Costumo falar com meus
botões. Eles estão sempre disponíveis e
são muito bons ouvintes. Sobretudo os de
quatro furos. Os de dois furos são mais
desatentos e só resolvem dar sinais de
sua existência quando estão pendurados
por um fio. Pois bem, enquanto assistia
alguns minutos da CPI da
Hidroxicloroquina, cochichei aos meus
botões: “Esse Senado não tem mais jeito.
A maioria assumiu sua degradação moral”.
Todos os 80 membros da
Casa conhecem a biografia de Renan
Calheiros. Ele foi o escândalo nacional
de 2007 a partir de uma denúncia da
revista Veja,
em maio daquele ano. Tivera uma ilha com
a jornalista Mônica Veloso e uma
empreiteira pagava a ela vultosa pensão
mensal. A partir daí, iniciou-se o que
ficou conhecido como Renangate. Durante
meses, sucederam-se apurações e
investigações envolvendo os negócios do
então presidente do Senado Federal. As
denúncias incluíam o uso de “laranjas”
para dissimular a compra de veículos
de comunicação em Alagoas, a venda
fictícia de 1,7 mil cabeças de gado para
empresas frias, com notas fiscais mais
frias ainda. Toda a boiada de Renan foi
vendida num período em que Alagoas
estava com as fronteiras fechadas para o
transporte de gado em virtude de um
surto de aftosa. E por aí foi o desastre
moral de Renan. De maio a setembro de
2007, ele foi o assunto preferido das
manchetes. A 12 de setembro, em sessão
secreta, o Senado votou proposta para
decretar a perda de seu mandato. Todos
os senadores compareceram à sessão. O
alagoano safou-se por uma diferença de
seis votos.
O mais interessante vem
agora. À medida que avançavam as
investigações da imprensa e se
desnudavam as artimanhas usadas para
justificar o injustificável, aumentou a
pressão da opinião pública. Quanto mais
Renan explicava, mais se enrolava. Sua
permanência no comando da mesa dos
trabalhos constrangia e afrontava o
decoro de todos os membros do poder.
Senadores pediam a palavra para dizer
que se sentiam constrangidos com a
presença dele na direção dos
trabalhos. Por fim, ele se licenciou da
presidência por 45 dias e, logo após,
renunciou ao posto, mantendo o mandato.
QUEM PODERIA
IMAGINAR, NAQUELA ÉPOCA, RENAN
CALHEIROS REELEITO SENADOR EM 2010,
PRESIDINDO NOVAMENTE O SENADO ENTRE
2013 E 2017 (JÁ SEM CONSTRANGIMENTO
DE QUEM QUER QUE FOSSE),
TORNANDO-SE, DOIS ANOS MAIS TARDE, O
GRANDE INQUISIDOR DE UMA CPI E
MANDANDO ABRIR AS CONTAS
DAQUELES CUJO DEPOIMENTO O
DESAGRADA.