PORTUGAL,
MUSEU VIVO DO AZUL
CAPELA DAS ALMAS
AZULEJOS
Portugal é o país dos
azulejos, onde atingiram o
padrão de obras primas. Tais
ladrilhos cerâmicos, vidrados
dum só lado e utilizados para
revestir paredes formando
painéis decorativos, é coisa
conhecida pelo homem há, pelo
menos, cinco mil anos. A
primeira vez que eles apareceram
em Portugal foi em meados do
século XV, uma técnica importada
dos centros mouros de Sevilha,
Valência e Marrocos. Mas foi
precisamente quando Portugal
caiu sob a hegemonia da Espanha,
em fins do séc. XVI, que os
azulejos portugueses adquiriram
um caráter realmente nacional.
Grandes e pequenos painéis,
narrando cenas sacras, militares
e cortesãs, passaram então a
ornar as paredes de palácios,
conventos e mansões. Esplêndidos
exemplares foram também enviados
aos Açores, à Madeira e ao
Brasil, onde ainda hoje
podem ser apreciados,
especialmente na Bahia, no Rio
de Janeiro, no Maranhão e em
Pernambuco.
Após o terremoto de
1755, que destruiu quase
completamente Lisboa, a cidade
foi reconstruída pelo Marquês de
Pombal, tendo sido o azulejo
extensiva e intensivamente usado
pelas suas qualidades funcionais
e higiênicas. Os melhores
exemplares deste período foram
realizados pela Real Fábrica do
Rato, fundada em 1767.
No início do séc. XIX o
exército de Napoleão ameaçou
Lisboa e a corte real mudou-se
para o Brasil. Durante 14 anos o
desenvolvimento da indústria da
azulejaria portuguesa dependeu
das requisições brasileiras.
Quando a corte voltou à Europa
em 1821, muitos dos portugueses
retornados decidiram revestir as
paredes externas das suas casas
com azulejos decorativos,
imitando o que tinham visto
fazer no Brasil. Azulejar as
fachadas das residências
tornou-se um símbolo de riqueza,
e com isso a indústria dos
azulejos de novo floresceu.
Na década de 1930 a
municipalidade de Lisboa
resolveu proibir tal uso
pretextando que "ele já não se
adaptava às novas estruturas do
concreto armado".
Na época do Congresso
Internacional de Arquitetura no
Rio de Janeiro, na década de
1950, o arquiteto português
Francisco Keil do Amaral tomou
conhecimento de que os
brasileiros lançavam mão de
azulejos nos seus prédios
modernos, como no caso dos
desenhados por Portinari para a
Igreja da Pampulha, em Belo
Horizonte, e dos usados
em vários projetos de Oscar
Niemeyer. Como a proibição
municipal já não tivesse
validade praticamente, Keil do
Amaral fez azulejar as paredes
de algumas estações do metrô de
Lisboa. A partir de então o
azulejo apareceu na cidade pelas
mãos de artistas famosos como
Maria Keil, Querubim Lapa, Jorge
Brandão, Lima de Freitas e
outros.
O Convento Quinhentista
da Madre de Deus, em Lisboa,
sede do Museu Nacional do
Azulejo, abriga uma coleção
única no mundo, de
aproximadamente dois milhões de
azulejos, inclusive raros
espécimes mouros do séc. XV.
Exposições itinerantes destas
coleções já correram diversos
países como o Brasil, a
Venezuela, a Itália, a Polônia,
a França e a Espanha.
Felizmente, alguns dos melhores
exemplares da azulejaria
portuguesa ainda estão colocados
nos seus lugares originais
(conventos, igrejas, palácios,
jardins e frontarias de casas)
onde transmitem a sua mensagem
de história, beleza, brilho e
cor. Para onde quer que se olhe,
este país é um grande museu vivo
de azulejo.
Encravada mesmo no cerne da
cidade, onde palpita febril o
coração duma urbe plena de
movimento e de vida, situa-se a
Capela das Almas, ex-libris da
velha e gloriosa cidade do
Porto. É um pequeno-grande
templo com traçado em estilo
neoclássico do fim do século
XVIII. Correia de Azevedo na sua
"Enciclopédia da Arte
Portuguesa" descreve assim,
resumidamente, a Capela das
Almas:
"Situa-se no ângulo da Rua de
Santa Catarina com a
Rua Fernandes Tomás. Tanto a
fachada como a nave são muito
equilibradas e sóbrias. Mas o
que neste templo interessa
distinguir é o seu completo
revestimento exterior de
ajulejos na fachada e na parede
lateral sul. Tais azulejos são
de autoria de Eduardo Leite".
A fama dos painéis de
azulejo da Capela ds Almas
atravessou fronteiras e
espalhou-se pela Europa e pela
América. Confirmando esta
asserção note-se que uma
publicação como a revista
"National Geographic", órgão
oficial da "National Geographic
Society", com sede em
Washington, DC, Estados Unidos,
chamou a atenção do mundo culto
para os azulejos em causa,
reproduzindo a cores toda a
parede do lado sul da Capela ds
Almas. Esta reportagem foi
publicada no número 158,
editado em 6 de dezembro de
1980.
Pois os preciosos azulejos da
Capela das Almas correram o
sério risco de se degradarem, de
se perderem para sempre. Foi uma
preocupação séria a sua
recuperação, por ser um trabalho
moroso, difícil, dispendioso. O
restauro começou em setembro e
terminou em dezembro de
1982. Foram levantados e
recolocados 2.400 azulejos,
sendo que 28 tiveram que ser
refeitos na Fábrica Viúva
Lamego, por se terem partido ao
cair no pavimento da Rua
Fernandes Tomás.
A história do azulejo
vem de longa data, tendo a
azulejaria começado a adquirir
personalidade artística durante
o Califado de Bagdá, na Pérsia,
entre os séculos XIII e XIV;
depois o trabalho de azulejaria
criou alicerces por intermédio
dos mouros na península ibérica,
através do Levante e da
Andaluzia e só mais tarde é que
os italianos se apoderaram do
segredo do fabrico de azulejos
em larga escala. A partir dos
meados do século XVI, artistas
flamengos que tiveram contatos
em Sevilha e Talavera de la
Reina, instalaram-se em Lisboa,
introduzindo as novas técnicas
maiolicárias, e com elas o
azulejo de superfície lisa, de
grande aceitação, que acabou por
se firmar como uma constante da
arte decorativa, com o seu
descritivo, a sua beleza e fácil
adaptação a obras de
arquitetura.
No entanto, os azulejos
adquiriram mais expressão e
maior deslumbramento quando
utilizados como base de desenhos
e pinturas da vida real ou
imaginária, em grandes painéis,
figurando guerras, vidas de
santos, paisagens, aspectos da
etnografia e do folclore, ou
outros desenhos e pinturas de
aparente ingenuidade, mas
sempre com alto valor artístico
e decorativo.
Tempos houve em que
foram muitas as fábricas
artesanais de azulejaria
existentes em Lisboa, em
Coimbra, no Porto, e,
especialmente, em Vila Nova de
Gaia. Algumas foram vítimas de
lamentáveis períodos de
decadência e até de extinção,
devido, em primeiro lugar, às
guerras napoleônicas e, depois,
em conseqüencia das lutas
políticas internas que
provocaram catastróficas
perturbações
econômico-sociais.
Quando no fim do século
XIX se revigorou a azulejaria, o
maior impulso - conforme cita
Santos Simões, o grande
especialista na matéria - foi
dado por artistas como Pereira
Cão, Bordalo Pinheiro, Luís
Ferreira, e, já no século XX,
por Jorge Barradas e Eduardo
Leite.
Os azulejos da Capela
das Almas estão assinados pelo
pintor Eduardo Leite, que se
notabilizou como aquarelista e
ceramista, e foram executados
pela Fábrica de Cerâmica Viúva
Lamego, em Lisboa. Para se fazer
uma pequena idéia da importãncia
desses painéis, basta ter em
conta que no conjunto
foram usados (pintados e
cozidos) 15.947 azulejos que
cobrem cerca de 360 metros
quadrados de parede.
Na fachada (do lado da
Rua de Santa Catarina) merecem
realce as cenas das "Almas do
Purgatório", as decorações e
quadros alusivos à Eucaristia e
as composições sobre a vida de
Santa Catarina e São Francisco:
"São Francisco recebe os
estigmas de Cristo" e
"Coroação de Santa Catarina".
O painel da parede
lateral voltado para a Rua
Fernandes Tomás, tem várias
cenas da vida de Santa Catarina
e de São Francisco de Assis.
Dedicados a Santa Catarina,
virgem egípcia de sangue real,
martirizada no Monte Sinai, os
azulejos apresentam as seguintes
cenas: "Santa Catarina discute
com os sábios de Alexandria" (18
dos quais ela conseguiu
converter), "A vitória de Santa
Catarina anunciada por um anjo"
e "Súplica de Santa Catarina no
ato de ser degolada".
Dedicado a São Francisco
de Assis - que antes de se
entregar ao apostolado de Deus e
dos pobres foi guerreiro, filho
insubmisso, extravagante,
gozador da vida, impulsivo,
rebelde, mas sempre generoso
- merecem ser admiradas com
especial atenção as composições:
"Cristo solta-se da cruz para
abraçar São Francisco", "São
Francisco a pregar na presença
do Papa Honório III", "São
Francisco faz um milagre" (o da
água a brotar duma pedra), "A
morte de São Francisco" e "São
Francisco a ser levado pelos
anjos".
No interior da Capela,
do lado direito de quem entra,
vê-se um painel representando
as "Almas do Purgatório", donde
emerge a imagem de São Francisco
apontando para o céu. Ainda do
lado direito vê-se um belo
painel de Santa Catarina
ajoelhada diante da "Virgem com
o Menino". Está rodeada de
anjos, dois dos quais
transportam uma coroa, vendo-se
embaixo os instrumentos da
tortura e do martírio.
No interior do templo,
do lado esquerdo, surge o painel
de "São Francisco diante do
Crucifixo", de mãos abertas,
aguardando o momento de receber
os estigmas. Mais ao centro, do
mesmo lado, vêem-se as "Chagas
de São Francisco". Na faixa
esquerda deste painel vê-se "São
Francisco a entrar numa igreja"
,apoiado no seu bordão, e na
faixa direita "São Francisco,
sentado, lê a Bíblia aberta
sobre os joelhos".
Para se avaliar quanto
os azulejos enriqueceram a
Capela das Almas basta ver, com
atenção e interesse, uma das
gravuras deste templo, em
reboco, sem os azulejos que hoje
possui. É um desenho de Victoria
Vila Nova, pseudônimo de Joaquim
Carvalho, existente na
Biblioteca Municipal do Porto.
Por esta gravura pode-se
verificar que a Capela das
Almas, sem os seus painéis,
parece não ultrapassar a
dimensão artística duma vulgar e
humilde igreja das nossas
aldeias. Mas com os azulejos a
Capela das Almas situa-se, sem
favor, ao nível dos ex-libris
que possui a cidade do Porto. É
na verdade um pequeno-grande
templo.
A
seguir uma mostra da azulejaria
portuguesa na
Capela das Almas, Porto,
Portugal.
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