Theresa Catharina de Góes Campos

     
Heringuerianas: pouca leitura e falta de curiosidade - Aylê-Salassié

De: Reynaldo Domingos Ferreira
Data: 12 de maio de 2018

Repassando, mas lembrando que o autor do artigo abaixo transcrito, Ayle-Salassié, lançará seu novo livro
 "PINGUELA - A Maldição do Vice", em três noites de autógrafos: a primeira, dia 24 de maio, na Associação Nacional dos Escritores, que fica ao lado do Instituto Cervantes; a segunda, dia 29, no Carpe Diem, na SQS 104 e, a terceira, ainda sem data certa, na sede da Academia Ubaense de Letras, em Ubá, Minas Gerais.
 

Heringuerianas: pouca leitura e falta de curiosidade

           Aylê-Salassié*                                             

Este texto vem a propósito de uma grave omissão na reportagem escrita por Pedro Grigori, na edição de 6 de maio (domingo), do Correio Braziliense, com o título :  “[...] Heróis do Cerrado”. Sequer foi lembrado o nome do botânico Ezechias Heringer , descobridor de várias espécies , criador do Parque Nacional de Brasília, de mais duas ou três reservas de proteção do ecossistema e um dos poucos a visualizar as potencialidades das terras do cerrado. Cientista consagrado, foi   o maior estudioso da vegetação do Brasil Central,  e um dos últimos exemplares de uma  categoria chamada de “naturalistas”, marcada pelos estudos de Von Martius, Saint Hilaire, Peter Lund, e nativos como Carlos Rizzini, Murça Pires, Graziela Barroso, Guido Pabst, Pio Correa, Armando de Mattos e João Moogem .

           Esquecido pelas jovens  correntes da ecologia que se iniciavam na Universidade de Brasília nos anos 70/80, o professor,  emérito, agrônomo de formação, botânico e silvicultor por opção, morreu no Lago Norte, aos 80 anos . Deixou uma extensa obra sobre a flora do cerrado.  Foram trabalhos desenvolvidos, na sua maioria, juntamente com membros dessa desaparecida comunidade de naturalistas brasileiros.  Algumas pesquisas não chegaram a ser concluídas a tempo, e outras foram apropriadas por estranhos, aproveitando-se da extrema modéstia de Heringer.

              Na condição de um dos primeiros guardas florestais do Parque Nacional de Brasília (Água Mineral),  e estudante do científico noturno do Elefante Branco, era convocado para acompanhá-lo nos estudos de campo. Tive verdadeiras aulas de Botânica e Sistemática, em pleno cerrado, com o material que ele acabava de coletar.  Sua avidez  era de um adolescente. Cruzando com tamanduás, lobos guará – chegou a encarar uma onça - enfrentava o desafio do tempo e das trilhas abertas no cerrado pelos bandeirantes e  carros de boi, à busca de material botânico desconhecido e original.

 Tornara-se conhecido por traçar o roteiro botânico  do Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. Seguindo por esse caminho, descobriu e descreveu várias espécies do cerrado. Na área conhecida hoje como Parque do Guará, ele encontrou o fóssil de uma espécie extinta. Fez inúmeras experiências de reprodução com nativas e de introdução de exóticas  em terras do cerrado. Os plantios mais antigos de eucalipto na Região Centro-Oeste foram todos iniciados em projetos de pesquisas dele.  Administrou os viveiros que forneceram espécies da flora  para o paisagismo de Brasília. Criou o Parque Nacional e indicou a necessidade de mais duas ou três reservas naturais no Distrito Federal para proteção de ecossistemas ameaçados, propostas abrigadas, com entusiasmo, pelo prof. Paulo Nogueira Neto, então Secretário do Meio Ambiente.

                Nos fundos da casa do professor Heringer, na Avenida W-3, havia um quarto cheio de fragmentos botânicos, troncos retorcidos, flores secas, livros, microscópios, exsicatas e outros materiais usados para a classificação das plantas. Só ele entendia daquilo. Estudava carinhosamente cada amostra, repassando os registros para a arte pictográfica da habilidosa desenhista brasiliense  Maria Werneck. Ambos deixaram dezenas de  trabalhos apócrifos. Não tinham a veleidade de guardar informações sobre as  espécies ou  pesquisas  em desenvolvimento. Todas as coleções de orquídeas do cerrado, existentes hoje no Distrito Federal, foram iniciadas pelo dr. Heringer. Coletava os exemplares, descrevia-os, e os reproduzia num viveiro particular, doado para o Parque Nacional, onde foi dilapidado.             

             É preciso enfatizar que a presença do dr. Heringer no Planalto Central precede à de todos os botânicos, biólogos e ecologistas. Como chefe da Horto Florestal de Paraopeba (MG), veio a convite do Presidente Juscelino Kubitscheck.  Em 1958, ele pediu ao  professor  Heringer um estudo detalhado sobre a flora e a fauna da área onde iriam ser iniciadas as obras de construção de Brasília. O dr. Ezechias veio, e não voltou mais para Minas Gerais. Aqui recebia naturalistas e pesquisadores de várias partes do mundo, e participava, com eles, de incursões pelo cerrado.

O reconhecimento da sua contribuição para o estudo botânico e a proteção do cerrado no DF está inscrito em vários trabalhos publicados em revistas já desaparecidas, e outros no exterior. Em sua homenagem, os naturalistas Pabst, Rizzini, Mattos  batizaram espécies novas do cerrado com o seu nome: são as heringuerianas.

* Jornalista, professor , dr em História Cultural.

 

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