"O Brasil é o único país no mundo..."
J. R. Guzzo | Revista Oeste
"O Brasil é o único país no mundo onde há
uma CPI “para investigar a covid” na qual o
presidente, um Omar Aziz, tem a seguinte
anotação em sua folha corrida: foi
investigado pela Polícia Federal por
corrupção XXXXL-plus na área de saúde. (Não
é piada; é o presidente mesmo.) Mais: sua
mulher foi para a cadeia acusada de meter a
mão em dinheiro público, também em questões
de saúde. (Também não é piada; é a mulher
dele mesmo, e foi mesmo para a cadeia.)
Mais: além da mulher, nada menos do que três
irmãos do homem foram presos nesse mesmo
rapa e, mais uma vez, não é piada.
Mais: dos 81 senadores que representam as 27
unidades da Federação, o escolhido para
presidir as investigações vem, justamente,
do Amazonas, o lugar onde mais se roubou no
Brasil, e possivelmente no mundo, por conta
das despesas públicas com a Covid-19. A PF,
por sinal, acaba de realizar busca e
apreensão na casa e nos escritórios do atual
governador do Estado, Wilson Lima, em mais
uma operação para combater a ladroagem na
compra de respiradores; um dos investigados,
um dono de hospital a quem ele deu um
contrato, recebeu a polícia à bala.
Não gostou do presidente? Espere, então,
pelo relator. Trata-se de ninguém menos que
Renan Calheiros — o “Atleta” da lista de
políticos corruptos registrados nos
computadores do departamento de roubalheira
da empreiteira Odebrecht, e um dos senadores
mais encrencados com a Justiça criminal em
todo o sistema solar.
A presença de Renan nesse picadeiro é ainda
mais inexplicável que a de Omar; do outro,
pelo menos, ninguém tinha ouvido falar até a
CPI. Mas o relator já está nessa vida há 30
anos. Como é possível que ele investigue
alguma coisa? Como é possível que dezenas de
pessoas que jamais tiveram o mínimo problema
com a polícia, ou que jamais
foram processadas por alguma coisa na
Justiça penal, sejam interrogadas por alguém
com a sua ficha? Renan, no papel misto de
delegado de polícia, promotor e juiz,
frequenta todos os dias as primeiras páginas
e horários nobres da mídia como se fosse um
Santo Tomás de Aquino, pelo menos. Mas ele é
apenas o Renan Calheiros de sempre, que
no momento responde a nove processos por
corrupção. (Não são dez, nem onze, nem doze:
as “agências de checagem de fake news” já
fizeram questão de dizer que tudo isso é
notícia falsa — são só nove processos penais
no lombo, nem um a mais. Ah, bom. Ainda bem
que avisaram).
O Brasil é o único país no mundo onde o
presidente da República é acusado de ser o
responsável por quase 500 mil mortes
causadas até agora pela Covid-19, pelo que
informam os atestados de óbito. No resto do
mundo já morreram, até agora, cerca de 3,5
milhões de pessoas; segundo a oposição, os
comunicadores e as classes intelectuais
brasileiras, desses 3,5 milhões, por volta
de 3,0 milhões não são culpa de ninguém. Só
os mortos do Brasil são culpa do governo.
O Brasil é o único país no mundo onde uma
campanha de vacinação que já aplicou perto
de 100 milhões de doses em pouco mais de
três meses é considerada um fracasso pelos
cientistas de oposição — sim, porque no
Brasil há tipos de ciência diferentes, a
ciência boa e a ciência ruim, conforme a
opinião política do cientista. Só três
países, em todo o planeta, vacinaram mais
que o Brasil. Dois deles são a China e a
Índia, os maiores produtores de vacinas do
mundo; além disso, a China tem 1,44 bilhão
de habitantes, e a Índia, 1,38 bilhão. O
outro são os Estados Unidos, país que tem um
PIB de 21 trilhões de dólares, mais de dez
vezes superior ao brasileiro, e também está
entre os maiores exportadores; o “auxílio
emergencial”, lá, equivale a mais de R$ 6
mil. Por que, então, o Brasil fracassou?
“Vacinas para todos”, pede oficialmente a
oposição. O país, na opinião da Frente
Nacional Pró-Vírus, já deveria ter vacinado
a população inteira, no mínimo — mesmo sem
produzir aqui um único frasco de vacina, e
depender 100% da importação de
matéria-prima estrangeira.
Os atrasos nas exportações de insumo por
parte da China não são culpa da China — são
culpa “do Bolsonaro”.
Há o argumento, também único, de que o
Brasil vacinou apenas um terço da sua
população total até agora — e a
Inglaterra, ou Israel, já vacinou quase todo
mundo. A Inglaterra tem um quarto da
população do Brasil, além de ser um dos
países que inventaram a vacina; Israel,
então, não chega a ter 10 milhões de
habitantes, e sua área é um pouco maior que
a ocupada pelo território de Sergipe. Faça
as suas contas.
O Brasil é o único país no mundo onde o
principal candidato da oposição, do centro
moderado e dos defensores da democracia às
eleições para presidente de 2022 é um ladrão
condenado legalmente pela Justiça, em
terceira e última instância, por nove juízes
diferentes, por ter praticado os crimes de
corrupção e lavagem de dinheiro. A mídia, o
mundo político e os institutos de “pesquisa"
de intenção de voto também já decidiram que
ele está eleito, quase um ano e meio antes
da eleição — escolhe-se, no momento, o seu
ministério, e discute-se a sério qual o
cargo que vai ser ocupado pela ex-presidente
Dilma Rousseff, que foi, ela própria,
despejada do Palácio do Planalto por fraude
contábil cinco anos atrás.
O Brasil, como outros países, tem uma lei
que proíbe réus condenados pela Justiça
penal de ocupar cargos públicos. Mas só aqui
se consegue manter uma lei em vigor e, ao
mesmo tempo, permitir que os interessados
não façam nada do que está escrito nela — a
saída, outra solução estritamente nacional,
é dizer que o réu foi julgado num lugar e
deveria ter sido julgado em outro. Nem é
preciso inventar que ele não cometeu os
crimes pelos quais foi condenado, ou perder
tempo com qualquer fato que envolva a
discussão de culpa ou de inocência: basta
dizer que erraram de “foro”.
O Brasil é o único país no mundo onde um
ministro do Supremo Tribunal Federal, a mais
alta corte de Justiça da nação — no caso, o
ministro Antonio Dias Toffoli — reúne em si
próprio, e ao mesmo tempo, as seguintes
condições:
• Foi reprovado duas vezes — isso mesmo:
duas vezes seguidas — no concurso público
para juiz de direito, o que significa o
seguinte, em português claro: ele não está
autorizado a julgar nem uma ação de despejo
na comarca de Arroio dos Ratos, por falta de
habilitação profissional, mas pode dar
sentença sobre qualquer coisa no tribunal
máximo do Brasil.
• Recebia, e só parou de receber depois que
descobriram, uma mesada de R$ 100 mil da
própria mulher, que é advogada num
escritório da capital federal com causas em
julgamento no tribunal onde o marido dá
expediente.
• Teve reformas na sua casa em Brasília, no
valor de R$ 15 mil, pagas por uma
empreiteira de obras públicas, quando já era
ministro do STF.
• É acusado de receber propinas no valor de
R$ 4 milhões e, no julgamento que o STF fez
do caso — sobre a validade da delação feita
contra ele —, não achou nada de mais em
julgar a si próprio. Também não achou nada
de esquisito em declarar a delação inválida
e, com isso, julgar-se inocente. Salvo o
ministro Marco Aurélio, nenhum dos seus dez
colegas de Corte Suprema imaginou que
Toffoli deveria abster-se do julgamento.
Ficamos assim, então. O ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles, pode ser
investigado já. O presidente da República
tem cinco dias para explicar por que não usa
máscara. O governo tem três anos para
resolver o problema das penitenciárias
no Brasil — tudo por decisão do STF. E
Toffoli? Nele é proibido mexer.
O Brasil é o único país no mundo onde as
pessoas existem ou deixam de existir,
fisicamente, conforme a percepção visual,
ética e política dos jornalistas. “Milhares
saem às ruas contra Bolsonaro”, anunciaram
alguns relatos sobre manifestações públicas
no último fim de semana. Deveria ter sido
noticiado, então, que “milhares saem às ruas
a favor de Bolsonaro”, quando aconteceu a
mesma coisa no fim de semana anterior,
certo? Errado. Fotos, vídeos e testemunhos
pessoais atestam a presença de gente nas
duas ocasiões. Mas, segundo a mídia
militante, há duas
categorias de gente, como no caso dos
cientistas — a gente que existe e a gente
que não existe."
"PS: eu acrescentaria: o Brasil é o único país no mundo em que a Justiça
garante os sigilos telefônico e bancário de
um assassino profissional preso em flagrante
por tentativa de homicídio de um candidato a
Presidente da República."
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Ver também:
Só no Brasil: o principal candidato da oposição
para 2022 é um ladrão condenado pela Justiça |
Jovem Pan
https://jovempan.com.br/opiniao-jovem-pan/comentaristas/j-r-guzzo/so-no-brasil-o-principal-candidato-da-oposicao-para-2022-e-um-ladrao-condenado-pela-justica.html |