Theresa Catharina de Góes Campos

     
Acordando

O som dos caminhões na estrada aparece ao longe. O motor, devagar sob
o peso da carga, roncando forte. Como se subisse uma ladeira. Depois os carros, mais rápidos, alguma buzina eventual. Uma freada mais brusca. Aí vêm os cachorros, um latido ali, outro acolá. Não adianta esperar o galo. Não existe galo nestas paragens. Aparecem então os passarinhos; muitos,
com mil vozes, ora em cantos explícitos, ora em um murmurinho rápido, complexo, com muitas vozes que se cruzam, como se eles estivessem em uma reunião de negócios. E o tempo fosse curto. E então vem a brisa suave, fria, que obriga a se enroscar nos lençóis, procurando o ultimo quentinho do dia.

A penumbra da noite já se foi e começam a aparecer os primeiros sinais do sol. Esta claridade intrometida que se insinua pelas frestas da porta, anunciando um novo dia. Novo? Com diferentes texturas talvez, mas com as mesmas inquietações, expectativas, sonhos, esperanças, desesperanças, angústias. De quantos nos damos conta, neste caminhar do qual não podemos voltar atrás!

E recordações! De lugares mais longe, como a pousada na estrada para Salvador, em uma pequena cidade do caminho. De uma forma inexplicável, ela ficou na memória. Talvez a visão do pátio imenso de terra batida, quando saía do quarto. Ou o salão rústico, com um café prá lá de decente e um pessoal sério e atencioso. Ou a porteira fechando a entrada. Por sua beleza tão simples, porteiras são sempre bem-vindas!

Os passarinhos pararam com sua cantilena. Talvez já tenham acertado todos os ponteiros do dia. Dos murmúrios em grupo, passaram agora a cantarem sozinhos. Cada um por si. Igual a eles, os ruídos do dia diminuem, quase não são mais ouvidos. Quanto mais despertos, quanto mais deixamos de ouvi-los. Difícil de entender!

LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO

 

Jornalismo com ética e solidariedade.