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De: "REYNALDO
FERREIRA"
Data: Fri, 03 Feb 2006 16:08:12 -0200
Para: theresa.files@gmail.com
Assunto:ORGANIZAÇÕES GLOBO --Discurso
nacionalista, negócios nem tanto
Repassando, RDF
ORGANIZAÇÕES GLOBO
Discurso nacionalista, negócios nem tanto
Gustavo Gindre
(*)
No auge da sua crise de endividamento, as
Organizações Globo começaram uma série de
iniciativas visando transformar sua imagem.
Foram debates, seminários, anúncios
comerciais e muitas declarações a imprensa
para provar que, especialmente a sua TV, é a
quintessência da cultura nacional e guardiã
da língua portuguesa.
A estratégia ofensiva-defensiva visava
neutralizar as críticas que poderiam surgir
a um eventual empréstimo do BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social) feito em condições bastante
vantajosas.
A operação bancária não foi realizada (por
motivos que não cabem aqui detalhar), mas o
discurso se manteve, incluindo, agora, a
mitificação da imagem de Roberto Marinho e a
reconstrução da história do jornalismo
televisivo da Rede Globo.
Tudo isso visava preparar o ambiente para
que a Globo pudesse abandonar sua estratégia
malfadada de dominar as estruturas de
produção e transmissão de informações, para
se concentrar na produção de conteúdo.
Em outras palavras, o discurso nacionalista
surgia justamente no momento em que a Globo
vendia boa parte do seu capital para grandes
grupos estrangeiros.
E a lei?
A Lei da TV a Cabo (nº 8977/95) determina um
limite de 49% para a participação do capital
estrangeiro nas operadoras de cabo (aquelas
que detêm a rede física de transmissão).
Ocorre que Globo negociou a venda da Net
Serviços (a operadora do grupo) à Telmex, de
propriedade do homem mais rico da América
Latina, o mexicano Carlos Slim Helu.
Helu é dono, no Brasil, da empresa de
telefonia celular Claro, da Embratel e da
antiga AT&T Latin America. Faltava, contudo,
uma rede de cabos que pudesse chegar à casa
dos potenciais clientes a fim de oferecer
telefonia fixa e internet banda larga. Sem
isso, a Embratel ficava por demais
vulnerável ao ataque das outras teles fixas
(Telemar, Telefônica e Brasil Telecom).
A Net Serviços se encaixava como uma luva na
estratégia do grupo mexicano, mas a proposta
do senador Ney Suassuna (PMDB-PB) de retirar
qualquer limite ao capital estrangeiro nas
empresas de TV a cabo (igualando-as às teles
fixas e celulares e às empresas de TV por
assinatura via microondas e satélite) ainda
tramita no Congresso e não há prazo para a
sua aprovação.
Sendo assim, era necessário buscar algum
"contorno" para permitir que a Telmex
pudesse assumir o controle da Net Serviços,
a despeito do que diz a Lei da TV a Cabo.
Para superar os "limites" da legislação
foram contratados os mesmos advogados
(Barbosa Müssnich e Sérgio Bermudes) que
assessoraram o Banco Opportunity na compra
da Brasil Telecom, que terminou retirando da
direção da empresa os sócios Itália Telecom
e fundos de pensão das estatais. O processo
se transformou na maior batalha jurídica dos
últimos anos.
Foi, então, criada uma empresa, denominada
GB Empreendimentos e Participações (CNPJ
04.527.900/0001-42), que passou a deter 51%
das ações ordinárias (com direito a voto) da
Net Serviços.
A Telmex terá 37,5% das ações ordinárias da
Net Serviços. Portanto, menos que os 49%
determinados pela lei. Os restantes 11,5%
estarão pulverizados no mercado acionário.
Pelo menos por enquanto. Assim, a GB será a
nova sócia majoritária da Net Serviços. Mas,
quem é a GB?
Dos 51% das ações da GB na Net Serviços, 51%
estarão com a Globo e 49% com a Telmex. O
que corresponde, no capital total da Net
Serviços, a 26,01% das ações ordinárias com
a Globo e 24,99% com a Telmex.
Como a GB é a sócia majoritária da Net
Serviços e os 26,01% da Globo na Net
Serviços correspondem a 51% da GB, em tese a
Globo cumpre o disposto na Lei da TV a Cabo
porque mantém consigo o controle da Net
Serviços, por meio do controle da GB.
Mas a Telmex passa a controlar diretamente
37,5% das ações da Net Serviços e
indiretamente, através da GB, mais 24,99%.
Ou seja, ainda que não tenha formalmente o
controle da Net Serviços, a Telmex fica com
62,49% das ações ordinárias (com direito a
voto) da Net Serviços. E a Globo apenas com
24,99%.
Na prática, a Net Serviços passa a ser
mexicana, sem precisar alterar a lei 8977.
Basta, para isso, acrescentar um contrato
particular entre Globo e Telmex que garanta
a gestão mexicana do cotidiano da empresa.
Quando a proibição de controle estrangeiro
no cabo for suprimida no Congresso Nacional,
basta a Globo vender 2% do capital da GB à
Telmex e o controle de fato vira de direito.
Em tempo, 100% das ações preferenciais (sem
direito a voto) da GB também pertencem à
Telmex.
Como este processo de reestruturação da Net
Serviços é legal, ainda que questionável, a
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)
acabou aprovando-o através do Ato 48245, de
6 de dezembro de 2004.
Mais capital estrangeiro
Mas não foi apenas a Net Serviços que foi
vendida.
A Globo decidiu, também, diminuir sua
participação na empresa de TV via satélite
Sky Brasil. A Globo ficou com 28% das ações
ordinárias. E Rupert Murdoch com o restante.
Murdoch é o proprietário da Fox, da Sky e
acaba de adquirir a DirecTV para fundi-la
com sua plataforma de TV via satélite.
Assim, Murdoch passa a deter (Sky + DirecTV)
cerca de 95% do mercado brasileiro de TV por
assinatura via satélite.
Neste mesmo processo de concentração na
produção de conteúdo, a Globo vendeu sua
participação na antiga empresa de telefonia
celular Maxitel à Italia Telecom, que a
fundiu a outras empresas e criou a TIM.
Ainda para o capital estrangeiro a Globo
vendeu suas participações na operadora de
pager e call center Teletrim, na operadora
de telecom corporativo Vicom (à Comsat) e na
NEC do Brasil (tomada das mãos de Mário
Garnero na gestão de Antonio Carlos
Magalhães como ministro das Comunicações e
agora vendida de volta aos japoneses da
matriz).
A Globo também parece ter desistido da
criação de parques temáticos (depois de ter
comprado um imenso terreno na zona oeste da
cidade do Rio de Janeiro para esta
finalidade), assim como transformou sua
antiga gravadora Som Livre em uma loja
virtual e mera empacotadora de sucessos
alheios (no formato "pau de sebo") e
encerrou o setor de distribuição da Globo
Filmes (entregando esta tarefa para majors
como a Columbia Pictures, de propriedade do
grupo Sony).
Recentemente, a Globo vendeu sua parte da
loja virtual (canal de televisão, website e
revista) Shoptime às Lojas Americanas.
Agora, Shoptime, Americanas e Submarino
pertencem ao mesmo controlador, a GP
Participações (de propriedade de três dos
raros brasileiros que possuem patrimônio
superior a US$ 1 bilhão: Jorge Paulo Lehman,
Carlos Alberto Sicupira, Marcel Telles).
Cultura nacional?
A Globo mudou e hoje é menor, mais
concentrada naquele que é o seu grande
potencial: a produção de conteúdo. Isso é
legítimo.O que não parece correto é a forma
como este processo se deu.
Ao mesmo tempo em que alienava boa parte de
seu patrimônio para o capital estrangeiro
(inclusive permitindo concentrações
prejudiciais ao mercado e à própria
circulação de informações, como no caso Sky
+ DirecTV), a Globo alardeava ser a guardiã
da cultura nacional.
Se é a favor da cultura nacional, por que a
Globo é contra um sistema de TV digital que
multiplique o número de canais existentes,
permitindo o surgimento de várias outras
emissoras (e não apenas comerciais)?
Se é a favor da cultura nacional, por que na
Net Brasil não é transmitida a programação
do canal Rá-Tim-Bum (Cultura), enquanto por
lá circulam Cartoon Network e Boomerang
(Time Warner), Disney e Jetix (Disney),
Nickelodeon (Viacom) e Discovery Kids
(Discovery)?
Por que os assinantes de outras TVs a cabo
(que não a NET Brasil) não podem desfrutar
das modalidades esportivas transmitidas pelo
canal SportTV (GloboSat)? Afinal, NET Brasil
e GloboSat são empresas diferentes e a venda
exclusiva da programação de uma à outra fere
o direito econômico.
Se existe uma preocupação genuína com o
desenvolvimento nacional, por que tantas
empresas estratégicas para as
telecomunicações brasileiras foram vendidas
ao capital estrangeiro?
Essas e muitas outras respostas ainda pairam
no ar sem que a imprensa brasileira tenha
dado a devida divulgação ao debate.
(*) Jornalista
(UFF), mestre em Comunicação (UFRJ),
coordenador-geral do Instituto de Estudos e
Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs) e
integrante do Coletivo Intervozes
Publicado originalmente no
OI
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