Panteão:
jurisprudências
desqualificam a
Constituição
Aylê-Salassié F. Quintão*
- Você
não confia no seu
Supremo? -
indagou o ministro a um
jornalista que o
interpelava em um
programa de televisão.
Esperava
ele, certamente, uma
resposta
contemporizadora, ao
estilo mineiro. Mas o
jornalista não
escorregou na “casca
de banana”, e respondeu:
- Não.
Não confio.
Em que
pese o Supremo Tribunal
Federal pretender ser o
pai da justiça e da
moral pública, mandando
punir, vez por
outra, quem o critica,
depois do esvaziamento
sistemático da Lava Jato
e do episódio Moro, não
parece restar dúvida
de que se está diante
de uma militância
política, e não do
exercício da
hermenêutica jurídica.
O regime
republicano nos moldes
adotado é um campo
propício para aventuras
de todos os gêneros e
modalidades. A
escravidão, a
discriminação, o
capitalismo, o fascismo
ou a etérea presença do
comunismo não
construíram
sozinhos esse estado de
confusão mental no
brasileiro. Isto é fruto
da corrupção histórica e
da imoralidade na esfera
pública
que, de
impensáveis e múltiplas
formas, insiste em
permanecer. Não poupam
nenhuma instância
política, civil
ou jurídica. São
aceleradores distópicos
do desenvolvimento e da
soberania nacional.
Oligarquicamente,
banqueteia-se no Poder,
e cospe-se fácil no
prato, depois de
locupletar-se de
salários e privilégios.
Há pouco
tempo, ministros do STF,
citados nominalmente,
foram chamados de
“frouxos” . Não
reagiram.
Outro
liberou um traficante
amplamente conhecido por
atividades criminais. Um
terceiro, contrariando
os próprios tribunais.
liberou um empresário
que financiava
autoridades. Manteve-se
o foro privilegiado
para parlamentares e
juízes e agora abrigam
também
informações obtidas e
transmitidas por hackers,
inclusive estrangeiros.
Lembra a
“deduragem”, os
julgamentos sumários,
subornos e influências
familiares no circuito
do Estado.
Há poucos
dias, um dos ministros
reconheceu que havia
dentro do Supremo uma
articulação para
desqualificar a Operação
Lava Jato, essa
corajosa e pioneira
iniciativa por meio da
qual esperava-se
interromper o fluxo
de imoralidades que
conduz a História do
Brasil, confundindo o
público com o privado, e
impedindo
o desenvolvimento do
País. Agora a retórica
vazia quer fazer
acreditar que foi a Lava
Jato que fez surgir
Bolsonaro.
Não
acredite nisso: foi o
silêncio dos inocentes,
a “espiral do silêncio
da opinião pública” (Noelle-Neuman,1995).
Preste-se
atenção: para esse povo,
Bolsonaro representaria
bem mais do que se vê.
Os deuses
estão aí. Os do
Panteão nacional não
surgiram do fundo do mar
ou da imensidão do
universo, nem de
vitórias sobre fantasmas
e monstros, de
contribuições
revolucionárias , da
superação pessoal de
desafios públicos - a
pobreza, a fome, a
injustiça, a
discriminação - ou ainda
de contribuições
acadêmicas
relevantes. Não lutaram
e não lutam em lugar
algum, jogam. Atuam nos
tapetões, com ar
condicionado, conchavos
e conveniências,
degustando, se possível,
lagosta fresca.
“Nunca
antes neste País”. O
bordão está aí para ser
usado convenientemente
pela polaridade
artificializada
nos porões da Política
e da Justiça, com
qualquer sentido.
Move-se a história de um
lado para o outro, em
nome das tais
jurisprudências, meras
interpretações pessoais,
flexíveis, sobre
rigorosas disposições
constitucionais.
Mudam-se
votos e opiniões a todo
momento, beneficiando
claramente transgressões
e transgressores. O
quadro real revela uma
quantidade – não tudo,
R$5 bilhões – de
dinheiro desviado dos
cofres públicos do
Brasil e devolvidos
pelos bancos
internacionais . Que
vergonha para o País!...
A Polícia
Federal, a Receita
Federal e a Procuradoria
Geral da República
identificaram atos
criminosos grassando por
toda a máquina do
Estado, agora
desqualificados por esse
universo de deuses ,
sacralizado nos
bastidores, destruidor
das virtudes nacionais.
Agora vem
as desqualificações do
juiz Moro e do
procurador Dallagnol,
ambos instrumentos em
instâncias protetivas dos
superiores da justiça
brasileira. Os
procedimentos
processuais - pelo que
se acompanhou
- seguiram
ritos, métodos e os
trâmites recomendados e
partilhados pelo STF e o
STJ. No STF era
acompanhado por um
severo ministro
- Teori
Zavascki – morto,
sem explicações
convincentes, e que
foi substituído por um
imaginário sábio do
Direito, Edson Fachin,
cujas interpretações
flutuam entre o bem e o
mal. Lá atrás, Joaquim
Barbosa já denunciara:
“É muito mais profundo
do que se imagina”.
Pretende-se lembrar que
todos os processos que
transitaram por Curitiba
e no Rio, pela
Procuradoria Geral
subiram para instâncias
e tribunais superiores,
chegando ao próprio
Supremo, onde cada um
dos 11 ministros tem uma
penca de advogados,
juízes e até oficiais
militares,
excelentemente
remunerados, assessorando-os
juridicamente.
A Nação
vai se ver agora diante
da procrastinação, para
o esgotamento dos
prazos, e para a
criminalização
da própria Justiça.
Ninguém pergunta, nem
quer responder, pelos
bilhões em dinheiro
público que
desapareceram dos cofres
da Nação e, muito menos,
sobre os pedidos de
indenização que podem
ainda vir com o
reconhecimento da
inocência no mundo de
transgressões confessas. A
teia, conduzida por
brasileiros, chegou a
levar ao impeachment de
presidentes e
autoridades em outros
países.
Cabe ao
abestalhado cidadão o
silêncio e a História
apagar tudo. Não se
consegue penetrar nesse
algo
misterioso entranhado no
sistema. Entre os
criminosos que
conduziram o País até
aqui só tem heróis. Para
o brasileiro não resta
sequer recorrer aos
deuses do Olimpo.
Precisa trabalhar para
pagar a conta, cujo
déficit histórico vai
fazendo desaparecer
também o respeito pela
soberania do País.
*Jornalista e professor