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Romper padrões nefastos de administração pública
Ela escreveu para a Revista de Administração
Pública em fevereiro de 1990. No entanto, suas
palavras continuam a me fascinar até hoje, 28
anos depois. E, a cada leitura, surgem novos
conceitos em seu artigo: “Accountability: quando
poderemos traduzi-la para o português?” Sempre
atual, uma vez que em matéria de Políticas
Públicas, não saímos ainda da Idade Média.
Ausente que está, em sua formulação e avaliação,
o sujeito das demandas: o usuário dos serviços
públicos.
O que seria o accountability de tão difícil
tradução na nossa língua? Seria a
responsabilidade objetiva. Não oposto, nem
incompatível, mas perfeitamente e
obrigatoriamente agregado à responsabilidade
subjetiva. O detentor de função pública,
necessariamente, obrigatoriamente, deve se
reconhecer responsável por suas atribuições. E
responder perante outras pessoas, por seu
desempenho. Segundo Frederich Mosher citado por
Anna: “Quem falha no cumprimento de diretrizes
legítimas é considerado irresponsável e está
sujeito a penalidades”. E Anna explica: quanto
mais avançado o estágio democrático, maior o
interesse pelo acountability. E o accountability
governamental tende a acompanhar o avanço de
valores democráticos, tais como igualdade,
dignidade humana, participação,
representatividade.
Nesse tempo de promessas de mudanças, no qual se
tenta romper padrões nefastos de administração
pública, evitando o loteamento da máquina
burocrática de governo, cabe questionar: até que
ponto esta ruptura de padrões representará,
efetivamente, a emergência dos valores
democráticos de gestão pública?
Isto porque, afirma Anna, o desenvolvimento de
mecanismos burocráticos de controle não tem sido
suficiente para garantir que o serviço público
sirva, efetivamente, a sua clientela de acordo
com os padrões normativos do governo
democrático. “Há de se transcender a economia, a
eficiência e a honestidade, enquanto valores
essenciais e alcançar a qualidade dos serviços;
a maneira como são prestados; a justiça na
distribuição de benefícios; a distribuição dos
custos políticos, sociais e econômicos dos
serviços e bens produzidos.” E, um valor
fundamental, a adequação dos resultados dos
programas às necessidades das clientelas.
E, pergunta Anna, quem vai fiscalizar? Isto
porque, afirma: “O controle democrático,
portanto, não pode ser eficaz se limitado à
estrutura do Executivo.” Quem controla o
controlador? É uma questão fundamental! Não é
nova. Mas é atualíssima! Basta observarmos o
modo como são tratados no Brasil, os usuários
dos serviços públicos. Se atentarmos na
desigualdade das relações de poder entre
instituições, funcionários e os demandantes das
Política Públicas. Estamos tratando, portanto,
de um ponto essencial, insubstituível, na
avaliação das Política de Governo em relação aos
mecanismos de controle: “a participação da
sociedade civil na avaliação das políticas
públicas, fazendo recomendações a partir dessa
avaliação.”
Se o cidadão brasileiro, através da cidadania
organizada de que nos falava Pedro Demo, não
estiver presente na avaliação das Políticas, a
situação não mudará. Pois quem vive a realidade
do atendimento público é o usuário. Ele é o
sujeito no qual desaguam a falta de respeito, a
alienação, a burrice, a indiferença, a
ineficiência dos serviços. É o corpo dele e o
seu espírito que levam para casa a humilhação,
os erros e a defasagem de resultados ente os
planos de gabinete e a realidade.
Não tem sentido ou fundamento falar de
democracia, enquanto o cidadão brasileiro não se
organizar, consciente de seus direitos e
vigilantes, como diria Anna. Neste sentido da
participação, muitos anos atrás, os sanitaristas
no Ministério da Saúde criaram os grupos de
representação dos usuários nas unidades de
saúde. Surgiram os Conselhos Fiscalizadores
junto às Prefeituras. Estudos realizados pelo
Serviço Social demonstraram que muitos foram
cooptados pelos interesses corporativistas dos
gestores, perdendo a independência. É deste tipo
de sociedade que estamos falando, em pleno
século 21.
Portanto, a ruptura com padrões de gestão deve
significar um passo além na democratização das
relações entre cidadão e Estado. E a arena desta
luta são as políticas públicas. Trata-se do
fortalecimento da teia de relações da sociedade
civil, controlando e avaliando o Estado.
Contribuindo para a evolução dos serviços. Neste
sentido, é necessária a redefinição da relação
entre cidadão e sociedade. Não mais entre um
povo tutelado e um Estado tutor. Os usuários dos
serviços públicos vistos não como consumidores,
objetos das decisões governamentais, mas como
sujeito ativo de seus direitos. Democracia é
isto, nos relembra Anna, cuja voz nunca esteve
tão atual, passados 28 anos, neste país desigual
e alienado. Saudades de Anna Maria Campos!
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO |
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