“Empresas campeãs” – rombo, cautela e serenidade
Aylê-Salassié Filgueiras Quintão
Juntas, eles faturam 1,1 trilhão de dólares por
ano (2016) e, pela precariedade das leis
internas, deixam de arrecadar bilhões em
tributos. Mesmo assim não são consideradas
transgressoras. A omissão e a fragilidade da
legislação brasileira as protege. São elas
organizações econômicas conhecidas como “grupos”
: Odebrecht, JBS, Walmart, Acelor, Mittal,
Gerdau, Eletrobras, Pão de Açucar, Vale e
outros. Estão entre os 200 representantes
empresariais não financeiros mais importantes da
América Latina. Alguns possuem receita maior que
a de muitos países. Destacam-se na condução, por
aqui, do processo de globalização.
São movidos, em geral, por um objetivo comum: o
lucro e,com frequência são acusados de cartéis.
Um único grupo pode ter 10 a 20 empresas
associadas. A desativação de um deles tende a
provocar a desestruturação de uma economia,
gerando desabastecimento e desemprego em cadeia.
Daí a tolerância dos governos. Quando se fala em
denunciá-los, as autoridades são as primeiras a
recomendar “cautela e serenidade”. Chegaram a
ser chamados de “empresas campeãs”, na
pretensiosa tentativa de reproduzir a
experiência de Deng Xiao Ping, na China.
O Brasil concentra 115 dos maiores grupos
econômicos da América Latina. O México tem 38 ,
o Chile 23 e Argentina perdeu alguns, nos
últimos anos, mas outros grandes ainda estão por
lá. Um grupo desses não precisa ter
personalidade jurídica. Mesmo porque, na região,
há falta de leis que regulem a constituição e
responsabilidades legais, solidárias ou fiscais.
A maioria desses grupos opera fazendo pressão
sobre o mercado, sob a justificativa
politicamente correta da difusão de
oportunidades, tecnologias e geração de
empregos.
Cabe provar quem os acusa de cartelização. Se
for um pretenso concorrente, pode não iniciar
atividades, tornar-se invisível ou até mesmo
desaparecer. Já ocorreu nos setores de montagens
automotivas e de telecomunicações. Eles tornam
tudo mais difícil para o competidor. Sem que a
população consiga entender, esses 115 grupos
brasileiros têm uma relação nebulosa com a
Receita Federal, no CADE (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica) e no COAF
(Conselho de Controle das Atividades
Financeiras).
Suas atividades são conhecidas, mas também
sabe-se dos limites da legislação para
enquadra-los. Funcionam sob a forma joint
venture, cartéis, associações e até de
consórcios. Quando o fisco autua ou o Ministério
Público denuncia, aparece sempre a defesa das
empresas alegando ausência de tipicidade legal,
e desqualifica as ações no Executivo e no
Judiciário. Com isso, há uma evasão fiscal
tributária de bilhões de dólares, com o
agravante ainda de fortalecer e incentivar a
ação corruptora sobre políticos e governos.
A legislação omissa ou contraditória é, no
mínimo, curiosa em relação a esses grupos,
revela tese de doutorado da PUC de Minas Gerais,
produzida pela advogada e professora Silvânia
Gripo Mozer (2017): “As Responsabilidades
Tributárias do Grupo Econômico de Fato e de
Direito....” Ela fêz uma análise da
materialidade da ação desses grupos,
investigando o domínio vertical - controle das
empresas de toda a cadeia produtiva até à
comercialização ; ou horizontal – uma empresa
que se superpõe na liderança sobre as demais
associadas dentro de um mesmo grupo. Seus
estudos vão além da existência ou não de um
pré-contrato solidário que, presuntivamente,
regularia a “formação do grupo”, conforme
estabelece a Lei das S/A, ao admitir a
existência de sociedades de direito (art. 265 e
277) e de fato (art. 243 a 264).
As relações consorciadas, em contrato,
funcionam, de fato, hegemonicamente sob o
comando de uma das empresas partes ou um
executivo que personifica o objetivo comum do
grupo: auferir grandes lucros, e ter as
responsabilidades minimizadas no campo jurídico
e tributário. O que importa para configurar o
grupo é a constatação do poder de controle legal
ou um fático pacto ilegal. Os grupos nessa
condição são admitidos na interpretação dos
órgãos de controle e regulamentação brasileiros
como de primeiro grau (empresas de direito).
França e México tipificam-nos como de segundo
grau (de fato), passíveis,portanto, de
responsabilidades. À par da situação legal,
podem coexistir grupos econômicos ilegais, de
forma dissimulada, conduzindo prejuízos ao
fisco, jurídicos societários e à sociedade civil
que os rodeia.
Compromisso social ou mesmo político nem se
fala. Funcionando com grupo de direito ou de
fato, a legislação brasileira não os classifica
como tal, ao contrário dos europeus. Pior, não
há previsões conhecidas para a implantação da
responsabilidade tributária a nenhum desses
grupos. Sob tal comodidade, todos continuam a se
furtar de responder pelas obrigações tributárias
das sociedades que os constituem. A Justiça
chega a negar -lhes o reconhecimento de
personalidade jurídica. Mas não passa daí.
Admite-se, naturalmente, a falta de lei para
estabelecer a moralidade e recuperar os bilhões
em tributos que nunca chegam aos cofres
públicos.
From: Aureo César Coelho do Valle
Date: qua, 27 de fev de 2019
(...) este é dos tripés da miséria do mundo, o
capitalismo. Isto não é nada. 62 capitalistas
ganham mais que 3,5 bilhões de humanos, metade
da população mundial.
Áureo César |