Theresa Catharina de Góes Campos

 

 

 
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO?

Seria risível, não fosse trágico, convivermos em uma sociedade de tantos privilégios. Na qual a desigualdade se estende não somente a posse de bens e perspectivas de vida, assim como a direitos que estabelecem uma ruptura com o sentido de democracia. E nos dividem em cidadãos comuns e os que fazem parte de uma realeza. Nem sempre muito cheirosa. Sem falar ainda que, ao determinarmos como serão tratados pela Justiça as duas categorias de cidadãos, duvidamos da própria Justiça. Nós a prostituimos, a esvaziamos de sentido, considerando que a aplicação das Leis e seus infindáveis recursos não são suficientes para a proteção dos réus. É sob esse aspecto que a imunidade parlamentar e o foro privilegiado aparecem para muitos de nós. Em um regime que alardeia a Lei será igual para todos. Até certo ponto!

O foro privilegiado ou por prerrogativa de função, assegura ao cidadão que a exerce o direito de ser investigado, processado e julgado por órgão judicial designado. Diferente daquele ao qual se submeterá o indivíduo comum. Do tempo do Império Romano e por influência da Igreja Católica, em lugar de ser extinto à medida das conquistas democráticas do Estado de Direito foi, ao contrário, abrangendo cada vez mais categorias. De modo que a lista de pessoas com direito ao foro privilegiado no Brasil é incalculável.

Quanto à imunidade parlamentar, é realmente de assustar! Ela inclui o aspecto material e formal. No primeiro, o parlamentar é inviolável civilmente por suas opiniões, palavras e votos. O aspecto formal inclui o direito ao foro por prerrogativa de função, o de ser processado por órgão funcional previamente designado. E vai muito mais além: o parlamentar somente será preso em flagrante por crime inafiançável, como o deputado Daniel da Silveira. Mas a Casa Legislativa terá de se pronunciar. E pode ainda sustar processo criminal por crimes praticados após a diplomação. Dispensando ainda o parlamentar de testemunhar sobre informações relacionadas ao exercício do mandato. Ao sustar processo criminal, a Casa Legislativa se sobrepõe à Justiça.

Se você divide a sociedade em casta privilegiada e cidadãos comuns em matéria de aplicação da Justiça, você não acredita que a Justiça se faça. Duvida-se da própria essência do processo judicial. O que é um vitupério, uma injúria. Ainda mais que, ao proteger os cidadãos de “primeira classe”, a Justiça se lentifica em relação a finalização dos processos e devida penalidade. Desde que o STF extinguiu a prisão em segunda instância. Vejam as rachadinhas! Em primeiro lugar, qual cidadão, por um senso comum de legalidade, duvidaria que é uma prática ilegal, imoral e perversa para a sociedade? Quando recursos públicos são utilizados para enriquecimento ilícito do parlamentar, envolvendo seus assistentes. A maioria improdutivos, incapazes, meros cabos eleitorais. Muitos sem nem comparecer ao trabalho? E o tempo dos processos é tão imprevisível! Eles correm de um lugar para outro, como se ninguém quisesse a batata quente na mão. E é incompreensível que juízes encontrem no Direito saídas tão sofisticadas para validar certas decisões e demorem tantos em outros casos. E é um cúmulo que após decisão judicial, se for parlamentar, a Casa Legislativa tenha de aprovar. Calem-se todas as vozes, pois a Justiça se torna dependente dos interesses corporativos de uma casta. Agora mesmo, mais uma vez, o STF adia o julgamento sobre o foro privilegiado de um senador no caso de rachadinhas. Por todos os deuses, é de fato de Justiça que se está falando? Fazem mais de dois anos o caso rolando, o réu em liberdade como tantos outros.

E os casos se sucedem. Como a ré saindo livre de um Tribunal após ser condenada a 67 anos de prisão. Sem previsão de novo julgamento. Pois o tempo no Brasil, perversa e vergonhosamente, é sem limites e sempre pró réu. Estado democrático de Direito? Mesmo que em construção, estamos na Idade Média. (08/2021/)

LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO
 

Jornalismo com ética e solidariedade.