LIVROS SALVAM VIDAS
Reportando-me
ao artigo do jornalista, escritor, game
designer e músico brasileiro, Fred Di
Giacomo, da Uol, que repassei aos amigos, há
alguns dias, recebendo, de volta, em
seguida, várias mensagens de admiração ao
seu belo texto, penso que, como aconteceu
com ele, foram os livros que salvaram a
minha vida. E não só a minha, na verdade,
mas também, a outras vidas, que
por mim, foram
salvas, com a força,o espírito de luta, que
me deram os livros. Pois, de fato, a foto,
a este texto anexada, a qual
despertou a
curiosidade de um amigo, recentemente, ao
lhe ser transmitida, por WhatsApp, talvez
seja bastante ilustrativa do que
estou a dizer.
Tomada pelo
amigo, jornalista, Heitor Tepedino, registra
a foto um dos momentos mais emocionantes, na
vida deste antigo garoto,
que jogava
bolinhas de gude, pelas ruas de Campo
Florido, MG, visitando então, em 1984, a
casa, onde nasceu, viveu, e morreu,
William
Shakespeare (1564 - 1616), dramaturgo, ator,
poeta, menestrel, tido como o maior escritor
inglês, em sua cidade natal,
Stratford-Upon-Avon, onde também existe o
Royal Shakespeare Theater, às margens de
alguns regatos. Um cenário, sem dúvida,
maravilhoso!...Para mim, inesquecível.
O que os
negacionistas de livros, de leis, de
vacinas, de ciência, de educação, de
cultura, como há muitos, neste país - não
só o
clamoroso
governo atual -, precisam saber, entretanto,
é que, na ocasião, em que visitei Stratford,
conduzido por Tepedino, e sua
esposa, Carla,
que, então, residiam, em Londres,
Shakespeare rendia, para a Inglaterra, três
vezes mais do que auferia o Brasil,
com o primeiro
item de sua insignificante pauta de
exportações, que através dos anos, continua,
quase como era antes. Cultura
também produz
dinheiro, Senhores!.... E prestígio.
Vejam agora o
extraordinário feito da Itália, enviando uma
réplica do " David", de Michelângelo ( 1470
- 1564 ), uma das obras-primas
da Renascença
italiana, feita por impressoras 3D, em
resina acrílica, que pesa 10 vezes menos, do
que a escultura original, em
mármore de
Carrara, para ser mostrada, em maio próximo,
na Exposição Universal de Dubai, nos
Emirados Árabes, coisa de apurada
tecnologia,
que jamais se pode pensar desenvolver-se,
neste país, comandado sempre por
mentalidades estreitas, corruptas,
atrasadas.
O casal
Tepedino me havia convidado a passar por
Londres, na minha viagem de regresso ao
Brasil, que coincidia com um fim de semana,
depois de
assessorar o presidente do Banco Central,
Carlos Geraldo Langoni, em assuntos de
imprensa, como participante da reunião
anual do Banco
Mundial, que se realizara, em Berlim
Ocidental. Na ocasião, tive também a
oportunidade de, pela Friedrichstrasse,
atravessar
o Muro de
Berlim ( 1961 - 1991 ), a fim de conhecer
um pouco das agruras da vida dos alemães,
que lá viviam, do outro lado, sob o regime
comunista, em
quase tudo semelhante ao que acontecia aos
cubanos - a ditadura dos Irmãos Castro
agora, após 60 anos ( 1959 - 2021 ),
chegou ao fim
- e, posteriormente, aos venezuelanos, que
também conheci, durante o governo de Hugo
Chávez ( 1954 - 2013 ).
Foi Machado de
Assis, na verdade, quem me introduziu no
enriquecedor, como admito, mundo da
literatura, fazendo-me, da mesma forma,
depois de
conhecer todas as suas obras, descobrir as
de outros escritores, brasileiros e
estrangeiros, como Camões, Cervantes,
Joaquim
Manoel de
Macedo, José Lins do Rego, Graciliano Ramos,
Gonçalves Dias, Jane Austen, Graham Greene,
Gustave Flaubert, Marcel Proust,
Charles
Dickens, Leon Tolstoi, Fjodor Dostojewski,
Thomas Mann, Hermann Hesse, Henry James,
John Steinbeck, Jack London, Ernest
Hemingway,
Virgínia Woolf, Franz Kafka, Jorge Isaac,
Gabriel Garcia Marquez, Guimarães Rosa,
Jorge Luis Borges, Mário Vargas Llosa,
Érico
Veríssimo, Emily Bronte, Emily Dickinson,
Carlos Drummond de Andrade, Paul Verlaine,
Anderson Braga Horta, Álvares de Azevedo,
Eça de
Queiroz, Mário de Andrade, Fernando Pessoa,
Guido Bilharinho, J.H. Henriques, Mário
Palmerio, Olga Maria Frange de Oliveira,
Theresa
Catharina de Góes Campos, Rainer Maria
Rilke, Jack Kerouac, Ezra Pound, e outros,
muitos outros. Uma infinidade.
Mas, como
aconteceu com Fred Di Giacomo, natural de
Penápolis, SP, eu também não tinha dinheiro
para comprar livros!... Não tinha.
Na linguagem
presidencial de hoje, de muito baixo nível,
nem um puto de centavo, para ser mais exato.
Num certo momento, porém,
convencido de
que, como disse Voltaire ( 1694 - 1778 ), "
a leitura enriquece a alma" - o que os
jovens, de hoje, não sabem, perdidos,
como estão, no
desespero das redes sociais -, ganhei o
lucrativo hábito de frequentar a Biblioteca
Municipal " Bernardo Guimarães ",
de Uberaba,
onde encontrei tudo, ou quase tudo, o que
queria: " livros, livros, à mão cheia ",
como diria Castro Alves ( 1847 - 1871 ).
Uma tarde -
lembro-me bem! - cheguei lá, em pleno verão,
molhado de chuva, quando ouvi da diretora,
Iná de Souza, uma novidade:
- Como você é frequentador assíduo da
Biblioteca, ao que observo, com atenção,
quero lhe dizer que adquirimos a "
Comédia Humana", de Honoré de Balzac ( 1597-1654 ), da
Editora Globo, editada sob a coordenação
de Paulo Rónai ( 1907 - 1992 ). A
encomenda envolve um total de sessenta livros. Os dez
primeiros exemplares chegaram. Já foram
codificados, estando, portanto, à sua
disposição para lê-los.
Você será o primeiro!...
Ante essa animadora notícia, mais do que
depressa, com entusiasmo, selecionei,
para ler, " Eugênia Grandet ", pois, de
Balzac, eu já conhecia " O Pai Goriot ", que também
constava da relação dos dez primeiros
exemplares, chegados à Biblioteca. Em
seguida, li " Memórias de Duas Jovens Esposas", " O
lírio do Vale ", " As Ilusões Perdidas "
e vários outros, mas sem poder sequer
supor, naquela ocasião, que, um dia, no verão de 2007,
eu iria conhecer a região descrita, em
todos aqueles livros, a Touraine, com a
antiga capital da França, Tour, de amplas e alegres
avenidas, restaurantes e bares, ao ar
livre, onde nasceu e viveu Balzac, no
Vale do Loire, que percorri inteiro, de Nantes até Saint-Nazaire,
fazendo, inclusive, ligeira visita ao
Castelo de Sachê, onde ele escreveu "
O Pai Goriot " e " O Lírio do Vale ".
Foi Shakespeare, entretanto, quem me
abriu as maravilhosas portas do
teatro!... Pois, de fato, depois que vi
a versão cinematográfica do
" Hamlet " ( 1948 ), produzida,
dirigida e interpretada por Sir Laurence
Olivier ( 1907 - 1989 ), me convenci de
que deveria dedicar-me à arte cênica. Criar, nela, o meu espaço. E,
inspirado também certamente pelo
embaixador Paschoal Carlos Magno ( 1906
- 1980 ), que assinava
a coluna de teatro, do " Correio da
Manhã ", eu também criei, em Uberaba,
minha cidade natal, o Teatro do
Estudante. Mas não tinha condições, naturalmente, como logo compreendi,
de encenar a peça dos meus sonhos. O "
Hamlet ", como conclui, ficaria para
mais tarde. Optei, então, por uma comédia, de um autor do
Triângulo Mineiro, Franklin Botelho, de
Patrocínio, que, orgulhoso, foi a
Uberaba para assistir à montagem de seu texto, no Teatro São Luís, o
mais tradicional da cidade.
Se não encontrei oportunidade de
montar nem o " Hamlet " - só um ator,
Sérgio Cardoso ( 1925 - 1974 ), no
Brasil, como acredito, teve o talento e a postura para sustentar o
peso da interpretação do personagem -,
nem nenhuma das peças de Shakespeare,
durante o tempo, em que fiz teatro, em Uberaba,
primeiro, com o Teatro do Estudante, e,
depois, com o Núcleo Artístico e
Cultural da Juventude, por leitura, e pelas inúmeras versões
cinematográficas, das obras dele, que,
ao longo do tempo, foram aparecendo, eu
me entreguei intensamente ao seu mundo fantasioso, mágico. E - o
que considero importante -, os inúmeros
personagens, por ele criados, me
ajudaram a conhecer e a compreender, um pouco, as
características da natureza humana.
Em vista disso, ao chegar à casa, em
que o grande dramaturgo, nasceu e viveu,
de inúmeros cômodos, alguns mais amplos,
outros mais acanhados, tive ligeira impressão de
que já conhecia o cenário, habitado
então por manequins, distribuídos pelas
várias dependências, caracterizados, como o Hamlet, a
Ophelia, o Otelo, a Desdêmona, o Iago, o
Romeu, a Julieta, o Cássio, o Hypolito,
a Rosalinda, o Jacque, a Maria, a Catherina, o Henrique V, o
Julius Caesar, o Brutus, o Marco
Antônio, o Macbeth, com a sua terrível
Lady, o Bessani, o Antônio, o genial agiota Shylock, e muitos,
muitos outros, todos eles meus amigos
íntimos, cuja "amizade " empenho-me em
preservar, através dos tempos. Terminada aquela
enriquecedora visita, que me
proporcionou o casal amigo, regressamos
a Londres, passando, antes pelo castelo, no qual residiu Sir Winston
Churchill ( 1874 - 1965 ), o grande
primeiro-ministro da Inglaterra, durante
a II Guerra Mundial. Grato, pela leitura, Reynaldo
Domingos Ferreira, jornalista, escritor
Brasília - DF, 21 de abril de 2021 |