O trabalho do
STF não é mais aplicar a Constituição, mas
decidir como o País tem de se comportar
*J.R. GUZZO,
Editor da Revista Oeste*
O Brasil está
sem governo.
O governo não
consegue sequer baixar uma portaria
lembrando que o cidadão tem o direito legal
de não ser demitido do emprego caso se
recuse a tomar vacina.
O problema é
que no Brasil de hoje não existe governo
nenhum no alto da árvore. Quem tem a
obrigação legal, política e moral de
governar não está governando – ou, muito
pior ainda, um dos Três Poderes está
impedindo ativamente os outros dois de
governarem, com a ilusão de que governa
tudo; no fim das contas, acaba sem governar
nada, pois o que governa é apenas a
desordem. Não há mais uma Constituição em
vigor; ela é desrespeitada, caso após caso,
pelo Supremo Tribunal Federal. Não há
segurança jurídica, pois cidadãos e empresas
não sabem, simplesmente, se a lei de hoje é
a mesma de ontem, e se vai estar valendo
amanhã. Ninguém sabe, também, se quando o
Congresso aprova algum
projeto é à
ganha ou é à brinca. Juízes, procuradores e
outros barões da Justiça, que dão a si
próprios salários de R$ 80 mil por mês, ou
mais, paralisam quando bem entendem a
administração pública. Decisões econômicas
cruciais não podem ser tomadas. A lei diz
que não pode haver presos políticos no
Brasil; há presos políticos no Brasil. A lei
garante a liberdade de expressão; as pessoas
são punidas por expressarem suas opiniões.
Investiga-se, julga-se e pune-se crimes que
não
existem no
Código Penal Brasileiro, como o de
“desinformação”, ou o de fake news. Não há
mais independência de poderes; o Congresso e
o Executivo nunca sabem, nunca mesmo, se as
suas decisões vão valer ou não. Se isso não
é desordem, então o que é?
O Executivo,
com certeza, não manda nada. Mandar como, se
as suas decisões mais simples são
abertamente desrespeitadas? O governo não
consegue sequer baixar uma portaria. O
Presidente Jair Bolsonaro quis nomear, como
é seu direito legal, um diretor para a
Polícia Federal; o STF proibiu, mandou
nomear outro e foi obedecido. A cada cinco
minutos o mesmo presidente recebe de algum
dos dez ministros do Supremo um prazo de
“cinco dias”, ou coisa que o valha, para
“explicar” por que fez isso ou aquilo. Uma
entidade pública legalmente vinculada ao
governo federal, a Fundação Palmares, está
proibida de demitir qualquer funcionário,
por qualquer motivo que seja – um caso
provavelmente único no mundo.
O governo não
consegue levar uma linha de transmissão de
energia elétrica para um Estado inteiro, o
de Roraima, porque meia dúzia de índios e o
Ministério Público não deixam. Não consegue,
da mesma forma, construir uma ferrovia
estratégica para o interesse público, porque
seu traçado passa em menos de 0,1% de uma
“floresta nacional” – nem executar o seu
projeto de “escola sem partido”, para limpar
um pouco os currículos escolares da sua
carga política e ideológica de esquerda. A
administração federal está infestada por
milhares de nomeações políticas feitas nos
governos de Lula e Dilma Rousseff;
os beneficiados não se subordinam aos seus
superiores hierárquicos, mas à orientação do
PT e de seus partidos auxiliares. O governo
foi proibido de bloquear verbas de Goiás
retidas por falta de pagamento das dívidas
estaduais; a mesma coisa aconteceu com a
Bahia. Durante a Covid, especialmente, o
Supremo deitou e rolou em cima da
Presidência – a começar pela mais
extraordinária decisão de todas, a que criou
6.000 repúblicas dentro do país, ao dar às
“autoridades locais” independência quase
absoluta para cuidar da epidemia. (Por causa
disso, até hoje, dois anos letivos depois,
há prefeitos que mantêm fechadas as escolas
municipais.)
Não há nada
que o STF tenha deixado de fazer para
combater o governo. Bolsonaro foi intimado a
“explicar”, em tantos dias, o decreto que
facilitava o porte de armas, o corte de 30%
nas verbas das universidades federais e o
“Programa Verde Amarelo”. Exigiram, da mesma
forma, que ele “explicasse” declarações que
fez a respeito do pai do advogado Filipe
Santa Cruz, presidente da OAB e destaque no
atual palanque da oposição, sobre a
ex-presidente Dilma Rousseff e sobre o
jornalista americano Glenn Greenwald.
Bolsonaro foi proibido de extinguir os
“conselhos federais”, dinossauros
burocráticos que prosperam sem controle de
ninguém em Brasília. A medida que transferiu
a demarcação de terras indígenas da Funai
para o Ministério da Agricultura, um passo
mínimo para enfrentar as fraudes na área,
foi suspensa. Também foi cancelada a decisão
de dispensar as empresas da obrigação de
publicarem seus balanços em veículos de
“grande circulação”. Foi anulada, também, a
extinção do “seguro obrigatório” para
carros, o infame DPVAT. Enfim, são três anos
inteiros da filosofia do “se é coisa do
governo, então eu sou contra” –
especialmente quando a “coisa do governo” é
mexer em interesses materiais dos amigos do
STF. Ao todo, segundo uma lista que circulou
no Palácio do Planalto, os ministros
tomaram, de 2019 para cá, 123
decisões diretamente contra o governo. Dá
quase uma por semana. Faz algum sentido um
negócio desses?
Com o
Congresso o desastre é o mesmo. Até outro
dia, numa aberração que jamais será
explicada, a Câmara de Deputados do Brasil
era a única casa parlamentar do planeta a
aceitar que um dos seus membros, em pleno
exercício do mandato, estivesse na prisão –
ficou preso nove meses, aliás, por decisão
pessoal de um ministro do STF. Foi um
momento realmente extraordinário. O deputado
não foi cassado em nenhum momento pelo
plenário da Câmara. Recebeu todos os seus
salários e vantagens. Seu suplente não
assumiu. Com o mandato válido, poderia
perfeitamente ter votado – mas não podia
comparecer às sessões porque estava na
cadeia, e não foi permitido, também, que ele
votasse um esquema de home-xadrez, ou de
teletornozeleira. Durante toda a sua prisão,
os 512 deputados federais da República
aceitaram como coelhos assustados o Ministro
Alexandre
de Moraes
mandando chover e fazer sol; se tivesse
decidido que o Deputado Daniel Silveira
ficaria preso pelo resto da vida, ninguém
iria fazer nada. Que autoridade pode ter um
Congresso desses? O trabalho do STF não é
mais aplicar a Constituição, mas decidir
como o País tem de se comportar, da
publicação de anúncios de sociedades
anônimas até a venda de seguros de carro, em
nome do superior bem de “todos” – isso
quando não estão ocupados em decidir o que é
a verdade e enfiar gente na cadeia por fake
news e atos contra o seu estilo de
democracia.
O grande
problema para o Brasil, nessa salada, é que
o STF não deixa o governo e o Congresso
governarem, mas também não consegue, ele
próprio, governar o que quer que seja – cria
a baderna jurídica, política e
administrativa na sociedade, e fica
flutuando acima dela, impotente para gerir
problemas da vida real e sem
responsabilidade pelas ruínas que cria. Os
ministros têm uma capacidade praticamente
ilimitada para fazer o mal, mas quase nenhum
repertório para fazer o bem; o resultado é
isso que se vê aí. Cada vez mais, os
ministros se comportam – quase sem exceções
– como o chefe que grita nas reuniões e acha
que está impondo respeito, quando está
apenas demonstrando falta de controle sobre
si mesmo.
Governar não é
isso!
Pena que nem
todos percebem essas manobras! O governo
precisa, mais do que tudo, do apoio da
população!
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