Acordando
O som dos caminhões na estrada aparece ao longe.
O motor, devagar sob
o peso da carga, roncando forte. Como se subisse
uma ladeira. Depois os carros, mais rápidos,
alguma buzina eventual. Uma freada mais brusca.
Aí vêm os cachorros, um latido ali, outro acolá.
Não adianta esperar o galo. Não existe galo
nestas paragens. Aparecem então os passarinhos;
muitos,
com mil vozes, ora em cantos explícitos, ora em
um murmurinho rápido, complexo, com muitas vozes
que se cruzam, como se eles estivessem em uma
reunião de negócios. E o tempo fosse curto. E
então vem a brisa suave, fria, que obriga a se
enroscar nos lençóis, procurando o ultimo
quentinho do dia.A penumbra da noite já se
foi e começam a aparecer os primeiros sinais do
sol. Esta claridade intrometida que se insinua
pelas frestas da porta, anunciando um novo dia.
Novo? Com diferentes texturas talvez, mas com as
mesmas inquietações, expectativas, sonhos,
esperanças, desesperanças, angústias. De quantos
nos damos conta, neste caminhar do qual não
podemos voltar atrás!
E recordações! De lugares mais longe, como a
pousada na estrada para Salvador, em uma pequena
cidade do caminho. De uma forma inexplicável,
ela ficou na memória. Talvez a visão do pátio
imenso de terra batida, quando saía do quarto.
Ou o salão rústico, com um café prá lá de
decente e um pessoal sério e atencioso. Ou a
porteira fechando a entrada. Por sua beleza tão
simples, porteiras são sempre bem-vindas!
Os passarinhos pararam com sua cantilena.
Talvez já tenham acertado todos os ponteiros do
dia. Dos murmúrios em grupo, passaram agora a
cantarem sozinhos. Cada um por si. Igual a eles,
os ruídos do dia diminuem, quase não são mais
ouvidos. Quanto mais despertos, quanto mais
deixamos de ouvi-los. Difícil de entender!
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO |