Uma
das coisas mais
prodigiosas ditas
pela mídia em sua
desesperada
cobertura das
manifestações
públicas em favor de
Jair Bolsonaro e
contra seus
inimigos, a começar
pelo STF, é que o
presidente está
“isolado”, ou mesmo
“totalmente
isolado”. Na hora em
que disseram isso,
na televisão, as
imagens mostravam a
Avenida Paulista
e as
ruas vizinhas
ocupadas por um mar
sem fim de gente —
talvez 250.000
pessoas, talvez
mais, não tem a
menor importância; é
óbvio que estava ali
a maior multidão
que foi para as ruas
desde a campanha
pelas “Diretas Já”,
ou pelo “Fora Dilma”
de 2016. Então: como
assim, “isolado”?
Justo na hora em que
Bolsonaro dava a
mais
evidente demonstração
de sua força popular
vão dizer que ele
está sem força? Não
podiam dizer isso
numa outra hora
qualquer? É surreal.
Foi
comum durante o Dia
7 de Setembro, e vem
sendo cada vez mais
comum no noticiário
político: as imagens
mostram a realidade
— aliás, a única
realidade que existe
—, e os jornalistas
dizem o contrário
daquilo que o
público está vendo.
Todo mundo viu, é
claro, que a mídia
brasileira tida como
“importante” se
afundou num colapso
nervoso
incontrolável desde
que os fatos
começaram a mostrar
que o povo estava a
caminho de forrar a
Paulista, a
Esplanada dos
Ministérios e a
Praia de Copacabana,
entre muitos outros
lugares, com
uma manifestação
gigante de massas.
Os jornalistas que
acompanharam o
episódio já
tinham decidido que
seria o contrário;
só estavam
preparados para
dizer que os atos
pró-Bolsonaro seriam
um fracasso fatal
para o presidente,
que o povo estava na
praia, que haveria
mortes e sabe lá
Deus quantos
horrores mais.
Quando aconteceu o
oposto do que já
tinham decidido que
iria acontecer, seus
circuitos mentais
cederam e a
cobertura entrou em
pane. Não havia um
plano “B”. O plano
“B” que lhes ocorreu
foi radicalizar o
plano “A”.
É
como se a
imprensa, no
Brasil,
estivesse
tentando
tornar-se um
grande Pravda
Na
mesma linha de
militância,
publicou-se uma foto
da Avenida Paulista
lotada
de manifestantes de
verde e amarelo, no
dia 7 de Setembro,
com os seguintes
dizeres: “Milhares
se manifestam contra
Bolsonaro na Avenida
Paulista”. Outra
foto, agora
da minúscula
manifestação contra
os “atos
antidemocráticos” e
contra o presidente,
com bandeira
vermelha e tudo, ia
na direção
exatamente oposta:
“Manifestantes dão
apoio a Bolsonaro”.
Analistas políticos,
falando enquanto a
televisão mostrava
as imagens aéreas da
multidão em São
Paulo, diziam que
“os índices de
popularidade de
Bolsonaro nunca
foram tão baixos”. O
que aquela gente
toda estava fazendo
na rua, então? É
um caso evidente,
mais um, em que a
mídia substitui a
realidade registrada
em público,
com vídeo e áudio,
pelos comunicados do
Datafolha. Outro
recurso, utilizado
do começo ao fim da
cobertura, foi dizer
que o número de
manifestantes era
“muito inferior” ao
que Bolsonaro
esperava — ou seja,
a multidão que o
sujeito estava vendo
à sua frente (ou ao
seu lado, para os
que foram à rua) era
a prova de “um
fracasso”.
Imagem publicada no
Instagram do jornal O
Estado de S. Paulo no dia
12 de setembro,
quando aconteceram
as manifestações
contra o presidente
Jair Bolsonaro:
Imagens disponíveis
para venda no banco
de imagens do
Estadão Conteúdo,
com fotografias
sobre as
manifestações dos
dias 7 e 12 de
setembro:
A
coisa foi por aí
afora — uma coleção,
exibida horas a fio,
de afirmações
desconexas, falsificação
maciça de fatos,
momentos de histeria
e, do começo ao fim,
puro e
simples rancor em
estado sólido. Tudo
bem, é claro, se
essas coisas são
feitas pelo
departamento de
propaganda Lula-PT,
ou por militantes da
“terceira via” e de
outras bobagens
parecidas — política
é assim mesmo, um
ringue de terceira
classe onde qualquer
golpe sujo
está sempre valendo.
Mas o noticiário da
imprensa não é, em
nenhuma democracia,
uma atividade
política — isso é
coisa de ditadura
com jornal único. De
órgãos de
comunicação em
regimes livres
esperam-se conduta,
regras e
procedimentos de
quem se
compromete com a fé
pública — e não o
que está sendo feito
na mídia brasileira
de hoje, em que
a militância
política aberta
passou a ser vista
como um direito, ou
mesmo um dever
do jornalista.
É
como se a imprensa,
no Brasil, estivesse
tentando tornar-se
um grande Pravda,
o jornal oficial da
antiga Rússia
comunista. Já
criaram, na covid,
um “consórcio”
de órgãos de
comunicação que se
obrigam a publicar
as mesmas
informações, em
regime de veículo
único. As
manifestações
pró-Bolsonaro foram
uma visão de como
seria um consórcio
no noticiário das
questões nacionais;
ele não existe, ou
ainda não existe,
em contrato
assinado, mas já
está existindo na
prática. Nesse caso,
no mundo mental
dos jornalistas
brasileiros, não
deve haver a
“diversidade” que
deixa todos tão
excitados nos demais
assuntos; em
política, ao
contrário,
especialmente quando
se trata de Jair Bolsonaro,
a diversidade é
terminantemente
proibida. Só é
permitido escrever e
falar contra.
A
mídia brasileira
pode estar sendo
apenas um
espelho de si
própria
Surge
dessa unanimidade de
imprensa com
genética comunista,
na verdade, o
incômodo que um
número cada vez
maior de brasileiros
comuns vem sentindo
no seu dia a
dia. Eles não
“entendem de
política”, não fazem
parte da bolha
intelectual e vivem
conectados a
atividades que se
destinam a fazer o
país funcionar, em
vez de fazer “um
mundo melhor”. Esse
desconforto pode ser
resumido numa
pergunta frequente:
“Por que nada do que
eu leio, ouço ou
vejo na imprensa
combina com o que eu
penso ou sinto?” O
cidadão fica
sem entender. Não há
uma vez, nunca, que
ele entre em contato
com a mídia e
encontre
alguma coisa com a
qual esteja de
acordo. Aí vem a
dúvida: será que eu
estou maluco? Será
que ninguém pensa
como eu, ou acha a
mesma coisa que eu
sobre assunto
nenhum? Será
que todo mundo está
errado e só eu estou
certo? Você sabe que
não perdeu a sua
capacidade de
raciocinar com base
na lógica comum. Que
diabo está
acontecendo, então?
Essas dúvidas abrem
a oportunidade de
pensar em algo muito
interessante: e se
esse todo
mundo não
for mesmo todo o
mundo? Ou, em outras
palavras: e se forem
eles, e não você,
que estão na
minoria? Nesse caso
quem está isolada é
a imprensa. Junto
com o mundinho dos
intelectuais e
artistas, dos
“especialistas” que
dão 100% das
entrevistas sobre
qualquer assunto, de
transgêneros a
queimadas na
Amazônia, e dos
cientistas sociais,
políticos e de todos
os tipos que
aparecem nas
mesas-redondas
depois do
horário nobre, a
mídia brasileira
pode estar sendo
apenas um espelho de
si própria, e não
da realidade. O
fato, indiscutível,
é que as ruas do
Brasil foram tomadas
por centenas de
milhares de pessoas
no dia 7 de Setembro
— no exato momento
em que os meios de
comunicação e o seu
entorno estão
dizendo que as
manifestações são um
fracasso, ou, pior
ainda, um “erro”. Da
mesma forma, os
protestos contra
Bolsonaro e a favor
do STF e do “Estado
de direito” foram
uma humilhação para
quem tomou parte
nelas, a começar
pelos quatro, cinco
ou seis
“candidatáveis”
(tanto faz) que
participaram
do fiasco. Não é o
cidadão, aí, quem
está falando
sozinho.
As
manifestações de 7
de Setembro
serviram, talvez
mais que qualquer
outra coisa, para
devolver aos
brasileiros comuns a
confiança em sua
própria cabeça.
Quando alguém diz
que a presença
livre, espontânea e
pacífica de
multidões maciças na
rua é um ato
“antidemocrático”, é
esse alguém, e não
você, quem está com
um problema severo
de rompimento com a
realidade. Pense
nisso.