Theresa Catharina de Góes Campos

     
 Perdão, ME PERDOE O POETA!

Para Octavio Paz, as palavras são como muralhas ondulantes e ásperas - podem se fazer luz para quem se arrisca. E ao falar na força de transformação que elas possuem, ele as compara a fênix, a romã e a espiga de eleusinia. E nos leva a contactar os símbolos da imortalidade. Assim como o sol, que na mitologia grega morre à noite, para renascer sempre pela manhã. Os mistérios, a abundância, a fecundidade. De lançar as sementes e fazer brotar a colheita, em uma espécie de morte e ressurreição.

Na verdade, é da poesia que fala o poeta. Da importância da revelação poética. Ele diz: apesar das variações históricas que o poema, encarnação do poético, possa revelar, tudo isso perde para o homem. Pois é o homem que percebe a criação. Aquele que cria. E mais, quanto ao que cria, esclarece, “se inicia como silêncio, esterilidade e seca. É uma carência e uma sede, antes de ser plenitude e um acordo: e depois é uma carência ainda maior.” Na verdade, continua o poeta, a inspiração vem do abismo, transformando as palavras em forças e realidades. E o poético consiste em nomear e é uma possibilidade. Uma contínua criação.

No entanto, é ao falar da relação entre o poeta e os leitores que suas palavras tocam profundamente meu coração. Afirma que o poeta fica sozinho e os leitores irão recriar o poema. O leitor percebe a imagem, entrega-se ao fluir das palavras, vê o abismo e se precipita. E esclarece: ao cair desprende-se de si mesmo para internar-se em “outro si mesmo”. Até então desconhecido ou ignorado. “Recitar é aspirar e respirar o mundo”. A poesia nos permite visitar outro tempo, que não é o convencional. É como dar um “salto” para outra margem, onde transfiguramos a história, transformamos, construímos o instante, o aqui e o agora. Provavelmente, como nos explicam “Os mistérios Eleúsios”, trata-se da libertação que, para Octávio, é obra do poema. O homem como possibilidade, uma relação de encantamento, de inspiração libertária, como a representação simbólica da alma, “de sua descida na matéria, de seus sofrimentos nas trevas, do esquecimento e depois sua ascensão à vida.” Como diz Vinicius de Oliveira Prado em seu trabalho “Octávio Paz e a compreensão do instante”: “A existência é a fenda e abertura em que o homem se encontra de antemão lançado, na tensão entre: superfície e profundidade, claro e escuro, descoberto e encoberto, o sim e o não”.

Me perdoe o poeta! Mas é a música que me faz descer até camadas mais profundas, me arriscar em abismos, encontrar com o tempo não convencional, experimentar os claros escuros da minha frágil humanidade,
a esterilidade e a seca e tentar ressurgir. Música que, frequentemente, parece me levar a caminhar em meio às dores da vida, mas de certa forma, liberta e transformada. Ela me transporta a mundos desconhecidos, me surpreende com meu outro Eu a esperar na esquina. Aquele desconhecido ou ignorado. Sim, é inspiração libertária este som que me descobre novas paragens, angústias reconhecidas, culpas e nostalgias. E no contato com tamanha beleza, renascer depois, mesmo sabendo que os abismos estão sempre por aí. Como o tempo fugidio e a finitude de tudo. Assim me encontrei ao ouvir Eva Cassidy com sua voz e interpretação belíssimas, cantando uma versão excepcional de “Over the Rainbow”.

“Um dia eu farei um pedido a uma estrela/ acordar em um lugar onde as nuvens estão bem atrás de mim/ onde os problemas derretem como balas de limão/ Bem acima do topo de uma chaminé, / é lá que você me encontrará/ Em algum lugar além do arco íris.” Obrigada meu caçula, você me deu um lindo presente!

LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
7/2021
 

Jornalismo com ética e solidariedade.