Papai
Noel : um bilhão de
dólares para as eleições
de 2022
Aylê-Salassié F.
Quintão*
A
televisão,
particularmente, tem
insistido nesses últimos
trinta dias em
disponibilizar dezenas
de filmes com temas
natalinos, relacionados
com o amor, a
solidariedade, a paz e a
compaixão ,
contrapondo-os à
enxurrada de enlatados
policiais que tomou
conta da telinha e da
vida das pessoas,
usurpando delas o tempo
de
recolhimento compulsório
provocado pela pandemia.
O mundo
natalino da TV tem
direito, inclusive, a
uma rainha: All I Want
for Christmas Is You
(Você é tudo que
eu desejo no Natal), de
Mariah Carey, que se
insinua misturar a
música pop com a
sacralidade de Maria,
mãe de Jesus. A música,
lançada em 1994, ganhou
popularidade em 2020, e
graças ao sucesso
alcançado, Carey passou
a ser distinguida como a
“Rainha do Natal”.
Diria que
o espírito de Natal, às
vezes um pouco piegas,
seria uma espécie de
"Agenda Positiva" para a
sociedade, com a
pretensão de amenizar
a angústia de uma
população cristianizada,
desempregada e faminta
, envolvida por uma
retórica inconsequente
de pessoas e políticos
confusos , desocupados
ou oportunistas.
Fora da
telinha o cenário é
dramático. Aqueles que
se arriscam a dar uma
volta pelas ruas das
cidades brasileiras
ou os leitores de jornal
podem se surpreender com
a cotidianidade, e os
fatos correntes.
"Creche
fecha e deixa 150
crianças sem abrigo".
"Favelados abandonam os
barracos para pedir
ajuda nas ruas".
Asilo está sem recursos
para o atendimento
regular a idosos".
"Escola não tem dinheiro
para alimentação das
crianças ". As
situações se repetem por
todo o País, ao longo de
toda história
brasileira: a pobreza, a
desigualdade, a fome e
o analfabetismo .
Repetem-se de governo a
governo . O quadro
social do Brasil é
esse. Não tem
assistência social
ou política pública que
chegue aí. Só
estatísticas manipuladas
e conversa fiada .
Jamais se
venceu neste País esses
inimigos reais da
população e, é de se
imaginar que, nem
aprovando um rombo de R
$113 bilhões para o
Orçamento de 2022, esses
problemas serão
erradicados com se
anuncia, com alto grau
de vulgaridade, no mundo
político. Vivenciar um
quadro desses tira toda
a motivação positiva e
sacra que as
comemorações de Natal
possam conter.
Com o fim
de tentar arrecadar
fundos auto sustentáveis
para melhorar as
condições de vida de
favelados, Carlos
Lacerda, quando
governador do Rio de
Janeiro, com toda
aquela inteligência,
propôs pintar os
barracos (Favela
colorida) para atrair
turistas. O governador
do DF, aparentemente,
pensa em coisa similar.
Dobrou os recursos para
financiar a iluminação
de Brasília, que já é ,
sem dúvida, uma das
melhores no mundo.
Os
pedintes e desempregados
vivendo em regime de
pobreza absoluta estão
espalhados pelas cidades
brasileiras: na porta
dos bares, das padarias,
dos restaurantes, dos
supermercados, nos
estacionamentos, nos
sinais de trânsito.
Nas proximidades do
campus da Universidade
Brasília, a seis
quilômetros da Praça dos
Três Poderes, forma-se
uma colméia de barracos
construídos com entulhos
dos lixões, e cobertos
com sacos plásticos. Há
crianças por todos os
lados. Um cartaz
rústico, fincado ao
longo da via que dá
acesso à Praça, montado
de parte de uma caixa de
papelão, apela
: "Ajude-nos a matar a
fome neste Natal!"
Difícil
de entender. O quadro
aqui fora não combina
com a euforia e as
conquistas dos 513
deputados e 81
senadores, ao derrubar
os vetos presidenciais
ao Orçamento Geral para
2022. Ignorando o
cenário com alto índice
de desemprego e pobreza,
no Congresso, os
políticos festejam a
dinheirama que
conseguiram aprovar para
financiar a campanha
eleitoral de 2020: R
$5,7 bilhões (Mais de um
bilhão de dólares) para
a realização das
eleições; R $1,7 para o
fundo partidário (US$
450 milhões de dólares);
e R$17,00 bilhões (3
bilhões de dólares) para
as emendas
parlamentares. E
ainda aprovaram o tal
estouro no Orçamento
para 2022 de R $113
bilhões (2 bilhões de
dólares).
Não se
trata nem de festa. É
farra mesmo com o
dinheiro dos
contribuintes, empresas,
empresários e
trabalhadores. São 35
partidos registrados no
Tribunal Superior
Eleitoral, 28 com
representação no
Parlamento brasileiro
(…) e pelo menos 52
tentando se organizar a
tempo para as eleições
de outubro e, assim,
atrair para si parte
desses recursos.
É o
financiamento público da
campanha eleitoral, que
conta ainda, em alguns
lugares, com
inconfessáveis aportes
privados. O brasileiro
nem desconfia do que
está acontecendo. O
Brasil é um dos países,
entre os 25 no mundo,
que mais gasta com o
processo eleitoral.
Desta vez, contou
também com a ajuda de
Noel .
*
Jornalista, professor.