Recordando - Luíza Cavalcante Cardoso
Em sua última crônica na Revista do Correio
deste domingo, 07 de abril, Paulo Pestana fala
da força das lembranças do passado. E de como é
difícil, muitas vezes, nos darmos conta das
mudanças operadas no presente. Nossas lembranças
permanecem então, meio desajustadas. Como as da
sua pequena cidade, que vista do alto hoje em
dia, não parece mais aquela antiga cidade. Não
dando a “menor vontade de descer e ver de baixo.
” O bom das memórias, afirma, é que elas não
mudam. É interessante! A minha cidade
praticamente nada mudou. E, se houve mudanças,
muitas foram para pior. Com a degradação de
centros urbanos em escala insuportável! Assim,
praças estão irreconhecíveis, certas partes do
centro foram tomadas pelos camelôs. Inclusive
impedindo trânsito de carros em plena via
pública, no centro do comércio. O que nunca vi
em nenhum lugar do mundo. Um pequeno rio
continua, como sempre, a entregar dejetos e mau
cheiro em uma das mais lindas praias da cidade.
E os meus canais, entre as duas grandes lagoas
Mundaú e Manguaba, um dos passeios mais lindos
que se pode apreciar no Brasil, continua
entregue à burrice e à incompetência dos
gestores públicos. Favelas proliferam em
cenários paradisíacos e o transporte entre as
duas lagoas, que poderia ser feito de aerobarco
pela profundidade dos canais, permanece sem ser
explorado. Impedindo a criação de empregos no
turismo e afastandoo alagoano e os turistas do
contato com uma natureza belíssima! Cenário do
qual hoje só usufruem os donos de grandes
lanchas. Enfim, Maceió padece dos problemas de
sua elite política. E embora sendo a terra mais
festejada em música por seus filhos, talvez
precisasse de outros tantos lutando por seu
desenvolvimento urbano.
No entanto, os lugares onde vivi permanecem
iguais: minha rua, meus colégios, a faculdade
onde estudei. Eles não mudaram. Eu mudei. Meu
coração passa indiferente por tudo aquilo. Não
mais fazem parte das minhas lembranças ativas.
Estão submersas no passado. Tantas coisas já
foram vividas e em tantos lugares! Passei por
tantas pequenascidades deste meu Nordeste,
acompanhando o trabalho da Engenharia de
Construção! Fui perdendo os vínculos. Criando
outros. Ou aprendendo a viver sem me prender
demais, pois eram muitas as transferências. Na
verdade, com uma alma meio cigana, gostando do
novo.
Porém, uma coisa sempre me prende. Sempre me
renova. Está sempre igual e ao mesmo tempo
única, com suas correntezas lambendo suas
margens; seu pôr do sol feito de cinza e rosa;
seu mangue das beiradas, com lama e caranguejo,
no qual eu pisava horrorizada, mas mantendo a
linha, que era para nunca esquecerem de me
convidar nas múltiplas aventuras no sitio de meu
pai. Aquela beira de lagoa, admirada da varanda
da casa, ao cair da tarde, com as grandes
barcaças de coco passando, com suas velas
enormes, a cantoria dos barqueiros e a chamas do
pequeno fogo na popa. Aquela lagoa onde eu
remava desde pequena sozinha, observando tudo ao
redor, com uma certa nostalgia que a gente não
sabe de onde vem. Talvez a suspeita de que o
tempo é curto e tudo é finito, frágil, as vezes
indefinível. Só sei que depois de muito tempo,
sempre ele, consegui enfim uma casinha perto da
lagoa. E é de lá que renovo as forças,
tranquilizo a ansiedade, bebo da beleza para
fortalecer a alma. Às vezes, sinto que o tempo
passa rápido demais. Ou poderia ter realizado
antes este meu sonho.
Queria ter mais tempo. Além de uma ligeira
desconfiança que o tempo não foi perdido. Não
sei se o Paulo concordaria.
(07/4/2019) LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
De: Maria do Carmo Pereira Coelho
Date: sex, 12 de abr de 2019
Linda crônica.
Maria do Carmo |