O Instituto Não Aceito Corrupção e o Prefácio do
juiz federal Sérgio Moro para o livro “48 Visões
sobre a corrupção”
Instituto Não Aceito Corrupção
http://naoaceitocorrupcao.org.br/Com
prefácio escrito pelo juiz Sergio Moro, o livro
“48 Visões sobre a corrupção” foi lançado em
dezembro, abrindo a Semana de Combate à
Corrupção. É uma obra coletiva, com artigos
multidisciplinares que abordam o problema da
corrupção, propõem soluções, e discutem
experiências nacionais e internacionais.
http://naoaceitocorrupcao.org.br/livro/
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20 de setembro de 2017
48 Visões Sobre a Corrupção – Prefácio de
Sergio Moro
A exposição e a punição da corrupção pública
são uma honra para uma nação, não uma desgraça.
A vergonha reside na tolerância, não na
correção. Nenhuma cidade ou Estado, muito menos
a Nação, pode ser ofendida pela aplicação da
lei. […] Se nós falharmos em dar tudo o que
temos para expulsar a corrupção, nós não
poderemos escapar de nossa parcela de culpa.
(Theodore Roosevelt, Presidente dos Estados
Unidos, em discurso de 1903).
A corrupção é um tema universal e antigo.
Apesar disso, o tema alcançou especial
importância no contexto sócio-político
brasileiro nos anos recentes.
Embora escândalos de corrupção sejam
recorrentes na história brasileira, não foram
muitos os casos que deixaram as páginas dos
jornais para alcançarem os processos judiciais e
destes os que encontraram uma resposta judicial
efetiva.
O quadro parece ter se alterado nos últimos
anos, inciando com o julgamento da conhecida
Ação Penal 470, nos anos de 2012 e 2013, pelo
Supremo Tribunal Federal.
Na referida ação penal, envolvendo o assim
denominado Caso Mensalão, provado um grande
esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que
abrangia o pagamento de propinas periódicas a
parlamentares federais com o propósito de
angariar apoio político ao Governo Federal.
Foram condenados parlamentares federais,
ex-ministros de Estado, lideranças partidárias e
intermediários.
Em 2014, foram iniciadas as investigações e
ações judiciais da assim denominada Operação
Lavajato, com os primeiros julgados, em primeira
instância, sendo realizados ainda nesse mesmo
ano. As investigações prosseguem até o momento.
Tratando dos casos já julgados, revelado um
grande esquema criminoso que envolvia o
pagamento sistemático de propinas em contratos
da Petróleo Brasileiro S/A – Petrobrás, a
gigante estatal do setor de óleo e gás, a
executivos da Petrobrás e a agentes políticos,
novamente também a parlamentares federais e a
outras autoridades públicas que davam
sustentação política à permanência dos
executivos da Petrobrás em seus cargos. A
ilustrar a magnitude do esquema criminoso, a
própria Petrobrás culminou por reconhecer em seu
balanço de 2015 perdas com a corrupção de cerca
de seis bilhões de reais.
Desde então proliferaram diversas outras
investigações criminais sobre práticas corruptas
em várias outras entidades públicas, como as
atuantes no setor nuclear e elétrico.
Todos esses fatos perturbadores permitem
concluir que descoberto um quadro de corrupção
sistêmica.
A corrupção, como crime isolado, existe em
qualquer lugar do mundo, mas a corrupção
sistêmica, o pagamento de propina como regra do
jogo, não é assim tão comum, representando
severa degeneração dos costumes públicos e
privados.
Diante desses males, faz-se necessário
resgatar a virtude cívica característica do
regime democrático.
No século XXI, não existem mais alternativas
sérias à democracia. O remédio consiste em
aprimorar o regime democrático.
Como prevenir a degeneração da democracia em
esquemas de corrupção sistêmica nos quais
interesses especiais prevalecem sobre as
virtudes públicas e o bem comum?
Parte da solução passa pelo enfrentamento da
impunidade. A corrupção sistêmica tem diversas
causas, mas, certamente, a incapacidade do
sistema Judiciário em processar e julgar crimes
de corrupção, punindo os culpados quando provada
a sua responsabilidade, é um dos fatores que,
reduzindo os riscos da conduta desviante,
contribui para incentivar a sua prática.
Impunidade e corrupção sistêmica são irmãs.
Necessário e oportuno o enfoque criminal, com
discussão sobre os crimes e principalmente sobre
o processo. Existem leis que criminalizam
adequadamente a corrupção? Além de existirem
leis, o sistema processual funciona?
Mas a corrupção sistêmica não será superada
unicamente pelo enfoque criminal. Necessárias
reformas estruturais que reduzam as
oportunidades e os incentivos para a corrupção.
Isso envolve, por exemplo, reformas que
aprimorem os mecanismos de governança pública,
elevem o profissionalismo e a transparência da
Administração Pública e diminuam a influência
excessiva do dinheiro junto aos nossos
representantes eleitos.
Trata-se aqui de traçar regras claras que
dificultem a prática, tornando desnecessário o
recurso ao complicado enfoque criminal.
Ilustrativamente, razoável proibir doações
eleitorais de empresas que mantenham contrato
com o Poder Público, pois grande a tentação de
uma relação inapropriada, com doações sendo
efetuadas em contrapartida à atribuição de um
contrato. Estabelecida a regra, desnecessário,
se ela for cumprida, recorrer ao enfoque
criminal, no qual requer-se prova da intenção
corrupta, pois sequer se chega neste estágio.
De forma semelhante, se cargos e postos são
utilizados como moeda de troca em transações
políticas não exatamente republicanas, faz-se
necessário reduzir as posições de livre nomeação
e incrementar o acesso e a ascensão a elas por
critérios de mérito na Administração Pública.
Necessária a adoção de uma agenda de reformas
que passa pela atuação vigorosa da Justiça
criminal, mas que a ela transcende.
No Brasil, apesar da revelação do quadro de
corrupção sistêmica, os movimentos de reforma
limitaram-se, até o momento e quase que
exclusivamente, às ações da Justiça criminal e
do Supremo Tribunal Federal.
Da Justiça criminal, aqui incluído não só o
Judiciário, mas também o Ministério Público, a
Polícia e órgãos auxiliares, pela atuação
intensa em processos envolvendo corrupção.
Do Supremo Tribunal Federal, por decisões
importantes que reduziram oportunidades e
incrementaram riscos para a corrupção. Uma delas
tomada no julgamento da ADIn 4.650, em
17/09/2015, quando o Supremo Tribunal Federal
reputou inconstitucionais dispositivos da lei
eleitoral que permitiam doações eleitorais de
empresas, com muito poucas restrições. Embora
alguns críticos tenham afirmado que o Supremo
teria ido longe demais, já que, em uma
democracia de massas, são necessários recursos
para as eleições, a legislação reputada inválida
sequer restringia a possibilidade de realização
de doações por empresas que mantivessem
contratos com o Poder Público, o que criava
oportunidades para relações promíscuas. Outras
decisões importantes foram tomadas no HC 126292
e nas ADCs 43 e 44, em 17/02/2016 e em
05/10/2016, respectivamente, nas quais o
Supremo, alterando precedente anterior, passou a
entender que o princípio da presunção de
inocência não impede o início da execução da
pena após uma condenação criminal por uma Corte
de Apelação e mesmo na pendência de recursos aos
Tribunais Superiores. O entendimento anterior
propiciava que criminosos poderosos, com
habilidosos advogados, postergassem por anos a
efetividade da Justiça criminal e que até mesmo
colhessem impunidade diante de um generoso
sistema de recursos e de igualmente generosas
regras de prescrição.
A atuação da Justiça criminal e a do Supremo
Tribunal Federal, embora elogiáveis, são ainda
insuficientes para superar o quadro de corrupção
sistêmica, sendo necessária uma participação
mais incisiva também das demais instituições,
Executivo e Legislativo, bem como do setor
privado.
Considerando o contexto e a necessidade de
soluções, publicado, em boa hora, o presente
livro pelo Instituto Não Aceito Corrupção.
Acesse aqui o índice completo do livro 48
Visões Sobre a Corrupção
Com artigos descritivos do problema da
corrupção, de propostas para soluções, de
experiências nacionais e de Direito Comparado e,
principalmente, com o enfoque multidisciplinar,
não limitado ao jurídico, o livro propicia o bom
debate sobre o tema.
É preciso que a sociedade livre encare a
corrupção sistêmica como algo sério, que impacta
as nossas chances de desenvolvimento, nosso bem
estar e a própria qualidade de nossa democracia.
Não existe problema insuperável dentro de uma
democracia. O que se faz necessário é a vontade
política de mudança orientada pelo conhecimento.
Conhecimento é o que esse livro oferece. Boa
leitura.
Curitiba, 10 de outubro de 2016.
Sergio Fernando Moro |