Theresa Catharina de Góes Campos

     
De: LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
Date: sáb, 4 de mai de 2019
Subject: Fwd: No Frio Congelante

NO FRIO CONGELANTE

A poeira de gelo passava uivando, o vento se entrincheirava entre frestas e dobras do pelo, a paisagem se estendia ao infinito sem oferecer nenhuma proteção ou guarida. Aquele imenso grupo de pinguins se espremia. Caminhavam na velocidade possível as suas pequenas pernas e de tal modo juntos, que corriam o perigo de machucar ou mesmo matar os filhotes pequenos. Aqueles que ainda precisavam estar na bolsa do corpo de sua mãe. Lá embaixo, quase entre as pernas. Eles ali permaneciam, somente a cabeça de fora e os pequenos pés.

No entanto, aquela proteção não era invencível ao atrito de tantos pinguins adultos, caminhando tão juntos. Assim, um deles ia caindo da bolsa. Sua mãe, atenta, logo tratou de se escorar em uma das asas, dando espaço para que seu filhote não fosse esmagado e voltasse a bolsa. O grupo continuava sua epopeia, com destino certo, para alcançar uma região mais segura. Porém, nem todos conseguiram.

Logo adiante, afastados do grupo, jaziam corpos congelados de alguns deles. Adultos e filhotes. E, então, aparece uma fêmea procurando algo entre eles. Era seu filhote. Ela o encontra mais adiante, já congelado. Mas não se conforma. Delicadamente o toca várias vezes com o bico. Mais um pouco e leva-o para perto de sua bolsa. Não há mais o que fazer. Ela percebe a situação e se ouve um lamento triste. Continua, no entanto, a tocar a pequena ave congelada. Neste instante, chega uma outra fêmea que abre uma de suas asas sobre o pescoço da outra, consolando-a com o calor de seu corpo, de sua presença.

Sofrimento, carinho, solidariedade. Aquela cena falava disso. Da dor universal, para a qual não há remédio. Do inevitável, carinhosamente compartilhado, humanamente compartilhado. Humanamente? Não seremos nós contraditoriamente humanos? Capazes de tanta vilania? Inclusive contra essas mesmas crianças, frágeis, desamparadas, inocentes? Contra as mães, mortas na presença dos filhos? Covardemente? Como podemos nós, na mesma humanidade, sermos tanta luz e tanta sombra, tanta bondade e tanta maldade, tanto horror?
Naquele frio congelante, naqueles horizontes sem fim, sem guarida, sem portos seguros, aquelas aves seguiam fortemente juntas. E solidárias nas perdas inevitáveis do caminho.
(04/2019/LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO)

De: Eduardo Galvão
Date: ter, 30 de abr de 2019 às 20:26

Querida amiga Luíza
Parabéns por mais um excelente artigo publicado.
Grande abraço

 

Jornalismo com ética e solidariedade.