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ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO?
Seria risível, não fosse trágico, convivermos em
uma sociedade de tantos privilégios. Na qual a
desigualdade se estende não somente a posse de
bens e perspectivas de vida, assim como a
direitos que estabelecem uma ruptura com o
sentido de democracia. E nos dividem em cidadãos
comuns e os que fazem parte de uma realeza. Nem
sempre muito cheirosa. Sem falar ainda que, ao
determinarmos como serão tratados pela Justiça
as duas categorias de cidadãos, duvidamos da
própria Justiça. Nós a prostituimos, a
esvaziamos de sentido, considerando que a
aplicação das Leis e seus infindáveis recursos
não são suficientes para a proteção dos réus. É
sob esse aspecto que a imunidade parlamentar e o
foro privilegiado aparecem para muitos de nós.
Em um regime que alardeia a Lei será igual para
todos. Até certo ponto!
O foro privilegiado ou por prerrogativa de
função, assegura ao cidadão que a exerce o
direito de ser investigado, processado e julgado
por órgão judicial designado. Diferente daquele
ao qual se submeterá o indivíduo comum. Do tempo
do Império Romano e por influência da Igreja
Católica, em lugar de ser extinto à medida das
conquistas democráticas do Estado de Direito
foi, ao contrário, abrangendo cada vez mais
categorias. De modo que a lista de pessoas com
direito ao foro privilegiado no Brasil é
incalculável.
Quanto à imunidade parlamentar, é realmente de
assustar! Ela inclui o aspecto material e
formal. No primeiro, o parlamentar é inviolável
civilmente por suas opiniões, palavras e votos.
O aspecto formal inclui o direito ao foro por
prerrogativa de função, o de ser processado por
órgão funcional previamente designado. E vai
muito mais além: o parlamentar somente será
preso em flagrante por crime inafiançável, como
o deputado Daniel da Silveira. Mas a Casa
Legislativa terá de se pronunciar. E pode ainda
sustar processo criminal por crimes praticados
após a diplomação. Dispensando ainda o
parlamentar de testemunhar sobre informações
relacionadas ao exercício do mandato. Ao sustar
processo criminal, a Casa Legislativa se
sobrepõe à Justiça.
Se você divide a sociedade em casta privilegiada
e cidadãos comuns em matéria de aplicação da
Justiça, você não acredita que a Justiça se
faça. Duvida-se da própria essência do processo
judicial. O que é um vitupério, uma injúria.
Ainda mais que, ao proteger os cidadãos de
“primeira classe”, a Justiça se lentifica em
relação a finalização dos processos e devida
penalidade. Desde que o STF extinguiu a prisão
em segunda instância. Vejam as rachadinhas! Em
primeiro lugar, qual cidadão, por um senso comum
de legalidade, duvidaria que é uma prática
ilegal, imoral e perversa para a sociedade?
Quando recursos públicos são utilizados para
enriquecimento ilícito do parlamentar,
envolvendo seus assistentes. A maioria
improdutivos, incapazes, meros cabos eleitorais.
Muitos sem nem comparecer ao trabalho? E o tempo
dos processos é tão imprevisível! Eles correm de
um lugar para outro, como se ninguém quisesse a
batata quente na mão. E é incompreensível que
juízes encontrem no Direito saídas tão
sofisticadas para validar certas decisões e
demorem tantos em outros casos. E é um cúmulo
que após decisão judicial, se for parlamentar, a
Casa Legislativa tenha de aprovar. Calem-se
todas as vozes, pois a Justiça se torna
dependente dos interesses corporativos de uma
casta. Agora mesmo, mais uma vez, o STF adia o
julgamento sobre o foro privilegiado de um
senador no caso de rachadinhas. Por todos os
deuses, é de fato de Justiça que se está
falando? Fazem mais de dois anos o caso rolando,
o réu em liberdade como tantos outros.
E os casos se sucedem. Como a ré saindo livre de
um Tribunal após ser condenada a 67 anos de
prisão. Sem previsão de novo julgamento. Pois o
tempo no Brasil, perversa e vergonhosamente, é
sem limites e sempre pró réu. Estado democrático
de Direito? Mesmo que em construção, estamos na
Idade Média. (08/2021/)
LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO |
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