Theresa Catharina de Góes Campos

     
“Empresas campeãs” – rombo, cautela e serenidade
Aylê-Salassié Filgueiras Quintão

Juntas, eles faturam 1,1 trilhão de dólares por ano (2016) e, pela precariedade das leis internas, deixam de arrecadar bilhões em tributos. Mesmo assim não são consideradas transgressoras. A omissão e a fragilidade da legislação brasileira as protege. São elas organizações econômicas conhecidas como “grupos” : Odebrecht, JBS, Walmart, Acelor, Mittal, Gerdau, Eletrobras, Pão de Açucar, Vale e outros. Estão entre os 200 representantes empresariais não financeiros mais importantes da América Latina. Alguns possuem receita maior que a de muitos países. Destacam-se na condução, por aqui, do processo de globalização.

São movidos, em geral, por um objetivo comum: o lucro e,com frequência são acusados de cartéis. Um único grupo pode ter 10 a 20 empresas associadas. A desativação de um deles tende a provocar a desestruturação de uma economia, gerando desabastecimento e desemprego em cadeia. Daí a tolerância dos governos. Quando se fala em denunciá-los, as autoridades são as primeiras a recomendar “cautela e serenidade”. Chegaram a ser chamados de “empresas campeãs”, na pretensiosa tentativa de reproduzir a experiência de Deng Xiao Ping, na China.

O Brasil concentra 115 dos maiores grupos econômicos da América Latina. O México tem 38 , o Chile 23 e Argentina perdeu alguns, nos últimos anos, mas outros grandes ainda estão por lá. Um grupo desses não precisa ter personalidade jurídica. Mesmo porque, na região, há falta de leis que regulem a constituição e responsabilidades legais, solidárias ou fiscais. A maioria desses grupos opera fazendo pressão sobre o mercado, sob a justificativa politicamente correta da difusão de oportunidades, tecnologias e geração de empregos.

Cabe provar quem os acusa de cartelização. Se for um pretenso concorrente, pode não iniciar atividades, tornar-se invisível ou até mesmo desaparecer. Já ocorreu nos setores de montagens automotivas e de telecomunicações. Eles tornam tudo mais difícil para o competidor. Sem que a população consiga entender, esses 115 grupos brasileiros têm uma relação nebulosa com a Receita Federal, no CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e no COAF (Conselho de Controle das Atividades Financeiras).

Suas atividades são conhecidas, mas também sabe-se dos limites da legislação para enquadra-los. Funcionam sob a forma joint venture, cartéis, associações e até de consórcios. Quando o fisco autua ou o Ministério Público denuncia, aparece sempre a defesa das empresas alegando ausência de tipicidade legal, e desqualifica as ações no Executivo e no Judiciário. Com isso, há uma evasão fiscal tributária de bilhões de dólares, com o agravante ainda de fortalecer e incentivar a ação corruptora sobre políticos e governos.

A legislação omissa ou contraditória é, no mínimo, curiosa em relação a esses grupos, revela tese de doutorado da PUC de Minas Gerais, produzida pela advogada e professora Silvânia Gripo Mozer (2017): “As Responsabilidades Tributárias do Grupo Econômico de Fato e de Direito....” Ela fêz uma análise da materialidade da ação desses grupos, investigando o domínio vertical - controle das empresas de toda a cadeia produtiva até à comercialização ; ou horizontal – uma empresa que se superpõe na liderança sobre as demais associadas dentro de um mesmo grupo. Seus estudos vão além da existência ou não de um pré-contrato solidário que, presuntivamente, regularia a “formação do grupo”, conforme estabelece a Lei das S/A, ao admitir a existência de sociedades de direito (art. 265 e 277) e de fato (art. 243 a 264).

As relações consorciadas, em contrato, funcionam, de fato, hegemonicamente sob o comando de uma das empresas partes ou um executivo que personifica o objetivo comum do grupo: auferir grandes lucros, e ter as responsabilidades minimizadas no campo jurídico e tributário. O que importa para configurar o grupo é a constatação do poder de controle legal ou um fático pacto ilegal. Os grupos nessa condição são admitidos na interpretação dos órgãos de controle e regulamentação brasileiros como de primeiro grau (empresas de direito). França e México tipificam-nos como de segundo grau (de fato), passíveis,portanto, de responsabilidades. À par da situação legal, podem coexistir grupos econômicos ilegais, de forma dissimulada, conduzindo prejuízos ao fisco, jurídicos societários e à sociedade civil que os rodeia.

Compromisso social ou mesmo político nem se fala. Funcionando com grupo de direito ou de fato, a legislação brasileira não os classifica como tal, ao contrário dos europeus. Pior, não há previsões conhecidas para a implantação da responsabilidade tributária a nenhum desses grupos. Sob tal comodidade, todos continuam a se furtar de responder pelas obrigações tributárias das sociedades que os constituem. A Justiça chega a negar -lhes o reconhecimento de personalidade jurídica. Mas não passa daí. Admite-se, naturalmente, a falta de lei para estabelecer a moralidade e recuperar os bilhões em tributos que nunca chegam aos cofres públicos.

From: Aureo César Coelho do Valle
Date: qua, 27 de fev de 2019

(...) este é dos tripés da miséria do mundo, o capitalismo. Isto não é nada. 62 capitalistas ganham mais que 3,5 bilhões de humanos, metade da população mundial.
Áureo César

 

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