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De: Reynaldo Ferreira
Data: 28 de março de 2018 13:12
Assunto: Fwd: Portas abertas
Repassando:
Portas abertas, quase escancaradas
Aylê-Salassié F. Quintão
É difícil acreditar que um homem sozinho, quase
rude, possa atazanar tanto a vida de um país,
confundindo 200 milhões de cidadãos, milhares de
intelectuais e dezenas de juízes. Pois, com toda
essa sabedoria, esse povo não consegue
distinguir fantasias da realidade. Engole quase
religiosamente falas de um condenado à prisão
por corrupção, e que carrega nas costas a
responsabilidade de ter instalado o caos no
país, ao nivelar tudo e todos por baixo.
Como à dúvida metódica sobreviveu ao
“politicamente correto”, arrisquei: Trata-se de
uma luta inspirada na desobediência civil. Ao
observar com mais cuidado, encontrei uma
campanha política em curso a céu aberto,
desafiando as leis e tribunais, e, de lambuja,
sem mais o que fazer, aproveita-se da
oportunidade para arruaças em terra alheia. Tudo
isso financiado pelo Estado - salários e
privilégios de um ex-chefe de Estado.
Não são poucos os que acreditam tratar-se de
gente com distúrbios patológicos, conduzindo um
discurso irresponsável, leviano e narcisista, de
inspiração mítica confusa, segundo o qual...nem
Jesus foi tão honesto quanto..., ou ...como
governante, fui mais competente que Getúlio
Vargas, ou ainda... quando voltar ao Poder, nem
Deus será melhor...
De fato, figuras como essas não são impossíveis
de existir, principalmente depois que Lênin saiu
da Suíça para ir fazer a revolução na Rússia.
Hitler deixou a Áustria para assumir o poder na
Alemanha. E Fidel abandonou o exílio no México
para tomar Cuba. O que de fato teria acontecido
foi reescrito convenientemente pela história
oficial. Mas é intrigante. Meu amigo e
professor, jornalista Carlos Chagas, explicava,
com simplicidade, que, em geral, pessoas com
esse perfil entram pelas portas abertas. De
fato, o caso mais contemporâneo por aqui foi o
de Nícolas Maduro, reunindo-se no Paraná com os
sem terra – sem que ninguém o incomodasse.
É o resultado da tolerância e da flexibilidade
da democracia pequeno-burguesa, que se diz
revolucionária, quando na verdade é corporativa
e oportunista. Sem configuração clara, ela
facilita o esgarçamento dos limites
republicanos, escancarando portas para o
inusitado e para os intrusos. O silêncio
obsequioso da população e a cobertura espontânea
da mídia servem de salvo conduto. O certo é que
instalado nada mais resta, senão reverenciar o
invasor. A França de Vichy – ocupada pelos
alemães - , também chamada de governo da desonra
nacional é uma lição para não ser esquecida. O
preço pago pelos franceses foi muito alto.
Assim tem sido no Brasil, onde os cidadãos
concordam em pagar uma conta que, como um
câncer, nunca para de crescer, deixada por
aqueles eventuais que passaram ultimamente pelo
Poder. Os planejadores públicos que o digam. Os
responsáveis colocam-se antes como vítimas, e
não protagonistas. De alguma forma coniventes,
todos fazem vista grossa.
De maneira sofismática, desdenha-se da angústia
e do sofrimento da população. No exercício pleno
de prerrogativas e privilégios, 11 ministros
passam uma tarde de julgamentos, discutindo
preliminares, num estilo muito mais acadêmico
que de uma corte suprema, como se estivessem num
Olimpo. Uma encenação quase compartilhada,
restaurando com o réu em causa um velho
compadrio e o reconhecimento de uma dívida
funcional. Desqualifica-se assim a imagem da
magistratura, enfraquece-se a confiança no
Estado e nas instituições.
O debate indigesto sobre a aceitação ou não de
um simples habeas corpus, que assegura o
“direito de ir e vir”, reflete uma convicção mal
configurada sobre a democracia e uma liberdade
de interpretação que resvala para a libertinagem
jurídica. Por não entender o sentido das falas
dos magistrados, a população anômica aguarda
diante da televisão, torcendo como se estivesse
no campo de futebol. Tem placar final. Nas mesas
de bar não faltam apostas. Sem o pudor da corte,
o cinismo nivela todos por baixo, e se espalha
pelo país.
Mesmo sob uma falsa pendência judicial, é
surpreendente como alguém, de formação tão
rústica – acho que até ética - saia lá de um
lugar desconhecido e não sabido para ir
perturbar, na Campanha, a paz dos gaúchos,
conseguida, ao longo de lutas intestinas, desde
as dos charruas até desembocar na revolução
Farroupilha e nos embates federalistas.
Nesse momento, a mobilização das forças
populares, bandeira que se pretende
superveniente às instituições, não parece ter
qualquer sentido revolucionário. O objetivo
seria, primeiro, gerar pressão para livrar da
cadeia um condenado na Justiça; em segundo
lugar, aproveitar os temas que emergem de cada
impasse jurídico para dar impulso novo a uma
campanha eleitoral fora de época. Finalmente,
alimenta-se uma troupe de desempregados e
advogados, inclusive estrangeiros, que, feito
urubus, tiram a carne que resta dos ossos dos
brasileiros. Tudo isso não deixa de merecer uma
cuidadosa atenção.
Quando se descobriu que Antonio Conselheiro
pregava uma revolta popular, era tarde. Usaram a
força militar, e chegaram a perder várias
batalhas para aquela horda maltrapilha que
reagia, dizia-se, por instinto de sobrevivência.
Alguns, contudo, já não mais para se defender,
mas como guerreiros atacando fazendas e vilas,
supostamente, à busca de comida. Lá no fundo, a
inspiração vinha da luta contra o latifúndio,
como faz o MST. São fantasmas que rondam
acampamentos e caravanas na voz de messias,
figura que se pensava já extinta, e que, na
esteira dos sofrimentos, se coloca entre o
profano, o sacro e o secular, como um libertador
ou como um salvador ... da Pátria. Mas, o maior
perigo é mesmo esse povo anômico que
messianicamente ainda acredita em profetas e
profecias. |
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