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LIVROS, EDUCAÇÃO E LITERATURA -
Reynaldo Domingos Ferreira e Gustavo Bertoche
Guimarães
De: Reynaldo
Domingos Ferreira
Date: sex., 8 de out. de 2021
Subject: Livros
Repassando: Um artigo memorável, este, em
anexo, assinado por Gustavo Bertoche
Guimarães, Diretor da Escola Solar, de
Teresópolis, professor da Universidade
Iguaçu, que põe em evidência, o
emburrecimento da sociedade
brasileira, bastante perceptível, por sinal,
cujo QI, nos últimos cem anos - transição do
Império, para a República, que ele
naturalmente não lembra - sofreu brutal
queda de quase 10 pontos, talvez única
registrada, na história da humanidade. Em
decorrência disso, como observa o
articulista, o QI médio dos brasileiros é de
87, o que nos coloca certamente no limite da
deficiência intelectual. A razão dessa
situação calamitosa é certamente o índice
baixíssimo de leitura, no país, onde livro,
como assinala o articulista, amparando-se,
em " Policarpo Quaresma " ( 1915), de Lima
Barreto, só serve como objeto de adorno.
Ninguém quer saber de ler para se ilustrar.
É, na verdade, um país de idiotas.
Como homem de esquerda, Bertoche
Guimarães também isenta, não podia
deixar de ser, de responsabilidade a
influência de Paulo Freire sobre o
processo de deterioração no ensino no
país, que, a meu ver, foi tão maléfica -
eu convivi com vários professores, que
seguiam o seu método, repressor de
leitura -, como a comercialização
imposta, pelo regime militar, através da
proliferação de cursinhos, de todo
naipe, que não ensinam absolutamente
nada aos jovens. Mas enriqueceu muita
gente. O resultado disso é, como diz o
professor de Teresópolis, citando o
Prêmio Nobel de Física, Richard Feynman,
convidado a lecionar, para uma turma de
pós-graduação, no Rio de Janeiro, em
1952, que, numa conferência, de
despedida, afirmou que, no sistema
educacional brasileiro " os alunos nada
aprendem senão decorar textos e
fórmulas, para depois não saber
como aplicar isso."
Ele clama que os nossos governantes, na
maioria, incultos, nunca pensam em criar
um projeto de educação. Critica
os currículos escolares. A proliferação
de academias de ginásticas e a redução
de livrarias. Condena principalmente o
modelo de ingresso no ensino superior,
que consiste, ao que observa, em provas
abrangentes de uma quantidade
sobre-humana de conhecimentos, que, a
seu ver, não mede nada, além de
concentração, memorização e repetição.
Em seguida, o professor Bertoche
Guimarães indaga: - E o que a literatura
de um povo tem a ver com o QI?... E ele
próprio responde: - Tudo, amigos, tudo."
A propósito desse artigo de Bertoche
Guimarães, é bom saber, pelo Le Monde,
que esta semana, até o dia 10, está
se realizando, em Paris, um evento muito
interessante, intitulado, " Faça leitura
", em que vários escritores franceses
estão prestando depoimentos, em um dos
museus da cidade, sobre aqueles que, no
passado, despertaram neles o grande,
eterno, prazer da leitura. Agora,
perguntem se, neste país de idiotas,
alguma instituição - biblioteca ou museu
- seria capaz de promover um evento
semelhante. Nunca. Jamais.
Já entrei, na Biblioteca Nacional de
Brasília, um mausoléu, criado por
Niemeyer, onde, em plena tarde,
encontrei uma porção de bibliotecárias
tirando a sesta, com a cabeça apoiada
sobre suas mesas de " trabalho ". Mas,
incentivado pelo evento, que está
acontecendo, em Paris, lembrei-me muito
do meu estimadíssimo professor Santino
Gomes de Matos - que já merecia ter seu
nome registrado, em um dos logradouros
públicos de Uberaba -, pois foi ele quem
me encaminhou para a leitura,
que comecei pela belíssima obra do nosso
maior escritor, Machado de Assis!...
Grato pela leitura.
Reynaldo Domingos Ferreira, jornalista,
escritor
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QI, EDUCAÇÃO E LITERATURA
Gustavo Bertoche Guimaraes
O QI médio em praticamente todos os
países do mundo cresceu muito nos
últimos 100 anos.
Na Alemanha e nos EUA, o crescimento
do QI médio foi de mais de 30
pontos. No Quênia e na Argentina,
foi de cerca de 25 pontos. Na
Estônia e no Sudão, foi cerca de 12
pontos.
No Brasil aconteceu justamente o
contrário. A queda do QI foi de
quase 10 pontos nos últimos 100
anos. Talvez esse emburrecimento
generalizado seja único na história
da humanidade. O nosso QI médio é de
87, o que nos coloca, na média, no
limite da deficiência intelectual.
* * *
Esse fenômeno bizarro tem tudo a ver
com o nosso modelo de (des)educação
escolar. Nada a ver com Paulo
Freire, amigos. A coisa vem de muito
antes. Em 1915, Lima Barreto
revelava a cultura das aparências no
Brasil: ao saber que Policarpo
Quaresma possuía uma biblioteca
particular, o doutor Segadas
pergunta para que tantos livros, se
não era nem formado. Não lhe ocorre
que Policarpo tenha livros porque os
leia: para o doutor, uma biblioteca
não passa de um adorno ao diploma. É
assim há mais de cem anos: no
Brasil, quase sempre os livros
servem não para ampliar o
nosso mundo interior, mas como sinal
exterior de status.
Em 1951, o prêmio Nobel de física
Richard Feynman aceitou o convite
para lecionar, no Rio de Janeiro,
para uma turma de pós-graduação. Em
05 de maio de 1952, no fim da sua
experiência docente no Rio, Feynman
fez uma conferência
que, quase setenta anos depois,
ainda repercute fundo na ciência
brasileira. Nessa conferência, expôs
o nosso sistema educacional: ele
descreveu um sistema em que os
alunos não aprendem nada senão a
decorar textos e fórmulas, e
não imaginam o que fazer depois com
isso. Feynman diz na sua
autobiografia que aparentemente
havia no Rio de Janeiro uma
Universidade, com uma lista de
cursos, com descrições desses
cursos; mas que essa aparência não
passava de uma ilusão, e que
surpreendentemente no Brasil não
existia, de fato, nem Universidade,
nem ciência.
Paulo Freire - que a direita, sem o
ler, adotou como o novo vilão da
educação nacional - publicou a sua
"Pedagogia do Oprimido" em 1968:
cinquenta e três anos após "Triste
fim de Policarpo Quaresma" e
dezesseis anos depois do
diagnóstico demolidor de Feynman. Se
Paulo Freire é o responsável pela
situação deplorável da educação e da
inteligência brasileira, então
estamos diante de um extraordinário
caso de efeito anterior à própria
causa.
O fato é que a educação brasileira é
muito ruim há pelo menos cem anos,
amigos.
* * *
E a educação brasileira tem sido
muito ruim porque nunca houve, em
nosso país, um projeto de educação.
Jamais - jamais!
- os nossos governantes e gestores
do primeiro escalão se perguntaram
por que educar. Nunca se puseram a
questão: "quem nós queremos que as
nossas crianças sejam aos dezoito
anos? como queremos que elas
compreendam o mundo? o que queremos
que elas saibam, o que queremos que
elas saibam fazer?".
O resultado é que o nosso currículo
escolar é uma colcha de retalhos sem
nenhum propósito, um currículo que
macaqueia desastradamente os
currículos de outros países.
Daí vem uma surreal consequência: a
única meta de todo o ensino básico
se torna o vestibular, um vestibular
com um programa duas vezes absurdo -
absurdo por sua extensão alucinada e
absurdo por sua desconexão com a
vida do espírito e da sociedade.
* * *
O nosso modelo de ingresso no ensino
superior - que consiste em provas
que abrangem uma quantidade
sobre-humana de conhecimentos - não
mede nada além da capacidade de
concentração, memorização e
repetição. Não por acaso,
os professores mais reputados nos
cursinhos preparatórios são
justamente os especialistas em
mnemotécnica: são aqueles que criam
os poemas mais picantes para se
decorar a Tabela Periódica, que
inventam as melhores melodias para
se guardar várias fórmulas de física
e que adestram os alunos com
esquemas pré-fabricados de redação
para qualquer tema.
Neste nosso modelo, o bom candidato
ao ensino superior se torna profundo
conhecedor... de métodos de realizar
provas. E, por não ter compreendido
realmente nada, no dia seguinte ao
vestibular se esquece de tudo o que
passou dez anos estudando.
Surge daí a tradição - identificada,
com assombro, por Feynman - do
"estudar para a prova", das
musiquinhas de decoreba, dos
cursinhos preparatórios: saber os
macetes para tirar boas notas nas
avaliações importa mais do que
verdadeiramente saber aquilo que se
estuda. A nossa escola nada ensina -
a não ser como tirar boas notas. O
nosso currículo oculto é o
da valorização dos diplomas - e o da
desvalorização do conhecimento.
Ora, amigos, Platão já sustentava,
há vinte e cinco séculos, a
impossibilidade da existência de uma
sociedade sã sem um sistema
educacional saudável. O nosso
sistema educacional, com um
currículo inacreditavelmente
extenso, mas absolutamente sem
propósito, é justamente o oposto
disso. Como querer que o Brasil seja
um país com bons cidadãos, se o
nosso currículo oculto parece ter
sido elaborado com a finalidade de
formar indivíduos frívolos, vaidosos
e ignorantes?
* * *
Isso explica uma característica das
cidades brasileiras contemporâneas:
a enorme quantidade de academias de
ginástica, fenômeno sem par no
mundo, e a ínfima quantidade de
livrarias.
Um povo que coloca a preocupação com
a "barriga tanquinho" em primeiro
lugar na sua vida revela, com isso,
qual é o seu horizonte existencial e
que marca pretende deixar na
História.
Amigos, o Brasil é o país com maior
número de cirurgias estéticas per
capita no mundo inteiro. Os EUA
fizeram cerca de 300 mil cirurgias
plásticas a mais do que as 1.224.300
realizadas no Brasil em 2017, mas
têm uma população 60% maior do que a
brasileira.
Por outro lado, o povo brasileiro
está entre aqueles com menor
quantidade de livrarias per capita
em todo o planeta. São Paulo,
sozinha, tem o dobro da quantidade
de automóveis da Argentina inteira.
Mas Buenos Aires, sozinha, tem o
dobro da quantidade de livrarias de
São Paulo.
O brasileiro acha muito caro pagar
cinquenta reais por um livro, mas
faz dívidas astronômicas para
comprar um automóvel. Isso ilustra o
nosso problema civilizacional: somos
o país da posse inculta. Somos o
exemplo acabado da síndrome
socrática de Dunning-Kruger: tão
abissalmente ignorantes que não
sabemos nem que somos o povo mais
ignorante do mundo.
* * *
A consequência disso é evidente.
Nestes anos, tenho ouvido e lido
profissionais liberais, magistrados,
jornalistas e - pasmem - professores
universitários com uma nítida
dificuldade de descrever as suas
intuições e percepções, ou com uma
evidente incapacidade de efetuar as
operações lógicas mais simples num
debate.
É fácil atestar essa decadência:
basta visitar uma livraria - se você
encontrar alguma, é claro - e buscar
um romance de qualquer escritor
brasileiro contemporâneo. Raríssimos
serão os livros que não apresentarão
uma vulgaridade
estrutural, sintática, vocabular
desoladora.
Ou seja: ter recebido a educação
escolar e universitária no Brasil
nas últimas décadas é praticamente
uma condenação à impotência
discursiva.
* * *
E o que a literatura de um povo tem
a ver com o QI? Tudo, amigos, tudo.
É por meio da linguagem que nós
pensamos o mundo. Por meio da
estrutura sintática da língua
intuímos a estrutura lógica do
Cosmos. Sartre está certo quando nos
diz que "nosso pensamento não vale
mais do que a nossa linguagem e
deve-se julgá-lo pela forma com que
a utiliza". Se não lemos boa
literatura, falamos e escrevemos
mal; se falamos e escrevemos
mal, pensamos mal; se pensamos mal,
nós saímos mal nos testes de QI.
Para nos tornarmos mais
inteligentes, é preciso desenvolver
uma faculdade comunicativa que vá
além dos grunhidos mais ou menos
elaborados com os quais
expressamos os desejos, as sensações
e as opiniões imediatas.
Geralmente, é na escola que tomamos
contato, pela primeira vez, com a
estruturação formal da nossa língua
- não somente por meio das aulas de
Gramática, mas, principalmente, por
meio dos contos, romances e poemas
que somos obrigados a ler.
Mas lemos pouco - e lemos mal.
Lemos pouca literatura de língua
portuguesa de qualidade, e
simplesmente ignoramos o cânone
literário de todas as
outras línguas.
Como podemos ombrear com os outros
povos do mundo se não conhecemos o
fundo cultural no qual os debates
civilizacionais são travados?
Amigos, as trocas civilizacionais
profundas não se dão no plano da
conversa do taxista de aeroporto,
não se dão em termos de cantores da
moda e jogadores de futebol.
A não ser que deliberadamente
queiramos nos posicionar como a
nação do QI médio 87, a nação dos
bobos-alegres.
* * *
O nosso sistema educacional é, na
verdade, um sistema inteiramente
deseducacional. Ele não aumenta a
nossa inteligência: ele a reduz.
Se o nosso sistema educacional
continuar centrado na prova, não
haverá saída para a nossa
civilização: acabaremos
por desaparecer não por consequência
de uma invasão estrangeira ou de uma
guerra civil, mas por pura inaptidão
para a existência.
Para salvarmos a civilização
brasileira, precisamos salvar a
escola. E a escola somente será
salva caso passe a fazer o que
nunca fez: a educar - isto é: caso
ensine, antes de mais nada, a ler,
escrever e falar bem.
Finalmente, amigos, para ler, para
escrever, para falar bem - isto é:
para pensar bem -, só há um caminho:
o caminho da boa literatura e da
prática da escrita e do debate.
Justamente o que mais falta nas
nossas escolas, tão ocupadas com
todo o resto.
Gustavo Bertoche
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