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Reynaldo Domingos Ferreira comenta o artigo SEM
FRONTEIRAS (in 'RevistaOeste') de J. R. Guzzo
De: Reynaldo Domingos Ferreira
Date: ter., 7 de dez. de 2021
Subject: Guzzo
Repassando: É, sim, Guzzo, o Brasil está
errado!... E não é de hoje. É de sempre. O
ministro a que você se refere, em seu brilhante
artigo, em anexo, marido de Dona Vivi, como o
chama o Sr. Roberto Jefferson, é apenas um
diminuto personagem, que faz o que quer, na
República. E nada, absolutamente nada, lhe
acontece.
Asseste olhos e ouvidos pela Praça dos Três
Poderes, que você, Guzzo, conhecerá vários
exemplares desse tenebroso personagem, que nos
assombra, atuando, com os mesmos tiques, quase
as mesmas indumentárias, a mesma empáfia, a
mesma arrogância, usando os mesmos palavrórios,
vazios, chulos, sem sentido, negando preceitos
legais para agradar a quem os está guindando ao
poder. Ou a quem os guindou.
Um antigo diretor do Senado me disse uma frase,
da qual me lembro sempre, que, a seu ver, como,
na oportunidade destacou, sintetiza bem o que é
o Brasil:
- Aqui, manda quem pode, obedece quem tem
juízo!... - disse-me ele, quando comecei a
cobrir, como jornalista credenciado, os
trabalhos do Congresso. É isso mesmo. Você já se
perguntou, Guzzo, por que o presidente da
Câmara, tão poderoso, senhor e servo, emérito
rachadista, assiste a tudo isso,
impassivelmente, o que está acontecendo com um
parlamentar, um de seus pares, cassado nos seus
direitos de cidadão, de se expressar livremente,
como lhe garante a Constituição, sem tomar,
entretanto, qualquer atitude, em relação a ele,
pelo menos, visando uma conciliação?
Há alguma coisa, nesse caso, Guzzo, que não
transparece, como em diversos outros da
atualidade. Que não se explica. Fica nos
subterfúgios. Na sombra. O tal ministro de
túnica negra, por sua vez, age dessa forma,
subvertendo a ordem jurídica do Brasil, como
você bem retrata, em seu exemplar artigo porque
tem alguém - ou algum fato remoto - por trás
dele, exigindo-lhe que assim o faça. E ele
obedece. Não há nada de errado nele. Há no país,
onde manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Grato a todos pela leitura.
Reynaldo Domingos Ferreira
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SEM FRONTEIRAS
(in 'RevistaOeste')
O MINISTRO SEM FRONTEIRAS
A última realização de Alexandre de Moraes foi
uma obscura construção através da qual se chega
à conclusão de que “a direita” deveria ser
proibida de participar das eleições brasileiras
J. R. Guzzo
03 DEZ 2021
Há alguma coisa profundamente errada com o
ministro Alexandre de Moraes. É esquisitíssimo,
em primeiro lugar, que ele apareça tanto assim
no noticiário, como se fosse o homem público
mais importante que o Brasil já teve em 521 anos
de história — ou um astro do sertanejo
universitário no auge da carreira. Se o cidadão
não foi eleito nem para a presidência do clube
de bocha do bairro, e lida no seu dia a dia com
algumas das coisas mais chatas que existem na
esfera do conhecimento humano, por que virou
essa figura “pop” que deixa em transe o mundinho
da elite brasileira? Mais que isso, e muito pior
que isso: é rigorosamente incompreensível o que
Alexandre está fazendo como ministro do Supremo
Tribunal Federal. Aí complica um colosso, porque
o que ele faz tem efeito prático, imediato e
doloroso. Por uma dessas calamidades que
perseguem o Brasil, como a saúva e a seca no
Nordeste, o STF virou o grupo que manda hoje na
sociedade brasileira — e seria difícil achar um
grupo que manda tão mal. Nesse ponto,
justamente, a coisa pega: entre os que mandam
mal, Alexandre é hoje o que manda pior.
Não se trata de discutir a qualidade dos
despachos do ministro. Muito antes de se chegar
lá, a discussão já vai para o brejo por um
motivo central absolutamente descomplicado:
Alexandre de Moraes toma decisões que são 100%
contrárias ao que está escrito na lei. Tanto um
repetente em faculdade de Direito de terceira
linha quanto uma sumidade da ciência jurídica
universal, aqui ou em qualquer país do mundo,
teriam certeza da mesma coisa diante dos
decretos sem apelação do ministro: essas
decisões são ilegais. Ele e seus colegas,
naturalmente, afirmam que leigo não sabe o que é
legal ou ilegal, não entende nada de Direito e,
portanto, não pode dar palpite. Falso. Ninguém
precisa ser matemático para saber que o
triângulo tem três lados. Essa história não tem
nada a ver com técnica; não se trata de nenhuma
questão enrolada de alto direito canônico que só
jurista cinco-estrelas pode debater. Tem a ver
com lógica, simplesmente. A lei manda fazer uma
coisa. Alexandre faz o contrário. Xeque-mate.
É mais fácil o camelo da Bíblia passar pelo
buraco de uma agulha do que “o grupo” mexer no
despacho de alguém.
Como é que as coisas ficaram assim? Não dá para
entender. Justo com ele, que é juiz supremo e,
nessa condição, não tem ninguém acima para lhe
dizer que não pode fazer isso, ou que é obrigado
a fazer aquilo? Fica difícil. O que Alexandre
resolve está resolvido; há os outros dez
ministros, claro, mas é mais fácil o camelo da
Bíblia passar pelo buraco de uma agulha do que
“o grupo” mexer no despacho de alguém. Seja lá o
que for, o grupo “está fechado”, e dá a maior
força ao “professor”; se um deles decidir que 2
mais 2 são 22, vai ficar assim mesmo e não se
fala mais nisso, a menos que você esteja
querendo contestar as “instituições” e tomar um
processo no lombo por “atos antidemocráticos”.
Alexandre sabe, obviamente, o que está escrito
na Constituição e na legislação penal
brasileira, pois qualquer um, até um jornalista,
é capaz de saber; não existe a possibilidade de
que ele não saiba, ou não tenha entendido o que
leu. Faz de propósito, portanto — e aí complica
geral. Que diabo está acontecendo aqui?
A última bula universal baixada por Alexandre
mostra pelo menos uma coisa: não há mais nenhum
limite para ninguém, nem para nada, dentro do
STF. Se o ministro sabe perfeitamente o que está
fazendo, e continua a fazer o que faz, é porque
chegou à certeza de que pode tudo. Não perca o
seu tempo, assim, tentando descobrir onde passa
a fronteira: não há fronteira. É onde estamos no
momento. Em sua última decisão, talvez mais que
qualquer outra, o homem realmente chutou o
balde: simplesmente proibiu o deputado Daniel
Silveira, que está em pleno exercício do seu
mandato, de dar uma entrevista ao programa
Direto ao Ponto, da Jovem Pan. Isso não existe
desde que o regime militar proibia o bispo dom
Helder Câmara de falar à imprensa, e a imprensa
de publicar o que ele falasse. Não é que o
deputado tenha dado a entrevista e, depois, sido
acusado por Alexandre de ter dito alguma
blasfêmia antidemocrática no ar. Ele foi
proibido de dizer o que ainda não tinha dito.
Que tal?
E se Silveira quisesse dizer na entrevista que o
Supremo é a coisa mais linda que existe no
Brasil? Não poderia, segundo o decreto de
Moraes. E se quisesse falar dos 2 a 1 do
Palmeiras em cima do Flamengo? Também não
poderia. Nada poderia, em suma. É uma novidade
realmente extraordinária. Nem se trata, nisso
aí, de dizer que a decisão não vale nada do
ponto de vista jurídico; qualquer advogado de
porta de cadeia sabe que não existe nenhum
artigo na Constituição, ou em qualquer dos 10
milhões de leis em vigor no Brasil, que autorize
o ministro a censurar o que um cidadão vai
falar. O que chama a atenção, mesmo, é que
Alexandre
não faz mais nexo — em matéria de lógica, o
homem descolou da nave mãe. Suas decisões não
precisam mais manter nenhum contato com a
racionalidade; ele quer, como o rei Luís XV, e
se ele quer os nove colegas (no momento está
faltando um) também querem, e, se o STF quer,
ninguém tem nada de ficar fazendo pergunta. E os
direitos do deputado Silveira? Os direitos do
deputado Silveira que vão para o diabo que os
carregue.
Ele já estava proibido por Alexandre de se
manifestar pelas redes sociais; é um dos 513
deputados federais do Brasil, igualzinho aos
outros, não foi cassado nem recebeu condenação
judicial nenhuma, mas não pode nem desejar um
feliz aniversário pelo Twitter. Que lei permite
um negócio desses? O ministro sustenta, pelo que
dá para entender da sintaxe atormentada das suas
decisões, que o deputado é uma ameaça à
democracia e em casos de ameaça à democracia a
liberdade de expressão não se aplica. Não se
aplica, por sinal, nenhuma das garantias
individuais do cidadão. No mundo das realidades,
o que ele fez foi insultar o STF num vídeo. Pela
lei, Silveira tem imunidades parlamentares, e
jamais poderia receber as punições que recebeu.
Mais: se fosse legalmente processado, julgado e
condenado por um juiz de direito, isso seria
crime de injúria, ou de incitação à violência —
delitos que não permitem a prisão de ninguém em
flagrante e muito menos nove meses de cadeia,
como Alexandre socou
em cima dele, e nem o banimento de rede social
nenhuma. Mas e daí? Aqui é nóis que manda. Se
não gostou vai reclamar no Tribunal de Haia.
O ministro, em linha com o resto da sua cabeça,
também se tornou um militante político de
vanguarda. Sua última realização — num encontro
“latino-americano” de esquerda sobre “liberdade
de expressão”, imaginem só — foi uma obscura
construção através da qual se chega à conclusão
de que “a direita” deveria ser proibida de
participar das eleições brasileiras. Essas de
2022, já agora? Alexandre não esclareceu. Disse
apenas que a direita — “uma nova direita” — está
pretendendo conquistar o poder através das
eleições, com o objetivo de “corroer as
instituições democráticas”. Os responsáveis por
isso seriam “ideólogos norte-americanos”. É
mesmo? Quais? Essa informação também não foi
fornecida. O que a direita vai fazer, segundo o
ministro, é acabar com a democracia e com a
“oposição”, através da “assunção do poder pelas
vias democráticas”. Que conversa é essa? A
Constituição não proíbe ninguém de ser de
direita. Por que raios, então, cidadãos de
direita não poderiam se valer das “vias
democráticas” para se elegerem a cargos
públicos? Que vias, nesse caso, Alexandre sugere
que eles adotem? Não faz sentido, outra vez.
Se é de direita, não tem direitos; é assim que
se defende a democracia neste país
O pior, nessa trapaça toda, pode nem ser o
ministro Alexandre, embora esteja tudo
suficientemente errado com as suas sentenças, os
seus discursos e a sua conduta no STF. De
repente, pensando bem, ele até que está na dele.
Pode fazer o que bem lhe dá na telha, sem correr
o mínimo risco. Ninguém o impede de fazer nada;
por que raios não faria? Ele quer
ser o exterminador da direita. Quer ser um novo
herói para a esquerda, e para a cantora Daniela
Mercury. Quer ser o mais querido dos
jornalistas. Tudo bem; a vida é assim mesmo. A
tragédia é a passividade com que o Brasil que
pensa, opina e decide como o país deve ser
governado aceita — ou incentiva — a degeneração
descontrolada das atribuições do STF.
A verdade, no fim das contas, é que o STF só
existe do jeito que é porque a sociedade
brasileira o aceita do jeito que ele é. Todo
mundo faz de conta que não está acontecendo nada
de mais. O cercadinho da política, a mídia, a
OAB, a elite, os banqueiros de investimento de
esquerda, a universidade, os “garantistas” e
mais uma porção de etcs. não acham,
realmente, que haja algum problema no fato de o
STF desrespeitar o tempo todo a Constituição.
Por covardia, ou por acharem que é assim mesmo
que as coisas devem ser, tratam os ministros
como gente que, afinal das contas, está salvando
o Brasil — são uma muralha que defende a
democracia, e outras coisas igualmente
fenomenais.
Esse mundo todo acha que está muito certo um
sistema superior de justiça que mantém preso o
ex-deputado Roberto Jefferson e solta o
traficante Fábio Santos, o “Gordão do PCC”,
depois de ter soltado o seu companheiro “André
do Rap”. Qual seria o problema? Não se sabe qual
é a ideologia do “Gordão do PCC”, mas todo mundo
sabe muito bem que Jefferson é de direita. Se é
de direita, não tem direitos; é assim que se
defende a democracia neste país. Alexandre de
Moraes, aí, é apenas mais um no time — e, nesse
caso, o que está profundamente errado não é bem
ele, e sim o Brasil de hoje. |
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