A CONTRADIÇÃO DO AMOR
Ele pergunta ao amigo: “Você viveria uma vida
vazia?” E insiste para saber como ele
suportaria. A pergunta é do personagem de
Ricardo Darin no filme “Os segredos de seus
olhos”. Cujo enredo fala de vingança, da perda
de um grande amor e de um outro amor que não
tinha coragem de se manifestar. Que se perdia
nos medos, na baixa autoestima e na covardia.
Evitando a decisão que selaria a união dos
amados. O mesmo amor a consumir os personagens
de “Asas Partidas”, de Kahlil Gibran. Que
segundo a descrição de um deles, “ abriu-me os
olhos com seus raios mágicos e por primeira vez
tocou com seus dedos quentes meu espírito...” E
continua explicando este amor “que o levou ao
jardim da grande ternura, em que os dias
transcorrem como sonhos, e as noites, como
núpcias. ”Claro está que o grande amor não
envolve tão somente a paixão sexual. Ele é muito
mais do que isto; como a ternura, a confiança da
entrega, um certo deslumbramento, a compreensão
do outro. No entanto, mesmo forte, se mostra
incapaz em muitas vidas, de vencer bloqueios e
se lançar corajosamente na aventura. Talvez a
única daquela existência. Que forças ainda lhe
faltam? Por que a torrente intensa de
sentimentos e desejos, esta certeza de ter
encontrado enfim o paraíso, consegue ser
paralisada pelo medo?
Segundo Gibran, a única liberdade do mundo a
elevar o espírito de tal maneira, que as leis da
humanidade e os fenômenos da natureza não podem
mudar seu curso. No entanto, ele pergunta
através de seu personagem: teria dado Deus a
liberdade para que fizéssemos dela uma sombra da
escravidão? Sim, porque talvez seja disto que se
trate: a grande contradição de ser tomado pelo
amor e não ter coragem de vivê-lo com o outro.
Um amor que lhe toma as entranhas, mas nunca
resolvido. Portanto, uma liberdade contestada.
Que não conseguiu romper os medos dos
personagens em “Asas Partidas” e quase
inviabiliza a vida amorosa dos amados em “O
segredo de seus olhos”. A depender das
circunstâncias, podemos viver ainda hoje em dia
esta contradição?
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO (novembro, 2019) |