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De: Reynaldo Ferreira
Data: 4 de maio de 2017
Repassando:
Pode a direita fazer autocrítica?
Aylê-Salassié F. Quintão*
Pesquisadores acadêmicos, a Justiça e a própria
sociedade precisam tirar proveito “desse tempo
de confissões inconfessáveis” (Cunha, 2017) para
uma reavaliação profunda da realidade brasileira
e a projeção de um futuro para o País com mais
objetividade. É um momento de aprendizado. Não
vai salvar a Pátria, mas, segundo o procurador
Deltan Dallagnol, coordenador da Força Tarefa da
Operação Lava Jato, as revelações dos 150
delatores ajudam a desenterrar estruturas
arcaicas viciadas que emperram o
desenvolvimento, obstruem os pensamentos e a
brasilidade.
A delação, mesmo abrigada juridicamente, é
vista, na política, pela esquerda, como
“deduragem” e traição . A referência está nos
militantes revolucionários que, presos e
torturados, terminaram por comprometer colegas.
O tema chegou a desaparecer , até que a Comissão
da Verdade restabeleceu a figura do delator,
levantando o véu das impunidades e das
violências contra aqueles companheiros.
Ao envolver as elites, a delação espontânea
terminou ganhando foro jurídico e privilégios
penais. Pode ter, sim, um tempero de esperteza.
Contudo, tem permitido, desvendar estruturas de
dominação manipuladas no mundo da política e da
economia, com parcerias até no estrangeiro. São
conjunções de interesse escusos que, ao longo da
história, minaram a justiça social no Brasil e
emperraram a porta de saída da pobreza.
Assumindo publicamente os erros cometidos em
nome da fé, a Igreja tomou a frente da luta
contra esse estado de coisas, pedindo antes
perdão, e adotando medidas saneadoras. Veio a
Lava Jato, e a delação passou a expor as pessoas
à indignidade, à perda do respeito público e até
familiar. O reconhecimento do erro, intuído,
entretanto, pela boa fé, é o de que os sujeitos
desejam a reconciliação com a verdade.
Reconhecem o pecado e, pelo arrependimento,
dispõem-se a cumprir a penitência judicial:
pagar por erros com o quais não conseguem
conviver socialmente.
No campo político, a delação – e não a
“deduragem” - corresponderia quase a uma
autocrítica: “tarefa inadiável de reconhecer os
próprios erros, analisar suas causas e discutir
os meios pelos quais possam ser corrigidos “
(Dix Silva, 2006). Caberia ao indivíduo ou ao
grupo analisar os caminhos seguidos, atos e
formas, atitudes e interpretações, os desvios,
com o fim de promover uma correção de rumos. De
uma perspectiva revolucionária aplicar-se-ia a
uma doutrina, a um comportamento social, ou a um
partido.A Ala Vermelha do Partido Comunista do
Brasil deixou uma bela experiência sobre o tema.
A autocrítica permanente é um método recomendado
aos socialistas, como forma de manterem-se
alinhados à realidade e de corrigir desvios no
curso de revoluções e governos. A direita chama
isso de avaliação, reavaliação ou balanço. Nada
contra. O filósofo marxista húngaro István
Mészáros (2006) observa que “...o pensamento
marxiano – estudiosos da obra de Marx - não é um
sistema fechado, sagrado, que não possa ser
modificado, retrabalhado, inclusive, a partir de
categorias externas que se mostrem razoáveis”.
Para ele, a autocrítica é propulsora de novas
visões e táticas. “Mas, adverte, não
necessariamente de avanços teóricos”. O problema
estaria, de fato, nas categorias que a praticam.
Por aí, somente a esquerda poderia dispor da
prerrogativa da autocrítica. A direita não. A
delação da direita seria “deduragem” mesmo, o
que remete a complexidade das análises de Hanna
Arendt, ao interpretarmos o comportamento
aparentemente cínico de Emílio e de Marcelo
Odebrechet que, diante de Sérgio Moro, acharam
graça da situação que patrocinavam . Aquele riso
parecia expressar mais aflição, e não deboche. A
percepção instantânea de um cenário fantasioso
que, surpreendentemente, eles ajudaram a criar e
a manter. Provavelmente, ao reconhecerem a
prática de ações grosseiras e de proporções tão
imensas, riram para não chorar de efeitos que
nunca imaginaram. Brasileiros também, com
relações estreitas em outros países, estariam
eles definitivamente carimbados lá fora pelos
atos praticados contra o seu próprio País.
Criminosos? Sim, e como tais passíveis de
rigorosas penalidades. Mas, talvez já estejam
exemplarmente conformados, como Eike Batista.
A prática da autocrítica está verdadeiramente
amparada no socialismo científico de Marx,
embora no Brasil seus seguidores pareçam tê-la
abandonado, trocando-a por táticas de lutas, num
estilo stalinista, condenado pelo comunista,
também húngaro, Lukács ( 1968), como
“oportunismo” . Aliam-se – afirma -
convenientemente ao sindicalismo neoliberal , na
expectativa de transformar os trabalhadores em
agentes do partido da vanguarda revolucionária.
É inspiradora a advertência de Lukács trinta
anos atrás: “Na raiz dos problemas nacionais
está uma modalidade de oportunismo que é,
talvez, a mais grave das deformações legadas por
Stálin: ao invés de utilizar os princípios
teóricos gerais do marxismo para corrigir a ação
prática, os revolucionários subordinam-se
mecanicamente às necessidades imediatas, às
exigências momentâneas da atividade política.
“Com isso, renunciam a uma das conquistas
fundamentais da perspectiva marxista: a unidade
da teoria e prática. A teoria fica reduzida à
condição de escrava da prática e a prática perde
sua profundidade revolucionária”. Segundo o
filósofo, os efeitos de semelhante situação são
catastróficos.
Enfim, a perspectiva da autocrítica, reforçada
no espaço da Lava Jato por mecanismos jurídicos
inovadores, ajudaria muito a desanuviar o
cenário que aí está. Incita a reflexão. As
delações são uma oportunidade rara para o
desmonte da máquina de dominação que as elites
construíram ao longo da história neste País. Daí
que a sociedade deveria temer, de fato, aqueles
que se recusam a fazer a autocrítica.
*Jornalista e professor |
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