Theresa Catharina de Góes Campos

     

MORTE ANUNCIADA

 

      “Vim por causa de um colega. A mãe e a filha dele, de cinco anos, estão soterradas”. Letícia Jennifer. “Dois amigos nossos perderam a família inteira. Teve uma menina que só sobrou ela, não sobrou mais ninguém da família” – Sheila Maria Loiola. 

Depoimentos trazidos pelo Correio Braziliense de hoje (17/02). A televisão mostrou uma mãe cavando a lama, tentando encontrar a filha e outros familiares. Alguém pode imaginar a dor de cada um desses? Por um momento, coloque-se no lugar dessa mãe.

    Vamos aos fatos: em 2011 fortes chuvas na mesma região causaram um sério desastre, com um total de 900 mortes. 

Somente em 2018, sete anos após a tragédia, a Prefeitura elaborou o Plano de Contenção de Riscos. Mapeando 234 áreas vulneráveis, com risco de deslizamentos e enchentes. Concluindo que cerca de 7.000 famílias deveriam ser removidas das encostas e reassentadas. Segundo informações da reportagem do Correio, “Mortos e soterrados em uma tragédia previsível”, havia uma verba prevista de R $770 milhões. Só foram aplicados R $169 milhões. Ou seja, muito menos da metade do total previsto.

    A total falta de respeito aos cidadãos não está completamente desvendada. Pois além dos recursos não empregados para a contenção de riscos, há um Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) cujo trabalho é fazer a previsão do tempo, alertando a Defesa Civil para as devidas providências. Lembrando que em acidentes com barragens em Minas Gerais, um sistema simples de som, um alto falante em um carro, evitou a morte de muitas pessoas. Porque havia profissionais íntegros, capazes, honestos.

  Alguém duvida que a notificação dada pela Cemaden pode ser a repetição de tantos outros boletins, dado por um funcionário pouco atento?  Eu desconfio: “chuvas isoladas ao longo do dia, podendo deflagrar deslizamentos pontuais, especialmente nas regiões de serra e/ou densamente urbanizadas”. De qualquer modo, longe de prenunciar o tamanho da catástrofe, a Defesa Civil deveria ter se mobilizado para avisar a comunidade? Mas, a Defesa Civil realmente funciona? Quem escolhe seus membros? Quem fiscaliza sua atividade?  Nada poderia ter sido feito? Os especialistas em meteorologia não tinham nenhuma capacidade de prever tamanho desastre? Ou vivemos todos de uma passividade criminosa?

     Enquanto as emendas parlamentares gastam recursos públicos de mais de 16 bilhões em obras circunscritas a poucos, escolhidas sob critérios pessoais para propaganda eleitoral, é relegado o que é mais importante para uma comunidade inteira, um Planejamento técnico de contenção de riscos. Representando a morte, o irrecorrível sofrimento da perda de mais de mil 

pessoas. Se somarmos as 900 do primeiro desastre com as mais de 100 dos de ontem.  Por quê? Onde estavam os parlamentares ligados à região serrana que não lutaram para proteger seus cidadãos? Ao que parece, nenhum, sem exceção, estava comprometido com o Plano de Contenção de Riscos. Mesmo sabendo das consequências de sua não implementação. Onde estavam o prefeito, os técnicos da Prefeitura, os especialistas que poderiam alertar cotidianamente as autoridades do perigo? Levando em conta, pasmem todos, que existiam recursos para tal.

    No Brasil, Política Pública é para inglês ver. Só se desenvolvem quando trazem benefícios para grupos econômicos, como o ProUNi, (a maior privatização do ensino superior), por exemplo. Mesmo essas são deterioradas. Lembrem os problemas nas construções de casas no Programa Habitacional para os de menor renda. Trata-se do mesmo mal: a falta de caráter dos gestores. Não é questão de capacitação. É falta de honestidade mesmo. Pois ninguém fiscaliza o que é planejado para melhorar a vida dos mais pobres. Ninguém sabe como ele é atendido nos hospitais e ambulatórios, como está a educação nas escolas, a violência nos bairros distantes sem a presença de policiais. A iluminação nas ruas, a qualidade do asfalto e o saneamento. Ou como receberão suas casas. Nada é fiscalizado, acompanhado passo a passo, para garantir a qualidade dos serviços públicos.

   É preciso saber os motivos pelos quais uma Prefeitura leva SETE ANOS para elaborar um Plano de Contenção de Riscos. É preciso avaliar que metas foram alcançadas quatro anos depois, em 2022.  Uma opinião? Nenhuma. Daqueles R $770 milhões, muito menos do que o total destinado às emendas parlamentares, foram utilizados somente R $169 milhões. O que foi feito?

    O problema é que não estamos em um país civilizado. Trazemos entranhado em nosso DNA o espírito autoritário daqueles que consideram as diferenças como desigualdades. Para eles, nós somos desiguais, não dessemelhantes. Aqueles que não vestem como eles, não comem nem habitam iguais a eles são inferiores. Não há o mínimo respeito ao pobre e às 

minorias no Brasil. Há uma condescendência e uma “caridade” cínicas. Mas o que se precisa é respeito. E respeito ao cidadão inclui Políticas Públicas avaliadas e corrigidas ao longo de toda a execução. Evitando sofrimento e morte para os mais frágeis.   

(02/2022/luiza)

LUÍZA CAVALCANTE CARDOSO <luizaccardoso@gmail.com>

 

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