Na
antologia LIVRO ESCRITOS IX , lançamento
especial na 63ª edição da Feira do Livro de
Porto Alegre - RS, de 1º a 19 de novembro de
2017, textos em verso e prosa de Theresa
Catharina de Góes Campos
Sobre Theresa Catharina
(Natal - RN, 13/01/1945)
Jornalista, escritora, professora universitária,
tradutora, conferencista e produtora cultural.
Minha vida e meu trabalho têm os mesmos
objetivos ético-morais, numa visão de cidadania
universal de acordo com os mais elevados
princípios cristãos.Minha fé e confiança em Deus
dão sentido a esta vida temporária que deve nos
preparar espiritualmente para uma vida
maior,depois da morte aqui na terra. Esperança e
amor têm o poder de nos transformar e fazer
crescer!
RESGATAR A HONRA DE UMA PALAVRA
Uma palavra vitoriosa através dos séculos -
política - precisa de nosso empenho para o
resgate de sua dignidade. A valorização
necessária, que os tempos de hoje exigem de nós,
começa por uma reflexão crítica do nível de
afirmação de nossa cidadania.
Muitos não conhecem o significado etimológico:
historicamente, POLÍTICA é a arte de promover o
bem comum. Esse legado cultural nós devemos à
civilização greco-romana que, na Antiguidade
Clássica Ocidental, definia a pessoa humana em
sua condição de cidadã, portanto, em suas
relações com a "polis", sua cidade, em contexto
de direitos e responsabilidades. Em textos do
século IV a.C., filósofos como Sócrates, Platão
e Aristóteles já ensinavam de acordo com uma
perspectiva universal, com propostas de atitudes
e pensamentos mais avançados e permanentes que
as conquistas violentas, imperialistas dos
exércitos gregos.
O motivo de nossas considerações está na
deterioração que a palavra POLÍTICA vem
sofrendo, ao assumir uma conotação negativa,
relacionada às ações nada louváveis de
candidatos e ocupantes de cargos públicos
envolvidos em atos de corrupção dos mais
variados tipos, iludindo, mentindo, praticando a
ambiguidade de atitudes em nome de interesses
inconfessáveis.
Embora as Universidades ofereçam Departamentos e
Cursos de graduação e pós-graduação na área de
Ciência Política, os cidadãos leigos continuam a
utilizar o vocábulo POLÍTICA de forma
preconceituosa. Assim, quando alguns denominam
organizações, movimentos e ações como
"políticas" com a pretensão de desmoralizá-los,
ou numa tentativa de convencer os desavisados no
sentido de negarem apoio ou sua solidariedade
ativa, alegam que as razões daquelas
manifestações são "políticas". Utiliza-se tal
artifício vocabular para indicar o que seria uma
ausência de fundamentação legítima. Acontece que
a POLÍTICA trata da sociedade, de suas relações
com o Poder e com o Estado, bem como dos
direitos, de garantias e deveres dos cidadãos,
no seu contexto histórico-legal e
sócio-econômico. Males e benefícios, quase todas
as conquistas sociais, em sua aplicação na vida
de qualquer pessoa, envolvem aspectos e
consequências políticas.
Bertolt Brech lembrou a responsabilidade de cada
um de nós, denunciando a omissão: "O pior
analfabeto é o analfabeto político. Ele não
ouve, não fala nem participa dos acontecimentos
políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o
preço do feijão, do peixe, da farinha, do
aluguel, do sapato e do remédio dependem das
decisões políticas. O analfabeto político (...)
se orgulha e estufa o peito, dizendo que odeia a
política. Não sabe (...) que, da sua ignorância
política nasce a prostituta, o menor abandonado,
o assaltante e o pior de todos os bandidos, que
é o político vigarista, pilantra, o corrupto e
lacaio das empresas nacionais e internacionais."
De forma proposital ou não, os que se declaram
viver com atitudes "não-políticas" estão
reconhecendo a própria alienação, ignorando os
benefícios advindos à sociedade pela atuação de
movimentos políticos como a Renascença, a
Revolução Americana, a Revolução Francesa e
muitos outros que a História registra.
Voltando a citar Brechet: "A verdade é filha do
Tempo", não deveríamos admitir o esquecimento
das ações políticas de líderes como Simon
Bolívar, Tiradentes e os Inconfidentes de Vila
Rica, Frei Caneca, Evaristo da Veiga e tantos
outros exemplos memoráveis de "interferência" no
status quo. As campanhas de abolição da
escravatura, do sufrágio universal e contra o
"apartheid" sul-africano foram, todas,
políticas.
O Cristianismo também, ainda que seja uma
transformação espiritual, continua atuando, por
meio de suas lideranças clérigas e leigas, em
dimensões político-sociais, denunciando
situações e práticas de desrespeito à pessoa
humana, exigindo mudanças em governos e
legislações, visando à correção de
injustiças, conclamando adeptos a trabalharem em
prol dos irmãos carentes e das comunidades menos
favorecidas ou negligenciadas.
Não sejamos alienados. Demonstremos nossa
conscientização, engajemo-nos na promoção do bem
comum, missão em conformidade com o mais
autêntico significado desta palavra de nobreza
histórica: POLÍTICA.
Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília - DF, junho de 1991
A EXCURSÃO DAS PERGUNTAS
As jovens formavam um grupo de amigas bem
unidas. Resolveram organizar uma viagem
interessante para as férias. Em suas maletas
para a excursão, todas se dispuseram a colocar
os instrumentos necessários: curiosidade,
entusiasmo e paciência. Animadas, inspiradas
pelos sonhos de aventura, partiram à procura de
respostas. Em seus planos, esperavam também
encontrar gente sábia para lhes ensinar mais
conhecimentos.
Quando retornaram à cidade, trazendo excesso de
bagagem, continuavam inspiradas na busca do
saber. Todavia, os Acomodados que as conheciam
estranharam, surpresos, que tivessem regressado
com poucas respostas e o dobro dos
questionamentos.
Os decepcionados com o resultado aparentemente
insatisfatório da viagem de estudos não
compreendiam o entusiasmo das Perguntas sobre o
aprendizado da excursão.
As Perguntas não se perturbaram, porém. Afinal,
elas aprenderam que tanto as dúvidas como as
perguntas inspiram e conduzem aos campos de
pesquisa, onde algumas respostas poderão um dia
ser encontradas.
Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília - DF, 02 de novembro de 2016
UM DIVISOR DE ÁGUAS EM MINHA VIDA
Não foi apenas encantamento o que senti ao
assistir tantas vezes, no cinema, ao filme
"Imensidão Azul", de Luc Besson.
"Imensidão Azul" (Le grand bleu/The Big Blue –
França,1988) representou um divisor de águas em
minha vida!
Aprendi a me aceitar, a conviver comigo 24
horas, sem deixar que as rejeições, as maldades
e as indiferenças encontradas no mundo me
impedissem de me apreciar e viver tudo que sou
como pessoa, missão, vocação e potencialidade.
Continuei convivendo. No entanto, deixei de
esperar aceitação, de aguardar retorno e até de
tentar mudar a frieza, alienação e indiferença
de alguns. Passei a gostar de mim, a me
valorizar.
A abertura para o meu próximo continuou a
existir, de minha parte, porque tal
disponibilidade para os outros é um dos
componentes fundamentais de minha personalidade
social.
Vivo como sou. Não mudei o que sou. A grande
mudança foi eu me sentir viva sem depender dos
sentimentos do próximo a meu respeito. Passei a
ser feliz em contemplar meu íntimo, para crescer
e aprender, a ter orgulho de ser independente
interiormente, capaz de atender às minhas
necessidades como ser humano individual,
responsável por meu crescimento pessoal,
profissional e cultural.
Percebi, então, o significado positivo da
solidão: o tempo que ganhamos para ser,
refletir, apreciar, elaborar decisões, planejar
atitudes. Antes, eu perdia muito tempo me
esforçando demais em prol dos que nem mesmo
precisavam de mim... Para que tanto esforço
inútil? Compreendi que eu precisava bem mais de
atenção e carinho interiores. E passei a não
mais me negligenciar!
Do mergulho nas imagens, nos sons e na história
de "Imensidão Azul", consegui reverter a
profunda tristeza que ameaçava me afogar. Emergi
inteira, disposta a não repetir erros,
amadurecida, revigorada, e ainda mais fiel ao
que sempre fui, no que tenho de melhor em mim.
Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília-DF, 10 de abril de 2008
O SONHO DE REFÚGIO
(miniconto)
A Sra. Palavra viajou durante alguns anos,
constantemente emigrando em razão da abundância
de ruídos padronizados, grupos violentos e
políticas silenciosas - mas ditatoriais - dos
comitês onipresentes de oposição ao diálogo.
Vendeu por vinténs seus parcos recursos. A peso
de ouro, pagou sua aventura homérica sem destino
certo. Passou por sofrimentos inimagináveis que
o pudor ainda a impede de relatar. Quase sem
voz, pensa que, afinal, parece ter chegado a um
porto tranquilo, bem distante do circo de
horrores que a expulsara de onde antes residia -
o lar de raízes fortes, enriquecido por
tradições, herança linguística, nomes e rostos
habituais.
Exausta, disfarçou a impaciência. A espera foi
longa, no entanto, não recebeu o acolhimento
sonhado... Embora tudo parecesse bem organizado,
em lugares vazios ou lotados, nem era notada.
Conseguiu depois embarcar em trens abarrotados
de pessoas a seu redor e lado a lado, onde
barulho não faltava. Escalas e desembarques se
sucederam, sempre tangida como rebanho sem
pastor, prejudicada pela ausência de documentos
pessoais para se apresentar. Quando a Sra.
Palavra tentava falar, não a compreendiam.
Os interlocutores - repetitivos, lacônicos! -
exigem o preenchimento de formulários extensos,
confusos para a Sra. Palavra responder,
preocupantes - sem o incentivo tácito de uma
atitude de acolhimento, sem a simpatia de um
sorriso.
Ela continua exausta, assombrada pela percepção
da qual não consegue se livrar: sente-se
desgarrada, como se fosse um hieróglifo à espera
de intérprete com sabedoria para decifrá-lo. Não
consegue esclarecer a si mesma o porquê de não
ser uma pessoa bem-vinda ao refúgio sonhado.
Perturbada, conclui: encontrar abrigo, neste
mundo de solidão barulhenta, em ambientes
desprovidos de empatia, sem condições para se
iniciar um diálogo, lhe parece agora uma utopia.
Ninguém a ouve terminar uma resposta, explanar o
pensamento, nem lhe prestam qualquer atenção.
Como lidar com indivíduos posando de poderosos,
de ouvidos fechados, olhos sem visão, exibindo
um ar de suposta superioridade e demonstrando um
coração empedernido também adormecido?
A Sra. Palavra se cala. Apavorada e talvez por
esgotamento físico-emocional, a Sra. Palavra vai
empalidecendo, desfalece...
Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília - DF, 16 de fevereiro de 2016
O EDUCADOR E SEU PRÓXIMO
O tempo, a atenção e o espaço que dedicamos aos
outros enriquecem a nossa existência.
A experiência humana de olhar, ver e sentir com
intensidade amplia-se e se aprofunda quando nos
valemos das experiências igualmente ricas de
outras pessoas, que expressam a sua vivência de
modo particular e nos comunicam o que
aprenderam, contribuindo, assim, para a nossa
educação como indivíduos inseridos num contexto
social.
A arte, além de ser criação por excelência,
também é, fundamentalmente, CRIADORA... e, sendo
criadora, EDUCA: eleva, liberta, faz crescer,
sublima.
O educador estabelece a comunicação e conduz à
criação. Os olhos do educador vêem muito além
das aparências: o educador vê e pressente o que
os outros não parecem enxergar, perceber... ou
fingem ignorar.
O educador apóia antes dos aplausos da multidão:
quem exerce a missão de educar não inveja,
disciplina, critica de forma generosa e numa
perspectiva do crescimento possível; faz
sugestões, bate palmas com entusiasmo, admira no
íntimo, e também, externamente.
O educador é aquele que vê, nos outros, as
potencialidades de cada um e, ao invés de
ignorá-las ou negligenciá-las por inveja ou
comodismo, se empenha para não deixar que morram
no silêncio: procura ajudar... para que as
qualidades se transformem em realizações.
Para quem educa, todo amanhecer é um caminhar em
direção à beleza arrebatadora (e inquietante) do
pôr-do-sol.
E o educador repete, sem jamais se fatigar ou
desistir: o que temos pertence aos outros - daí
o dever de partilharmos... Com exclusividade, só
nos pertence o que ainda não conquistamos. Cabe
a nós a visão do trabalho associada aos sonhos e
ideais.
O esforço é de cada um, mas a vitória ilumina
todos nós, irmãos e parceiros, na caminhada pela
vida.
Theresa Catharina de Góes Campos
Programa "Educar é crescer" - produção e redação
de Theresa Catharina de Góes Campos
Rádio Universitária, da Universidade Federal de
Pernambuco
Recife - PE, 1969
EM UMA ARANDELA, A ESTRELA REFUGIADA
(miniconto em verso e prosa)
Já no entardecer, ao titubear,
no gaguejar das penumbras
a sombra claudicante revela
os mistérios de uma arandela.
Trazida por mãos amigas, a peça antiga, em
madeira, encontrada na simplicidade
enriquecedora de um vilarejo que se esconde nas
dobras do tempo, no interior de Minas Gerais.
Todavia, a roca de fiar poderia vir de qualquer
outro lugar, de outros endereços, sem nome de
rua ou número de casa. Já foi popular. Uma
presença comum, obrigatória, nos lares e nas
fazendas de outrora.
Trêmula, uma arandela ilumina, na varanda, a
roca de fiar.
Exibindo arabescos na estrutura metálica, esses
recortes nas laterais da arandela revelam
segredos, entrevistos nas aberturas dos
desenhos...
Sofrendo de ansiedade, uma diminuta estrela se
refugiou na arandela, ainda em pânico, depois
que, surpreendida por uma experiência de
explosão nuclear, ficou aterrorizada.Testemunha
relutante, com medo de relatar, buscando
esquecer o que viu. Hesita em depor sobre o que
não consegue compreender.
Na varanda, a roca de fiar - iluminada
por uma pequena estrela atormentada -
foi colocada em posição privilegiada.
À sua frente, o que se vê faz bem aos olhos.
Acredito que também pode trazer a cura emocional
a quem escolheu continuar a brilhar, mesmo
escondida.
No meu jardim terapêutico, imaginário, mas nem
por isso menos verdadeiro, há um canteiro só de
livros (os favoritos, os mais queridos, com
anotações manuscritas e trechos sublinhados), ao
lado de outro canteiro, exclusivo para cartas e
bilhetes que considero importantes demais para
serem jogados fora. Na estufa, estão protegidas
as sementes dos projetos sonhados.
Em mais um outro recanto, ficam as fotos,
trazendo as memórias do tempo veloz e fugidio.
Nessas fotografias, as recordações visuais,
evocadoras de instantes e rotinas, recuperadas
pelo nosso olhar de carinho e saudade, fazendo
voltar, para uma visita cordial, um "chá das
cinco", os anos que se foram e, na realidade,
não retornam mais . Depositários de sua herança,
um tesouro impossível de contabilizar, somos
herdeiros das lições de vida que nos deixaram.
Mais adiante, vivem as flores, em áreas
separadas por espécie, cores e tamanhos; junto a
uma incubadora espaçosa de lagartas, à espera do
tempo certo para a metamorfose em borboletas.
Para acompanhar o voo dos anjos, as borboletas
abrirão as asas em voos coloridos.
Tudo parece organizado, no entanto, os vagalumes
ignoram os limites dos canteiros, as restrições
da estufa, exercendo a liberdade de
movimentação, na espontaneidade da alegria com
que percorrem o terreno.
Na contemplação da saudade,
sinto a bênção do vento em ação,
a espalhar o perfume das rosas.
Não consigo impedir, porém,
que o dinamismo da ventania
fragilize ainda mais, com vigor,
todas as flores ali cultivadas.
No ostracismo a que ficou relegada,
permanece em repouso a roca de fiar,
esquecida, a evocar outras épocas.
Uma imagem de ausências. De muitas arandelas.
Sem estrelas refugiadas recebendo abrigo e
proteção. Despertando, no entardecer do dia e
nas alvoradas, o nosso respeito por uma luz que,
em seu recolhimento,
nos ajuda a vencer as sombras para caminhar.
Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília - DF, 13 de fevereiro de 2014
VIAGENS SENTIMENTAIS
Amizade e amor...ambos os sentimentos exigem
muito de nós. Não ser correspondido, nos dois
casos, pode se mostrar devastador. Por isso é
preciso encontrarmos uma fórmula pessoal para,
nessas situações de não correspondência de
sentimentos tão importantes, não sermos magoados
num grau de profundidade que nos torne
indivíduos irrecuperáveis, empedernidos,
empobrecidos emocionalmente para a vida.
Amar é uma viagem sempre arriscada, plena de
percalços e tempestades. Decidir empreendê-la ,
de forma consciente, deveria significar agir com
responsabilidade. Somente os mais fortes assumem
tal decisão corajosa. Como se atravessássemos as
areia de um deserto, percorrendo estepes ou
enfrentando ondas gigantes de um oceano em
fúria, essas experiências de vida exigem o
melhor de nós.
São todas peregrinações íntimas, sem bagagem nem
provisões. Expedições de inumeráveis riscos, mas
desses roteiros sobre os quais não podemos
prever todos os acontecimentos, talvez
regressemos vitoriosos.
Não precisaremos dar a volta ao mundo...bastará
um pouco de tempo no espaço reduzido de um
coração que escolhermos conhecer, para que nos
sintamos vencedores...simplesmente por
escutarmos confidências sussurradas. Não será
necessário viajarmos à lua ou a planetas e
galáxias distantes. Terá sido suficiente
aceitarmos ouvir o pulsar do silêncio nos
impulsos e vibrações do espírito.
Quem sabe estaremos atentos ao raio verde, já
experientes em admirar uma aurora boreal. Com
tranquilidade, observaremos as estrelas
cadentes, na chuva de meteoros, enquanto
aguardamos eclipses e a passagem anunciada de um
cometa.
Essas viagens sentimentais não requerem
passaportes..., nem pressa, ainda que urgentes,
só dependem de nossa disposição amadurecida para
o relacionar-se e conviver como seres humanos.
Theresa Catharina de Góes Campos
São Paulo-SP, 11 de fevereiro de 2012
AS PRISÕES NOSSAS DE CADA DIA
Quando assistimos aos noticiários, lemos jornais
e revistas e vemos documentários
cinematográficos (como o filme "Justiça") sobre
as prisões brasileiras, logo nos sentimos
horrorizados com a visão de seres humanos
amontoados, atrás de barras e com o olhar
perdido, desanimado, em meio a sujeira e
promiscuidade.
Essas prisões são um problema urgente que a
sociedade, como um todo, precisa resolver, em
nome da solidariedade e da justiça.
Mas há outras prisões que devem ser examinadas -
também sem demora! Estamos nelas encerrados, sem
que nos apercebamos disso! O mundo que nos cerca
- com o nosso assentimento ou a nossa omissão -
ali nos colocou.
Sobrevivemos em meio aos ditames da moda, a
determinar o que vestimos, a dizer qual seria
nosso peso ideal, como deve ser nossa aparência
e até os lugares que iremos freqüentar... Outros
escolhem as cores de nossos sapatos, informam os
conceitos de beleza.
Passamos a nos preocupar em fazer o impossível:
deter o tempo, em busca da juventude perdida,
numa volta ao passado que nos rouba o presente e
nos torna cegos para a realidade futura.
Perseguindo sem trégua os bens materiais,
perdemos o tesouro maior: sensibilidade, amor,
amizade, convivência ética, o trabalho realizado
com satisfação, a paz interior. A ambição pelo
dinheiro nos enfeitiça de tal modo que a ele
sacrificamos o que vale muito mais: o tempo para
ser, os momentos de amor, o processo de
crescimento como pessoas.
Analisamos as instituições bancárias,
entretanto, deixamos de refletir sobre a nossa
vida e os nossos atos. A superficialidade não
nos incomoda. Não sabemos quem somos, não nos
conhecemos... Não entendemos nossos
relacionamentos familiares - ou será que temos
família?
Como bem denunciou o diretor de teatro Elias
Andreato:
"Para o homem comum, olhar para dentro de si
mesmo às vezes é uma tarefa quase impossível e
tão complexa como observar a imensidão do cosmo.
Nem sempre temos disponibilidade, interesse,
sensibilidade e, por que não dizer, aprendizado
suficiente para exercer este mecanismo que a
psicanálise percorre com maestria."
Ficamos presos ao telefone celular, ignorando as
regras de cortesia, perturbando os que nos
cercam, prejudicando, inclusive, o silêncio das
igrejas e dos hospitais. Usamos o aparelhinho
como se estivéssemos isolados, num deserto, a
necessitar de socorro. O celular nos domina,
controla a nossa conversa.
Algemados a nossos preconceitos, asfixiados por
sentimentos de raiva, ódio, inveja e orgulho,
sufocados por emoções que não ousamos confessar
ou partilhar, vamos conduzindo mal a nossa vida.
Nossos bens são motivos de exibição - não os
adquirimos por necessidade, mas para
mostrá-los...
São as prisões nossas de cada dia, das quais nós
temos as chaves para que os portões se abram e
nos devolvam à vida!
Que Deus nos conceda a força espiritual para
iniciarmos o nosso processo de libertação - Ele
nos criou para sermos livres. Não nos esqueçamos
de que Jesus padeceu e morreu na cruz para nos
salvar.
Essas prisões nossas de cada dia, que nos
transformam em objetos aprisionados, verdadeiros
"sepulcros caiados de branco", precisam ser
destruídas por nós.
E cantaremos, no íntimo de nosso coração, com
autêntica alegria cristã: Aleluia, aleluia!
Theresa Catharina de Góes Campos
MEU PAI, O AVIÃO E OS ANJOS
Meu pai gostava de contar histórias engraçadas
quando estava com os amigos e colegas,
demonstrando, com palavras espirituosas e riso
fácil, como ele apreciava fazer brincadeiras, em
diversas situações. Muitos desses casos eram
relatos fiéis de episódios e acontecimentos
reais. Na infância, já adolescente ou como
adulto, não perdia uma ocasião de pregar uma
peça inocente, uma armadilha qualquer... Até um
comentário jocoso sobre alguém e suas reações
inesperadas, uma conclusão humorística, ou
mesmo, um pensamento similar à moral das
fábulas. Não esquecia uma travessura cometida
ainda na infância, durante a Missa dominical em
Caruaru, quando prendeu, com alfinetes de
segurança, as saias amplas e rodadas, umas às
outras, de várias senhoras, que repetiam,
entretidas e contritas, em voz alta, as orações
litúrgicas.
Em algumas ocasiões, lembrava circunstâncias
difíceis, ainda que rotineiras, nos vôos do CAN,
o Correio Aéreo Nacional, para atender às
populações mais carentes, em tantos rincões
brasileiros, ou nos desafios para realizar com
eficiência os trabalhos de fotogrametria, ou
especialmente, nas missões de busca e
salvamento, quando o resgate exigia controle e
sangue frio, paciência e habilidade
excepcionais.
Não faltavam, também, as experiências na
Patrulha do Atlântico, quando serviu em Natal
(RN), durante a Segunda Guerra Mundial. E as
lembranças internacionais, nos muitos vôos do
Correio Suez, uma operação de apoio regular ao
contingente brasileiro em missão de paz da ONU,
com escalas em Lisboa, Roma e na capital
egípcia, Cairo.
Nas viagens com os aviões B-17 e B-25 em que iam
aos EUA para revisão e substituição de algumas
peças, os pilotos americanos comentavam,
surpresos e manifestando admiração, ao verem
esses bombardeiros ainda sendo utilizados,
graças à competência daqueles pilotos da FAB:
"Aqui, esses aviões são peças de exibição nos
museus..."
Sobre acidentes com desfecho trágico, falava
pouco, mas sempre, bastante comovido. Sobre a
perda de vidas, ele parecia incapaz de
comentar...dizia o mínimo...e se refugiava no
silêncio. A morte lhe parecia, com certeza, uma
realidade para silenciar. Posteriormente, à
medida que o tempo passava, manifestava, com
referências breves, a saudade do colega de
profissão, ou do amigo que se fora, relembrando
um fato, destacando uma característica pessoal.
Em minutos, logo silenciava, como se não
conseguisse mais continuar...começava outro
assunto.
Meus irmãos e eu, desde crianças, fomos
instruídos por nossa mãe a não falar de temas
trágicos, nem dizer a palavra "bruxa" lá em
casa, porque significava "morte", na linguagem
metafórica dos aviadores. Deveríamos escolher
outro antônimo para "fada" ou feiticeira do bem,
porque, conforme explicava, "seu pai não gosta,
se sente mal."
Mamãe contava sobre como os dois se conheceram:
no Rio de Janeiro, na Missa das 9 horas, num
domingo. Ela costumava ir acompanhada de uma
jovem empregada. Ele, com as irmãs...na verdade,
eram suas primas, porque, ao ficar órfão de mãe
aos cinco anos, quando a tia-madrinha se casou,
ela e o marido o levaram consigo, para educá-lo
na família que estavam iniciando. Aos dois, a
quem também iríamos chamar de "avós", meu pai
deveu a educação do seu caráter bem formado: os
valores e a disciplina como rotina de sua
existência, o uso responsável do dinheiro, o
cumprimento da palavra empenhada.
Para mamãe e papai, a fé religiosa se mostrou
vigorosa, praticada de forma habitual, em todos
os momentos, nos sete dias da semana. Suas
atitudes, seus gestos e diálogos, revelavam
sentimentos sinceros sobre o amor a Deus, a
devoção a Nossa Senhora, aos Anjos e Santos.
Um dia, como eu costumava prestar atenção às
conversas descontraídas, plenas de humor que meu
pai liderava, como um maestro conduzindo o tom
dos diálogos, acontecessem em nossa casa ou nas
reuniões sociais em outros lugares, me comovi ao
saber que, pilotando um avião de grande porte e
fazendo uma linha do Correio Aéreo Nacional,
houve um incidente grave durante a aterrissagem,
por conseguinte, nos instantes e na fase do vôo
que aprendi serem os mais perigosos.
Expressando a maior naturalidade, ele recordou
que, naquela aeronave com carga total, ao pousar
na pista um tanto precária, um dos enormes pneus
estourou. Papai sentiu muita dificuldade para
controlar o avião, com tanto peso, já
experimentando uma sensação de impotência como
piloto, quando um segundo pneu estourou. Por
segundos, pensou ter uma missão
impossível...quando, para sua surpresa, sentiu
uma força superior a ele, sustentando, mantendo
o equilíbrio de toda a aeronave...Nesse ponto,
papai finalizou com simplicidade: "- Se foi
Deus, ou foram os Anjos, não sei ao certo. Mas
não fui eu que dominei e controlei aquele avião
com dois pneus furados! Quando todos
desembarcaram, fui olhar... e achei difícil de
acreditar no que meus olhos viam: ao examinar
cada pneu, encontrei somente alguns poucos,
pequenos pedaços de borracha. Não pudemos
continuar viagem; restou-nos esperar, sem opção,
a chegada de outro vôo, com os pneus
substitutos."
Após um momento de silêncio, numa aceitação
tácita do relato pelo grupo de ouvintes, pois
pareciam atentos e, se não interpretavam da
mesma forma que meu pai, escolheram a ele não
retrucar...a conversa continuou, os diálogos se
sucederam, provavelmente tão convencionais como
de hábito, por isso nada mais registrei na minha
memória.
Mas foi com aquele episódio que fortaleci a
minha crença nos Anjos. Porque compreendi,
também, quão profundamente o meu pai, à sua
maneira, conduzia sua vida com fé em Deus...e
realmente acreditava nos Anjos e Santos. Assim
comecei a crer com maior intensidade nos
milagres, como fatos extraordinários que não
podem ser explicados por critérios e realidades
humanas, e sim, como acontecimentos unicamente
explicáveis pela intervenção divina, sendo os
Anjos os Seus mensageiros. Quando tudo parece
perdido, eles vêm em nosso auxílio...acontecendo
os milagres, por incumbência de Deus!
Com aquela narrativa de papai, compreendi, de
uma vez por todas, numa atitude espiritual de
crença definitiva, que eu tinha a meu lado -
sempre -, assim como todas as pessoas, o meu
Anjo da Guarda... invisível e silencioso apenas
em termos humanos e concretos, porque vivo e
atuante, como divino mensageiro capaz de
realizar proezas e façanhas para me defender e
salvar.
Theresa Catharina de Góes Campos
São Paulo, 7 de julho de 2010
NOTAS:
Demorei a escrever sobre o assunto principal
desse texto porque fomos educados por Mamãe e
Papai a respeitarmos as conversas dos adultos,
orientados a não ouvir o que não deveríamos, nem
participarmos desses diálogos, a não ser que um
adulto nos chamasse ou nos fizesse uma
indagação. Penso que ambos não gostariam de
saber sobre esse meu ato de desobediência...e
com a agravante de relatar a outros, divulgando
sem autorização, o que poderiam questionar,
talvez até me convencendo a duvidar de minha
memória. Tenho convicção, arraigada no íntimo,
de que reproduzi com fidelidade aos fatos e às
palavras, porque cultivei tais lembranças,
conservando todas como preciosas recordações,
autêntico tesouro de nossa vida familiar.
Mas talvez a maior razão para não registrar esse
acontecimento de profunda dimensão espiritual,
antes da morte de Papai (2000) e Mamãe (2008),
tenha sido meu temor de receber um eventual
pedido, de um deles ou de ambos, motivados por
um sentimento educado de pudor, para eu não
fazer esse relato íntimo sobre meu pai, uma
declaração de sua fé, que considero tão
comovente e simples quanto verdadeira.
Theresa Catharina
P.S.
Anos depois, li com muito encantamento,
confirmando e reforçando minha profunda fé, o
livro do pastor evangélico Billy Graham,
intitulado "Anjos: Agentes Secretos de Deus",
que vendeu mais de um milhão de exemplares nos
EUA.
A obra narra as experiências do famoso pregador,
com os seres celestiais. Convencido de que nos
momentos de grande necessidade foi auxiliado
pelos anjos, afirma: A falange invisível de Deus
está mais bem organizada do que qualquer
exército humano, ou de seres malignos. Os anjos
pensam, sentem, têm vontade e manifestam
emoções. Eles são agentes divinos que podem agir
com formas visíveis ou invisíveis, de acordo com
a vontade do nosso Criador. Os anjos guiam,
confortam e ajudam os filhos de Deus diante do
sofrimento e das lutas terrenas.
Editora: Record
Autor: BILLY GRAHAM
ISBN: 8501011231
Origem: Nacional
Ano: s.d.
Edição: 1
Número de páginas: 135
Uma leitura sobre acontecimentos
extraordinários, que vai ampliar nossa visão
para a realidade deste mundo... porque abrirá os
olhos de nossa alma, sob a perspectiva da
espiritualidade, uma força que não deve ser
ignorada.
Theresa Catharina
São Paulo, 28 de julho de 2010 |