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O INDULTO - LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
From: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: Sex, 30 de nov de 2018
Subject: O indulto
O INDULTO
Há momentos, e foi assim na última sessão do
Supremo Tribunal Federal, que se tem a impressão
dos mesmos argumentos servirem a diferentes
propósitos. Aliás, uma das intervenções do
ministro Fachin, salvo engano, apontava nesta
direção. No desenrolar dos debates, tudo parecia
uma tentativa vazia de justificar algo
injustificável. Havia um desconforto, uma frieza
na argumentação! Como se fora uma perda de tempo
discutir o indulto presidencial concedido pelo
Presidente Temer em 2017.
O indulto presidencial esteve presente na
história desde séculos e em praticamente todos
os países. No Brasil, ao longo do tempo, sofreu
uma série de flexibilizações. E algumas dúvidas
permanecem. Como pode o Presidente, através de
uma só decisão no ano, se sobrepor aos devidos
processos julgados? Considerar o indulto
presidencial um ato de clemência, de correção de
injustiças, não é o mesmo que desconsiderar a
Justiça em si? Toda a estrutura, o arcabouço
jurídico? Como se ainda vivêssemos na barbárie,
quando os cidadãos não possuíam a possibilidade
de um julgamento? Como se a justiça brasileira
não contemplasse possibilidades de recursos
infindáveis e encurtamento cada vez maior das
penalidades? Portanto, seria atual, justo e
legal este poder do Presidente? Está o indulto
presidencial, no seu absolutismo, adequado aos
novos tempos? A decisão presidencial é
infalível? Tal como a do Papa? A quem cabe
reconhecer estes limites em uma sociedade
democrática? Ou este reconhecimento é seletivo?
Um segundo aspecto é considerar o indulto um
instrumento de política criminal, para diminuir
a população carcerária. Que me perdoem, com a
devida vênia, o argumento parece uma piada de
mau gosto. No ano de 2011, segundo o Conselho
Nacional de Justiça, foram beneficiados 4.5 mil
apenados. Somente em 2005 havia, segundo dados
do Conselho Nacional de Justiça, 380.000 presos.
Como considerar que o total de indultados
contribuirá para resolver o problema da
superpopulação carcerária? É como se de uma
varinha mágica (no caso a caneta do Presidente),
assim como nos filmes de Harry Potter, surgisse
uma solução administrativamente decente para um
perverso problema estrutural. Como se o sistema
presidencial no Brasil não refletisse, em sua
estrutura organizacional, todos os imensos
desafios da máquina burocrática de governo,
acumulados ao longo de uma história de
ineficiência. E mais, não refletisse a profunda
injustiça e desigualdade da sociedade
brasileira. Entre outros fatos, proporcionando
benesses justamente àqueles que mais tiveram
oportunidades na vida, capacidade de ação e
plena consciência de seus atos.
No sistema prisional desse país, o cidadão tem
pouco ou nenhum protagonismo. O que nunca será
restaurado por um indulto ocasional. E a
corrupção, com seu manancial de destruição, é um
dos principais personagens dos péssimos
resultados alcançados quanto à ressocialização
dos presos e mesmo a qualidade de suas vidas
atrás das grades. Aliás, poderão ser libertados
pelo indulto presidencial, contraditoriamente,
“salvador” e retrógrado, parte dos envolvidos
nas tramas da corrupção. Um crime cuja barbárie
atingiu todos os serviços públicos e
investimentos na infraestrutura do país. E com
um sério efeito colateral: diminuir a eficiência
da delação premiada, único instrumento capaz de
desvendar as entranhas dos crimes de colarinho
branco. Quem fará delação com o próximo Natal a
chegar? Que faremos nós, brasileiros, quando o
próximo Natal chegar?
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO |
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