Theresa Catharina de Góes Campos

     
CULPA - O HOMEM E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS

Era seu último dia de trabalho atendendo telefone no setor de Emergência do Departamento Policial. Sua angústia lhe entalava o peito, pois sua esposa saíra de casa. Além disto, no outro dia, ele iria responder a um processo na justiça, por um grave ato, cometido em sua ronda de policial. Obrigando ainda seu parceiro a mentir para livrar sua pele. Estava desconfortável e nervoso. Suas respostas eram secas, objetivas demais. Ele parecia distante e, o que é pior, atendendo aos pedidos, mencionava a culpa dos envolvidos nos episódios. Até receber o telefonema dela. O que se passa a seguir é uma série de acontecimentos nos quais ele se envolve, sem parar para pensar. Até descobrir que a realidade era outra. Totalmente diversa. E é um puro golpe de sorte poder mudar o rumo dos acontecimentos, salvando o que restava para salvar. Mesmo que para isto, ele tivesse de revelar o seu segredo. Lembrando a ela que ambos haviam cometido o mesmo ato. Com uma circunstância: ele sabia exatamente o que estava fazendo, ao passo que ela não tivera esta consciência.

Asger Holm parece se dar conta que a vida não dá trégua. Poderemos ter um caminho relativamente calmo. Ou estarmos sujeitos aos mais dolorosos sofrimentos. As circunstâncias e nossas especificidades ditarão os rumos. E, neste caso, ele percebe o quanto estava distante de tudo, sem aceitar a própria culpa ou se sobrecarregando com ela. Sem perceber o mundo a sua volta. Como a agonia costuma fazer com todos nós, nos alienando. Então, a loucura e o sofrimento do Outro e a consciência de sua responsabilidade pessoal, o despertam daquela alienação. O conectam novamente com a vida, a humildade, a aceitação.

Durante 86 minutos deste filme, a câmara focaliza em close o rosto do ator. Sem grandes transformações, as linhas de sua face demonstram cada sentimento. As vozes daqueles que telefona completam o cenário deste estupendo roteiro sobre dor, loucura, culpa, redenção e continuação da vida. E a tensão e o envolvimento do espectador são permanentes, a partir de um único cenário, com poucos elementos e ferramentas de montagem. A excelência da direção e o estupendo roteiro nos envolvem e excitam a imaginação.

Este filme é da Dinamarca, com o premiado diretor Gustav Moller. Roteiro de Moller e Emil Nygaard Albertsen. Foi produzido e lançado em 2018 e está candidato ao Oscar. Com grandes possibilidades. Tem como atores Jacob Cedergren no papel principal do policial Asger Holm, em maravilhosa interpretação. Além de Jacob Ultrick Lobmann e Laura Bo. O filme atinge nossos nervos, nos deixa cansados. E parece apontar para uma saída: a atenção ao outro e a nós próprios, aos sentimentos que nos cercam, a consciência de como carregamos nossas culpas e a necessidade terapêutica de compartilhar.

LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Dezembro, 2018
 

Jornalismo com ética e solidariedade.