a morte.
Esta
história pode nos ajudar bastante hoje, pois
retrata a situação de muitos cristãos e
comunidades nos tempos atuais – acreditam em
Jesus intelectualmente, mas, não vibram com a
presença d’Ele no meio de nós; reduzem a fé a
uma adesão intelectual aos dogmas, sem que seja
algo que dê sentido à vida e à caminhada;
limitam o seguimento de Jesus à uma séria de
práticas e leis morais, mas, sem qualquer vigor
missionário. O nosso texto nos ajudará a ver
como a Palavra de Deus na Bíblia pode nos ajudar
a interpretar a nossa realidade para que, em
lugar de perder o ânimo, nos tornemos vibrantes
discípulos-missionários/as do Senhor. Jesus é o
mestre da Bíblia e aqui ele demonstra como
aproveitar a Escritura para iluminar os
problemas práticos da nossa caminhada, e
reforçar a coragem na nossa missão de
evangelizadores.
O que temos
aqui é realmente um pequeno drama em cinco atos
- um drama que nos mostra a pedagogia de Jesus.
Vejamos mais de perto:
O
Primeiro ato: vv. 13-19ª: “Introdução”
O relato
começa com as palavras “nesse mesmo dia”.
Devemos já fazer uma parada e nos perguntar “que
dia”? Para nós seria o dia da Ressurreição, mas,
para os dois discípulos era simplesmente o
terceiro dia da morte de Jesus! Dia de desânimo,
de tristeza. “Os dois iam para um povoado
chamado Emaús, distante onze quilômetros de
Jerusalém”. Aqui é bom lembrar que o bom judeu
não podia caminhar mais do que um quilômetro no
dia de sábado. Portanto, era impossível que eles
viajassem no dia anterior. Domingo é a sua
primeira oportunidade para sair de Jerusalém, e
aproveitaram bem - já estão voltando para a sua
casa, desiludidos, decepcionados e sem
perspectivas. A cena começa com a desintegração
da comunidade cristã. Tudo acabou, a comunidade
se dispersa, não há nem alegria nem esperança.
Quem eram
eles? Sabemos do relato que um se chamava
Cléofas! E o outro? O Evangelho de João nos
conta que a irmã de Maria, mãe do Senhor,
chamada Maria de Cléofas, estava junto à cruz (Jo
19, 25). Não seria demais acreditar que os dois
discípulos era o casal, Cléofas e a sua esposa,
voltando depois da peregrinação pascal à
Jerusalém. Nunca saberemos com certeza, mas é
uma hipótese agradável e possível. Pois, sendo
assim, a descoberta da presença do Ressuscitado
dar-se-á no lar e não em uma hospedaria anônima.
Seria bem de acordo com a valorização na obra de
Lucas da Igreja Doméstica, a Igreja que se
reunia nas casas, como tantas Igrejas vivas de
hoje.
De repente,
no caminho surge Jesus, sem que seja
reconhecido. Com isso, Lucas quer dizer que o
Ressuscitado não é um defunto que voltou a viver
– mas, tem uma nova maneira de ser, um corpo
glorificado. É importante notar como Jesus se
comporta, através dos verbos que Lucas usa. Ele
“aproximou-se”, “caminhou com eles” e
“perguntou”. Ele não veio “dando de dedo”, nem
dando explicações bíblicas. Ele criou um
ambiente de fraternidade onde fosse possível
explicar tanto a vida como a Bíblia! Quantas
vezes isso falta em nossos grupos, nossas
comunidades - não nos aproximamos uns aos
outros, mantemos distância! Não caminhamos
juntos, queremos dar soluções sem conhecer a
realidade dos nossos irmãos e irmãs! Por isso
mesmo, muitas vezes não têm efeito as nossas
reuniões, os nossos encontros bíblicos.
O “ato”
termina com a pergunta d’Ele: “O que é que vocês
andam discutindo pelo caminho” (v. 17), ou seja,
Ele dá uma oportunidade para que eles exponham a
sua realidade, sem julgamento, sem moralismo.
Ele parte da realidade dos dois, conforme eles a
experimentam, mesmo com análise equivocada.
Segundo
Ato: vv 19b -24: “Os Discípulos Falam”
Diante da
oportunidade de explicitar a sua realidade,
Cléofas não titubeia. Ele expõe com clareza a
sua situação. Diante da morte de Jesus ele frisa
uma coisa importante: “nós esperávamos que Ele
fosse o libertador de Israel” (v. 21). Eles
“esperavam”, portanto, não esperam mais nada.
Aqui ressoam traços de decepção, desilusão,
desânimo, até de uma certa revolta contra Jesus,
pois, todas as suas esperanças tinham sido
desfeitas. Os seus sentimentos vão muito além de
uma simples tristeza! Algo semelhante marca
muita gente e muitas comunidades hoje –
esperávamos um governo em favor do povo, e
recebemos um golpe em favor da elite,
agronegócio e lucro desenfreado! Esperávamos uma
Igreja com os traços de Vaticano II e Medellín e
em muitos lugares instalou-se uma Igreja
clericalista, fechada em si, devocionalista,
alienada e alienante, apesar de tantas
comunidades comprometidas e o exemplo e os
apelos do profeta de hoje, o Papa Francisco! É
tentador – mas errado! – concluir que é melhor
abandonar a luta e cultivar a resignação e a
passividade, como foi a tentação dos dois
discípulos.
É importante
notar também que Lucas explicita bem quem foi
que matou Jesus - não foi o povo, mas, grupos de
interesse bem definidos: “Nossos chefes dos
sacerdotes e nossos chefes o entregaram para ser
condenado à morte, e o crucificaram” (v. 20).
Para não reduzir a morte de Jesus a uma
fatalidade qualquer ou a algo desejado pelo Pai,
é necessário examinar mais profundamente esta
afirmação do Cléofas. Jesus foi morto,
assassinado judicialmente pelos “chefes dos
sacerdotes” - um grupo de sacerdotes do partido
aristocrático e conservador dos saduceus, que
dominava o comércio do Templo, lucrando muito
com a exploração do povo através da religião, e
que viu a sua hegemonia ameaçada pela pregação e
profetismo de Jesus. Também foi morto pelos
“chefes” ou “magistrados”, ou seja, os membros
do Sinédrio, o órgão do governo interno do povo
judaico de Palestina, na maioria pertencente ao
partido elitista dos saduceus (não dos
fariseus), colaboradores com o poder romano,
lucrando bastante com isso. Então Jesus foi
morto não por acaso, mas para defender os
privilégios da elite dominante! A cruz era a
consequência lógica da vida de Jesus, da sua
mensagem e atuação, que ameaçavam os privilégios
das elites!
Outro
elemento importante é o fato de que os dois
sabiam do túmulo vazio - dois dos apóstolos já
tinham verificado a história das mulheres. Mas,
isso não dizia nada para eles! Aqui se destaca
que a nossa fé não se baseia num túmulo vazio! É
a nossa fé na Ressurreição que explica porque o
túmulo estava vazio e não o túmulo que dá
consistência à nossa fé!
Terceiro
Ato: vv25-27: A Bíblia
Agora, e só
agora, depois de ter criado o ambiente e
escutado a realidade é que Jesus usa a
Escritura. Ele frisa que eles “custam para
entender e demoram para acreditar em tudo o que
os profetas falaram” (v. 25). Notemos bem - não
custaram para “saber”, mas para “entender e
acreditar”. Pois, eram judeus piedosos, que,
mesmo sendo analfabetos, conheciam muito bem os
salmos e as profecias. O seu problema era que,
embora conhecessem o livro da Bíblia, e também o
livro da vida, eles não conseguiam ligar as duas
coisas. Então, Jesus “explica” as escrituras -
isso é, ele não dá uma aula de exegese, mas faz
a ligação entre a vida deles e a Bíblia,
iluminando a realidade deles com a Palavra de
Deus!
Quarto
Ato: vv 28-32: A Partilha
Chegando em
Emaús, os discípulos convidam Jesus para entrar
a e jantar com eles. Se realmente se trata de um
casal, então seria entrar na sua casa, no
aconchego do seu lar, e não em uma hospedaria,
como normalmente a gente supõe. Aqui temos o
ponto central da história – pois, até agora a
explicação bíblica, por tão bonita que pudesse
ter sido, não mudou a vida deles. Mas, agora
sim. Jesus se põe à mesa e: “tomou o pão e
abençoou, depois o partiu e deu a eles” (v. 30).
De propósito, Lucas usa as palavras que recordam
a Última Ceia. É a experiência da partilha, da
comunidade! Agora o milagre acontece: “Nisso os
olhos dos discípulos se abriram e eles
reconheceram Jesus” (v. 31). Neste mesmo momento
Jesus desaparece da frente deles! Por que?
Porque, uma vez feita a experiência da presença
do Ressuscitado no meio deles, eles não
precisavam mais da “muleta” da sua presença
física.
Agora eles
caem dentro de si e reconhecem que: “Não ardia o
nosso coração quando Ele nos falava pelo
caminho, e nos explicava as Escrituras?” (v.
32). A Bíblia é capaz de fazer “arder o
coração”, mas, para “abrir os olhos” é
necessária também a experiência de comunidade,
de celebração , de partilha!
Quinto
Ato: vv 33-36: A Missão
Se a
história terminasse aqui, seria a história de
uma experiência bonita feita por duas pessoas.
Isso não basta. Tal experiência da presença do
Senhor Ressuscitado exige a formação de uma
comunidade fraterna de vida: discipulado e
missão. Os mesmos dois que de manhã fugiam de
Jerusalém, pois, era o lugar da morte, da
perseguição e do fracasso, de tarde se põem no
caminho de volta! O que mudou em Jerusalém
durante o dia? Nada! Continua sendo o lugar de
perigo, de morte, de perseguição. Mas, mudou a
cabeça dos dois. Em lugar de uma fé pré-pascal,
eles agora têm uma fé pós-pascal. Em lugar de
desânimo, há entusiasmo e coragem, pois
experimentaram a presença de Jesus Ressuscitado.
A história que começou com a comunidade se
desintegrando termina com a comunidade se
reintegrando, se unindo, na paz e na alegria,
pois os discípulos puderam confirmar: “Realmente
o Senhor ressuscitou, e apareceu a Simão” (v.
34). E os dois de Emaús puderam contar “o que
tinha acontecido no caminho, e como tinham
reconhecido Jesus quando ele partiu o pão” (v.
36).
Esta
história pode servir para nós como paradigma de
um círculo bíblico, grupo de reflexão, ou seja
qual for o nome que nós damos às nossas pequenas
comunidades. Jesus liga quatro elementos
essenciais - a realidade, a Bíblia, a celebração
partilhada e a comunidade. É na união entre
estes elementos que se revela a presença do
Ressuscitado e a vontade de Deus. É na interação
destes aspectos da vida cristã que a Bíblia se
torna: “Lâmpada para os meus pés, e luz para o
meu caminho” (Sl 119, 105). Procuremos unir
estes elementos nas nossas reuniões e encontros,
e descobriremos como se concretiza o desejo do
Salmista: “Oxalá vocês escutem hoje o que Ele
diz” (Sl 95, 7)
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SEGUNDO
DOMINGO DA PÁSCOA (23.04.17)
Jo 20,
19-31
“A Paz
Esteja Com Vocês”
No texto
anterior ao de hoje, a Maria Madalena traz a
notícia da Ressurreição aos discípulos
incrédulos. Agora é o próprio Jesus que aparece
a eles. Não há reprovação nem queixa nas suas
palavras, apesar da infidelidade de todos eles,
mas, somente a alegria e a paz que Ele já tinha
prometido no último discurso. Duas vezes Jesus
proclama o seu desejo para a comunidade dos seus
discípulos – “A paz esteja com vocês”. O nosso
termo “paz” procura traduzir – embora de uma
maneira inadequada – o termo hebraico “Shalom!”,
que é muito mais do que “paz” conforme o nosso
mundo a compreende. O “Shalom” é a paz
que vem da presença de Deus, da justiça do
Reino. O SHALOM pode ser definido como “o
bem-estar total para todos/as” - é tudo que Deus
deseja para os seus filhos e filhas. Tem muitas
conotações de justiça social. Como disse o
saudoso Papa Paulo VI, “A justiça é o novo nome
da paz!” Jesus não promete a paz do comodismo,
mas, pelo contrário, envia os seus discípulos na
missão árdua em favor do Reino. Promete o
shalom, pois, Ele nunca abandonará quem
procura viver na fidelidade ao projeto de Deus.
Jesus soprou
sobre os discípulos, como Deus fez (é o mesmo
termo) sobre Adão, quando infundiu nele o
espírito de vida. Jesus os recria com o Espírito
Santo. Normalmente imaginamos o Espírito Santo
descendo sobre os discípulos em Pentecostes,
mas, aquilo era a descida oficial e pública do
Espírito para dirigir a missão da Igreja no
mundo. Para João, o dom do Espírito, que da sua
natureza é invisível, flui da glorificação de
Jesus, da sua volta ao Pai. O dom do Espírito
neste texto tem a ver com o perdão dos pecados.
Mais uma
vez, em um domingo, Jesus aparece aos discípulos
(notem a ênfase sobre o Domingo – duas vezes).
Esta vez, Tomé está presente. Ele representa os
discípulos da comunidade joanina do fim do
século, que estavam vacilando na sua fé no
Ressuscitado, diante dos sofrimentos e
tribulações da vida. Assim, nos representa,
também, quando nós vacilamos e duvidamos. Jesus
nos fortalece com as palavras: “Felizes os que
acreditaram sem ter visto!” Essa muitas vezes
será a realidade da nossa fé – acreditar contra
todas as aparências que o bem é mais forte do
que o mal, a vida do que a morte! Somente uma fé
profunda e uma experiência da presença do
Ressuscitado vão nos dar essa firmeza.
Tomé
confessa Jesus nas palavras que o Salmista usa
para Javé (Sl 35, 23). No primeiro capítulo do
Evangelho de João, os discípulos deram a Jesus
uma série de títulos que indicaram um
conhecimento crescente de quem Ele era; aqui
Tomé lhe dá o título final e definitivo – Jesus
é Senhor e Deus!
Nessa
proclamação triunfante da divindade de Jesus, o
Evangelho original terminava. (O Capítulo 21 é
um epílogo, adicionado mais tarde). No início,
João nos informou que “o Verbo era Deus”. Agora
ele repete essa afirmação e abençoa todos os que
a aceitam, baseados na fé! A meta do Evangelho
foi alcançada – mostrar a divindade de Jesus
para que, acreditando, todos pudessem ter a vida
n’Ele.
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DOMINGO
DE PÁSCOA (16.04.17)
Jo 20,
1-9
“Ele viu
e acreditou”
Os quatro
evangelhos relatam os acontecimentos do Dia da
Ressurreição, cada um de acordo com as suas
tradições. Mas, certos elementos são comuns a
todos: o fato do túmulo vazio, que as primeiras
testemunhas eram as mulheres (embora divirjam
quanto ao seu número e identidade e o motivo da
sua ida ao túmulo - para ungir o corpo, ou para
vigiar e lamentar), e de que uma delas era Maria
Madalena. Podemos tirar disso a conclusão que as
mulheres tinham lugar muito importante entre o
grupo dos discípulos de Jesus, e que elas eram
mais fiéis do que os homens, seguindo Jesus até
a Cruz e além dela! Infelizmente, outras
gerações fizeram questão de diminuir a
importância das discípulas na tradição – e a
Igreja sofre até hoje as consequências.
Lendo os
relatos, um fato salta aos olhos – ninguém
esperava a Ressurreição. Para os discípulos, a
Cruz era o fim da esperança, a maior desilusão
possível. Se somarmos a isso o fato que todos os
Doze traíram Jesus (ou por dinheiro, ou por
covardia), podemos imaginar o ambiente pesado
entre eles na manhã do Domingo. Nesse meio,
chega a Maria com a notícia de que o túmulo
estava vazio - e ela, naturalmente, pensa que o
corpo tinha sido roubado. Ressurreição - nem
pensar!
No nosso
texto, Pedro (que tem um papel importante nos
textos pós-ressurrecionais) e o Discípulo Amado
(anônimo, mas quase certamente não um dos doze)
correm até o túmulo. O texto deixa entrever a
tensão histórica que existia entre a comunidade
do Discípulo Amado e a comunidade apostólica
(representada por Pedro). Pois, o Discípulo
Amado espera por Pedro (reconhece a sua
primazia), mas enquanto Pedro vê sem acreditar,
o Discípulo Amado acredita. No Quarto Evangelho,
Pedro só realmente vai conseguir amar Jesus no
Capítulo 21, enquanto o Discípulo Amado é o tal
desde Capítulo 13. Só quem olha com os olhos do
coração, do amor, penetra além das aparências!
Como em
Lucas 24, na história dos Discípulos de Emaús, o
texto demonstra que a nossa fé não está baseada
num túmulo vazio! Não é o túmulo vazio que
fundamenta a nossa fé na Ressurreição, mas o
contrário - é a experiência da presença de Jesus
Ressuscitado que explica porque o túmulo está
vazio! Cuidemos de não procurar bases falsas
para a nossa fé no Ressuscitado!
Hoje, quando
olhamos para o mundo ao nosso redor, é fácil não
acreditar na vitória da vida sobre a morte. Há
tanto sofrimento e injustiça - guerra,
violência, corrupção endêmica, salários
minguados, aposentadorias (dos trabalhadores,
claro, não da elite!) ameaçadas, saúde e
educação sucateadas, sem falar de desastres
naturais! Só uma experiência profunda da
presença de Jesus libertador no meio da
comunidade poderá nos sustentar na luta por um
mundo melhor, com fé na vitória final do bem
sobre o mal, da luz sobre as trevas, da graça
sobre o pecado! Nós todos somos discípulos
amados, pois “nada nos separa do amor e Deus em
Jesus Cristo” (Rm 8), mas, será que somos
discípulos amantes? Será que amamos a Jesus e ao
próximo? Lembramos que o ágape, o amor proposto
pelo Evangelho, não é um sentimento, mas uma
atitude de vida, de solidariedade, de partilha,
de justiça. “O amor consiste no seguinte: não
fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos
amou, e nos enviou o seu Filho como vítima
expiatória por nossos pecados. Se Deus nos amou
a tal ponto, também nós devemos amar-nos uns aos
outros” (1Jo 4, 10-11).
Que a
mensagem da Ressurreição, da vitória da vida
sobre a morte, nos anime e dê força,
especialmente quando a Cruz pesar muito em
nossas vidas!
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DOMINGO
DE RAMOS (09.04.17)
Mt 21,
1-12; Mt 26, 14 – 27, 66
Bendito
aquele que vem em nome do Senhor!
Neste
primeiro dia da Semana Santa, com certeza não há
comunidade católica no Brasil que não celebre,
com muito entusiasmo, a comemoração da entrada
de Jesus em Jerusalém. Organizam-se procissões e
encenações, e quase todos fazem questão de levar
alguns ramos bentos para a casa.
Porém, é
muito importante resgatar o verdadeiro sentido
da entrada de Jesus em Jerusalém, para que
possamos celebrar a festa com mais profundidade.
O próprio Evangelho de Mateus nos dá uma dica,
quando em v. 5 cita o profeta Zacarias. Pois,
Jesus, escolhendo entrar na capital desta
maneira, estava fazendo uma releitura de
Zacarias 9, 9-10. O profeta (conhecido como
Segundo Zacarias, pois, capítulos 9-14 do livro
são pós-exílicos) vivia numa situação de grande
opressão e pobreza, quando Palestina e o seu
povo eram dominados pelo Império Grego, depois
de Alexandre Magno. O profeta procura animar o
seu povo oprimido, manter viva a chama de
resistência através da esperança na chegada de
um Messias, que teria três grandes
características: seria rei (9, 9-10), bom pastor
(11, 4-17) e “transpassado” (12, 9-14).
Portanto, quando Jesus e os seus discípulos
fizeram a sua entrada em Jerusalém; era uma
maneira forte de proclamar a chegada do Messias,
do Rei esperado pelos pobres de Javé. Era gesto
profético de esperança, algo tão necessário no
ministério das Igrejas hoje, infelizmente muito
marcadas pela ameaça, frequentemente com mais
ênfase sobre o mal do que sobre o bem, de uma
suposta dominação de “demônios” e não pela
certeza da vitória da graça e da redenção.
Mas, o rei
proclamado por Zacarias e concretizado em Jesus
era bem diferente dos reis dos países de então.
Enquanto estes faziam questão de apresentar-se
publicamente com toda a pompa, montados sobre
cavalos imponentes, o rei previsto por Zacarias
iria entrar em Jerusalém montado em um jumento –
o animal do pequeno agricultor. Pois, o seu
reino seria, não de dominação, opulência e
opressão, mas, de paz, de justiça e de
solidariedade: “Dance de alegria, cidade de
Sião; grite de alegria, cidade de Jerusalém,
pois, agora o seu rei está chegando, justo e
vitorioso. Ele é pobre, vem montado num jumento,
num jumentinho, filho de uma jumenta. Ele
destruirá os carros de guerra de Efraim e os
cavalos de Jerusalém; quebrará o arco de guerra.
Anunciará a paz a todas as nações, e o seu
domínio irá de mar a mar” (Zc 9, 9).
A entrada em
Jerusalém de Jesus era verdadeiramente uma
entrada triunfal – mas, do triunfo de Deus, do
Messias dos pobres e justos, e uma reviravolta
nos valores da sociedade. Era a rejeição dos
valores opressores dos Reinos mundanos, a
celebração de Javé, o libertador, que “ouve o
clamor dos pobres e sofridos” (Êx 3, 7).
Celebrar a memória deste evento no Domingo de
Ramos deve nos levar a um cumpromisso maior com
a construção de um mundo de paz verdadeira,
fruto de justiça, partilha e solidariedade.
Quando falamos da entrada triunfal, lembremo-nos
que é o triunfo da fraqueza de Deus, da Cruz, do
projeto do Reino, pois como disse Paulo, “a
loucura de Deus é mais sábia do que os homens e
a fraqueza de Deus é mais forte do que os
homens” (1Cor 1, 25). Cuidemos de não
transformar a celebração litúrgica em folclore,
centada na figura do padre, glorificando o poder
e a dominação, fazendo o que fizeram em
Jerusalém, conforme o hino: “Queriam um grande
Rei que fosse forte, dominador e por isso não
creram n’Ele e mataram o Salvador”.
A celebração
de Domingo de Ramos é realmente uma das
vitórias, mas, da vitória que vem de fidelidade
ao projeto de Deus, no seguimento de Jesus, até
a Cruz e à Ressurreição. Evitemos criar uma
caricatura de Jesus como Rei poderoso, conforme
os padrões da nossa sociedade, e procuremos
recuperar a finalidade da ação profética de
Jesus – reacender a esperança dos excluídos,
marginalizados, pobres e oprimidos, assumindo
cada vez mais ações concretas na busca da
construção da “Terra Sem Males”. Um desafio
muito grande para quem tem qualquer ministério
nas Igrejas, ordenado ou não, pois o nosso
modelo – como o Papa Francisco nunca cansa de
nos lembrar - é o “anti-rei”, Jesus de Nazaré, e
não as autoridades pomposas deste mundo.
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QUINTO
DOMINGO DE QUARESMA (02.04.17)
Jo 11,
1-45
“Eu sou a
Ressurreição e a Vida”
Para
entender melhor este texto, temos que situá-lo
no seu contexto dentro do Quarto Evangelho, o do
Discípulo Amado. Cumpre lembrar a divisão
literária e teológica deste Evangelho. Nele, os
primeiros onze capítulos formam que é
normalmente intitulado “O Livros dos Sinais”, ou
seja, relatam sete sinais (tradução melhor do
que “milagres”) operados por Jesus. Um sinal
aponta para algo mais além, e os sinais
relatados por João apontam para uma realidade
mais profunda – eles revelam algo mais profundo
sobre a pessoa e missão de Jesus. São: a mudança
de água em vinho em Caná (2, 1-11), a cura do
filho de um funcionário real (4, 46-54), a cura
do paralítico em Betesda (5, 1-18), a partilha
de pães (6, 1-15), caminhar sobre as águas (6,
16-21), a cura do cego de nascença (9, 1-41), e
o sinal culminante, a Ressurreição de Lázaro
(11, 1-45), o texto de hoje. Como bloco, formam
o Livro dos Sinais, preparação para Capítulos
13-20, o Livro da Glorificação.
Nos desafiam
a ir por trás das palavras e imagens, ou seja,
não parar no visível, mas descobrir o que
sinalizam sobre a pessoa e missão de Jesus –
portanto, a nossa missão também. Assim, devemos
sempre ter presente que o relato de um sinal
sempre quer revelar algo sobre Jesus. Diferente
dos milagres em Marcos, onde não se faz milagre
a não ser que já se tem a fé em Jesus, os sinais
em João revelam uma verdade sobre Jesus e levam
as pessoas a aprofundar a sua fé n’Ele. Assim,
no texto de hoje, não devemos centralizarmo-nos
sobre a pessoa de Lázaro, ou sobre os pormenores
da história, mas, descobrir o que João quer
dizer sobre a pessoa de Jesus e a sua missão,
através do texto.
Talvez
possamos dizer que o centro do relato se
encontra nos versículos 21-27. Partindo da fé na
ressurreição dos mortos, já corrente desde o
tempo dos Macabeus entre as camadas populares do
judaísmo, mas, rejeitada pela classe dominante
dos saduceus, João tece um diálogo entre Jesus e
Marta, que culmina com a declaração que a
Ressurreição e a Vida acontece através da fé
n’Ele, o Enviado de Deus, que veio para que
todos tivessem plena vida, dando a sua vida para
que isso acontecesse (Jo 10, 10-11). Vale notar
que, no Evangelho de João, a primeira pessoa a
professar fé no messianismo divino de Jesus é
uma mulher, Marta. Nos Sinóticos, isso cabe a
Pedro (Mc 8, 29). Como a cegueira do cego de
nascença servia para que a glória de Deus fosse
revelada através da sua cura, revelando Jesus
como Luz do mundo (Jo 9, 3-5), a morte de Lázaro
serve para revelar Jesus como Ressurreição e
Vida (11, 25-27).
Jesus traz
esta Vida para todos, através da entrega da sua
própria vida. Pois, o relato de João enfatiza
que Ele dará a sua vida para que todos tenham a
vida eterna, colocando na boca do Sumo Sacerdote
a frase famosa: “É melhor um homem morrer pelo
povo do que a nação toda perecer” (11, 50). A
libertação total que Jesus trouxe não acontece
sem que Ele se esbarre contra os interesses dos
poderosos da sociedade que procurarão conter
esta libertação, matando-O. É a maneira joanina
de dizer a verdade que Marcos sublinha quando
ele faz Jesus dizer “se alguém quer me seguir,
renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga me”
(Mc 8, 34). A verdadeira vida exige luta contra
tudo que é de morte, de dominação, de
exploração, de exclusão.
Notemos que, no fim da história,
Lázaro é desatado dos panos e sudário – pois Ele
vai precisá-los de novo, pois ainda passará pela
morte! A Ressurreição de Jesus, que logo
celebraremos, é diferente. Cap. 20 de João faz
questão de mencionar que, quando os discípulos
entram no túmulo vazio, eles veem o sudário e os
panos no chão – pois Jesus não foi simplesmente
ressuscitado, mas passou pela Ressurreição, para
a vida definitiva! O que aconteceu com Lázaro
simplesmente prefigura o que aconteceria com
Jesus de uma maneira mais definitiva, e por
conseguinte, a todos nós. Que a nossa fé
n’Aquele que é “a Ressurreição e a Vida”, que
veio “para que todos tenham vida e a vida plena”
nos leve, não à religião intimista e
individualista, sem maiores consequências na
vida comunitária, social, política e econômica,
mas, a um engajamento na construção do mundo que
Deus quer, o mundo da verdadeira “Shalom”
– um conceito que vai muito além do sentido do
termo Português “paz”, para indicar a plenitude
do bem-estar, tudo que Deus deseja para todos os
seus filhos e filhas, como nos lembra o tema do
programa catequético-bíblico da CNBB nestes
quatro anos: “Para que n’Ele nossos povos tenham
vida”, o que implica levar a sério a Campanha da
Fraternidade deste ano, em defesa dos biomas
brasileiros (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata
Atlântica, Pantanal, Pampa), elementos
essenciais para uma vida plena.
- - -
Pe.
Tomaz Hughes, SVD
E-mail:
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