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O SÉTIMO SELO - Reynaldo Domingos Ferreira
Pois que não há outro filme, que nos coloque
diante da realidade do momento presente, como "O
Sétimo Selo" (1957) obra-prima do cineasta
sueco, Ingmar Bergman (1918-2007), baseado numa
peça de teatro, de sua autoria, que nele dirige
um de seus atores preferidos, Max Von Sydow,
recentemente falecido. Sydow, em closes
magníficos, produzidos pelo fotógrafo Svan
Nykvist, interpreta o papel do cavaleiro
Antonius Block, que, de volta das Cruzadas, com
sua crença em Deus, fortemente abalada, encontra
a Suécia devastada pela Inquisição e pela peste
negra - o Covid-19, da Idade Média, o qual já
matou, nos dias que correm, mais de dois milhões
de pessoas, em todo o mundo. No Brasil, ante a
inoperância - e o desdém mesmo - governamental,
até agora, mais de duzentos mil. Ou, para ser
mais preciso, 210 mil, o que torna o ano de
2020, o mais mortal de nossa história.
De repente, numa praia deserta, enquanto seu
escudeiro Jons (Gunnar Bjornstrand) dorme,
Antonius recebe a indesejada visita da Morte
(Bengt Ekerot), vestida de preto, anunciando-lhe
que seu tempo de vida se findou, e que ele
deverá, com ela, partir. Como Antonius deseja
muito retornar à sua casa, onde o aguarda a
esposa, ele, para ganhar o tempo suficiente a
fim de cumprir a sua intenção, desafia a Morte,
para jogarem ambos uma partida de xadrez.
Propõe-lhe então, que, se ele ganhar a partida,
terá dela a dilatação de seu prazo de vida para
realizar o que pretende. Com um irônico sorriso,
a Morte aceita o desafio, pondo-se, em seguida,
com ele, a jogar. Mas tal é a surpresa dela,
que, com poucos lances, Antonius aplica-lhe o
xeque-mate, ganhando, portanto, o prazo de que
necessita para, como Ulisses, retornar ao lar.
Para evitar aglomerações de pessoas,
transmissoras da peste negra, Antonius, depois
de acordar o seu fiel escudeiro, uma espécie de
Sancho Pança, segue o caminho da floresta, onde
encontra uma troupe de teatro, cujos integrantes
se repartem, em suas intenções de acompanhar, ou
não, o cavaleiro. Uma família - marido Jof (Nils
Poppe) , mulher, Mia (Bibi Anderson) e um
garotinho -, que possui uma carroça, decide
prosseguir sua viagem para participar do
Festival de Teatro de Elsinore. Eles têm um
objetivo. Os demais se convencem de que devem
acompanhar Antonius. Só um deles, que havia
simulado sua própria morte, interpretando a cena
de suicidio, com o uso de uma faca, de lâmina
retrátil, utilizada em teatro, e em inúmeras
farsas de atentados, é levado, de forma
antecipada, pela Morte.
Ao ser recebido, alegremente, por sua esposa, em
seu lar, o cavaleiro Antonius, acompanhado de
seus seguidores - inclusive uma sofrida mulher,
muda, que o escudeiro, pelos caminhos,
arrebanhou -, ela acolhe a todos, com um sorriso
angelical, amigável, solidário, e começa a ler
para eles um trecho do livro do Apocalipse,
justo o que diz que Deus tem sete selos, na mão.
A abertura de cada selo significa um desastre -
como este atual - para a humanidade, prevendo-se
que o último deles seja o fim dos tempos, de
forma irreversível.
É a citação inicial do filme: " E havendo o
cordeiro aberto o sétimo selo, fez-se silêncio,
no céu, por quase meia-hora" Apocalipse, ( 8,1
). A reflexão clara de Bergman é a de que a vida
é castigo, é punição, é sofrimento, que cada um
procura aliviar, como pode, através da
religiosidade, dos prazeres da cama, da comida,
das artes, da avidez por dinheiro, por poder,
por fama, por droga. Por isso, a sociedade, como
a dos tempos de Sodoma, é cada vez mais
corrupta, mais degradante.
A libertação de tudo isso, principalmente das
lutas fratricidas, que se praticam, em nome de
Deus, segundo Bergman, está na morte, a qual ele
já alcançou, como a maioria dos seus atores, e o
seu fotógrafo preferido. Em vista disso, conclui
o seu belo filme, Prêmio Especial do Júri do
Festival de Cannes, com a Morte chegando ao lar
do cavaleiro Antonius, sendo recebida, com
alegria, por todos os presentes, os quais
aceitam, de bom grado, o convite dela para
formarem uma ciranda, sob a forma da qual, de
mãos dadas, chegarão ao céu!...
Que assim seja para todos os irmãos, parentes,
amigos, colegas, e conhecidos, que se foram!...
E nos deixaram saudosos.RDF |
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