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ESPIÕES QUE VIVERAM 7 ANOS SUBORDINADOS AOS
MILITARES PODEM CONTAR SUA HISTÓRIA
* Marco Nerosky
Vivemos um momento delicado em nosso país, em
que a figura dos militares fomenta grandes
polêmicas.
Por um lado, há grupos que até defendem uma
intervenção militar no Governo Federal, clamando
por uma ação rápida e enérgica em meio a tantas
denúncias de corrupção, cansados da sofrida e
previsível morosidade da justiça e da resolução
democrática de nossas mazelas. Por outro lado,
existem muitos grupos de opinião diametralmente
oposta àquelas, que se arrepiam só de ouvir
falar em militares, que morrem de medo do
Bolsonaro e tecem inúmeras críticas ao período
de governo dos militares. Pra esse segundo
grupo, militar não deveria nem se aproximar de
política, muito menos se candidatar em eleições
democráticas, já que as ideias dos militares são
meio suspeitas, seus métodos são misteriosos,
suas atitudes nebulosas, e suas intenções um
tanto quanto imprevisíveis, segundo sua visão.
Além disso, consideram os militares passíveis de
algum tipo de tendência autoritaritária ou
“extremista”, o que poderia constituir um risco
à nossa democracia.
Nesse contexto, seria muito útil se tivéssemos
uma espécie de “espião”, que fosse muito atento,
curioso e observador, mas ao mesmo tempo
pequeno, discreto, aparentemente inofensivo e
que pudesse viver com esses militares sem que
eles se incomodassem. Ah, se esse pequeno e
discreto ser pudesse conviver disfarçado com
eles por vários anos, observando suas conversas,
fingindo ser um deles, explorando seus
pensamentos, ouvindo suas reais ideias e
pudesse, ainda assim, voltar ileso e consciente,
com tudo impresso em sua memória pra nos contar
exatamente o que passa pela cabeça deles! Seria
muito bom mesmo! Se esse “espião” existisse, sua
opinião teria que ser ouvida pela sociedade, já
que essa experiência seria extremamente embasada
e muito rica em informações e detalhes, que
poderiam nos mostrar de uma vez por todas como
esses tais militares realmente são!
Pois esse “espião” existe. Na verdade, a cada
ano, cerca de 3.000 novos “espiões” concluem sua
missão e voltam pra sociedade civil para dar
seus testemunhos. Mas esse grupo de “espiões”
que chegam a viver até 7 anos de suas vidas
subordinados ao Exército Brasileiro, pouco foi
ouvido para opinar sobre os militares. Trata-se
do grupo de ex-alunos dos Colégios Militares do
Brasil.
O atual Sistema Colégio Militar do Brasil é
formado por 13 Colégios Militares (CMs), que
oferecem ensinos fundamental e médio. Esses
estabelecimentos de ensino estão localizados em
vários Estados do Brasil e propiciam educação
gratuita a aproximadamente 15 mil jovens de
ambos os sexos, mediante processo seletivo.
Ué, mas tem gente que concorre pra se submeter
aos militares? Sim, e tem muita gente! Todo ano,
concorrem, em média, 22 mil candidatos! Isso
contabilizando apenas os CMs vinculados ao
Exército. Atualmente, já existem Colégios
Militares vinculados à Polícia Militar e ao
Corpo de Bombeiros também. Seriam eles loucos? E
pro aluno, vale a pena estudar em um CM? E as
práticas didático-pedagógicas nos CMs, elas
obedecem à Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional? Claro que sim, mas também estão
subordinadas às normas e prescrições do
Exército. Então, lá os alunos tem que usar
farda, marchar, prestar continência, entrar em
forma, passar por testes físicos? Sim, tudo isso
e mais um pouco: tem que cuidar bem da farda,
não é possível usar celulares na sala de aula,
cobra-se que os sapatos estejam engraxados
diariamente, que a fivela do cinto esteja sempre
brilhante, que o cabelo esteja com o corte
adequado (no caso dos homens) ou com penteado
padronizado (no caso das mulheres). Além disso,
é necessário ser pontual e aprender sobre os
nossos hinos, sobre a bandeira nacional, sobre
hierarquia, disciplina, respeito e várias outras
coisas que os jovens costumam achar um saco, mas
que os fazem muito bem a longo prazo.
Não é à toa que a procura é tão grande e a
concorrência para entrar cada vez maior. O
ensino é de altíssima qualidade, o resultado nas
avaliações anuais é acima da média e a maioria
dos formandos ingressa em umiversidades públicas
após a conclusão do ensino médio. Animados com
essa performance surpreendente, alguns estados,
como Goiás, já repassaram algumas escolas
públicas para a administração de militares e
estão bastante satisfeitos com os resultados.
Outros governos, como o de Santa Catarina,
desejam seguir esse mesmo caminho.
Eu fui um desses espiões. E te garanto que foi
uma das melhores decisões e experiências da
minha vida. Fui da turma que se formou em 1993
no Colégio Militar de Brasília. Era tão rigoroso
mesmo quanto todo mundo imagina? Eu diria que
não. Fazíamos nossas bagunças, como toda criança
e adolescente faz. Talvez a maior diferença
fosse a certeza da punição, sentimento
infelizmente raro no Brasil da atualidade.
Poderíamos até fazer algo errado, mas, ao
começar, já sabíamos que estávamos errados,
porque as regras são bem claras. E já sabíamos
que, se fôssemos pegos no erro, haveria uma
punição. Aprendemos com isso a assumir
responsabilidade por nossas ações.
A carga horária era um pouco maior do que a dos
demais colégios. O portão de entrada era fechado
às 6:40 e as aulas se extendiam até 12:50. Era
puxado sim, mas nos adaptávamos rapidamente.
Valia a pena, porque a qualidade do ensino era o
grande diferencial. Lembro de termos a maioria
das provas discursiva, enquanto os amigos de
outras escolas tinham muitas provas de múltipla
escolha. A escrita era muito estimulada, mesmo
quando a disciplina não era a Língua Portuguesa.
Além dessa ênfase na redação e na Língua
Portuguesa, disciplinas como Geografia, História
e todas exatas eram muito valorizadas. Tínhamos,
ainda, algumas aulas que não eram oferecidas pra
alunos do mesmo ano de outras escolas, como EMC
(Educação Moral e Cívica), Desenho Geométrico,
OSPB (Organização Social e Política do Brasil) e
até Datilografia (sim, eu sou dessa época e tive
aula disso). Os professores mantinham dedicação
exclusiva ao CMB e eram realmente referências em
suas áreas de atuação.
Até hoje, eu e vários outros ex-alunos do
Colégio Militar de Brasília mantemos a
convivência. Os laços de amizade formados no CMB
se mantêm inabalados até hoje. Formamos um grupo
bastante heterogêneo e estamos em todas as
regiões do Brasil. Nesse grupo, é possível
encontrar engenheiros, advogados, arquitetos,
administradores, dentistas, médicos, contadores,
militares, professores, empresários,
economistas, dentre várias outras profissões.
Temos dois sentimentos comuns que nos unem: a
amizade formada no CMB e o amor incondicional
pelo Brasil.
Sabemos da importância da nossa contribuição pra
sociedade de uma forma menos teórica e temos
realizado esse trabalho por meio do CMB
Solidário, uma iniciativa dos ex-alunos do CMB,
que realiza ações de assistência financeira e
social, educação e prestação de serviços
gratuitamente à sociedade, a partir da doações,
que podem ser de tempo, dinheiro ou de algum
serviço especializado. Já ajudamos várias
instituições e pretendemos crescer e ajudar
ainda mais, assim que mais ex-alunos forem
tomando conhecimento e fazendo parte dessa
iniciativa. Entendemos que fomos beneficiados
pela sociedade que nos ofereceu um ensino
público de qualidade. Nada seria mais justo do
que devolvermos à sociedade um pouco do que
recebemos.
Mas e os militares, afinal, como são? Em
primeiro lugar, são pessoas comuns, como eu e
você. Mas são mais patriotas que o cidadão
médio, têm mais sentimento de orgulho e
pertinência pelo Brasil. Valorizam muito a
Amazônia, o Pantanal, nossa cultura, nossa raiz
histórica e os símbolos nacionais, mas não como
uma obrigação infundada imposta pelo regimento.
Eles respeitam mesmo a hierarquia, o hino, a
bandeira, as armas e a República porque os
consideram símbolos dos valores que defendem e
do sentido de vida que escolheram. São
servidores com salários pré-definidos, cujas
expectativas de ascensão social se restringem às
promoções funcionais naturais da carreira. Seus
interesses pelo Brasil não são financeiros e
nada têm a ver com qualquer vantagem pessoal. No
mais, são pessoas simples, que conhecem bem o
Brasil, justamente pelo fato de sofrerem
diversas transferências ao longo de suas
carreiras. Eles verdadeiramente gostam do
Brasil, gostam de ser brasileiros e gostam dos
brasileiros.
Eu diria que os militares têm uma preocupação
quase paternal com os destinos do Brasil.
Parecem realmente se sentir pais responsáveis de
um filho adolescente, imaturo, desorientado e
inconsequente. Querem saber que rumo está
tomando, com quem está andando, quais valores
lhe estão sendo transmitidos e se, no final, vão
ficar bem quando eles não estiverem mais
presentes.
Findo essa reflexão te convidando para um
desafio: desconfie de mim e de tudo que eu
acabei de te contar. Ter um olhar crítico foi
umas das diversas virtudes que aprendemos no CM.
É fundamental questionar, duvidar, ouvir mais de
uma opinião. Por isso, te convido a conhecer um
desses “espiões”, um ex-aluno de CM. Quando
encontrar um ex-aluno, pergunte sua opinião
sobre o período em que estudou no CM. Indague
sobre o ensino, sobre a disciplina, sobre a vida
militar, sobre sua preparação para o vestibular.
Questione se a disciplina, a existência de
regras mais rígidas que o usual, a presença de
mais normas e procedimentos foram prejudiciais
ou benéficas em sua vida. Pergunte
especificamente sobre os militares: se eram
pessoas boas, bem intencionadas, trabalhadores
preocupados com o Brasil ou se eram seres
malvados, autoritários, mal intencionados e
cruéis com as crianças e adolescentes. Você não
tem ideia do quanto esses “espiões” tem pra te
contar sobre os militares. Espero que, depois
dessa conversa, sua visão sobre os militares
seja a mais fidedigna possível e você possa,
assim como os 3.000 formandos anuais dos CMs,
ser grato pelo trabalho incansável que eles
realizam e pelo amor sincero que eles possuem
pela nossa cultura e pelo nosso país.
* Marco Nerosky, ex-aluno da turma de 1993 do
Colégio Militar de Brasília (CMB). Atualmente é
médico cardiologista, voluntário do CMB
Solidário e escreve nas horas vagas. |
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