"Pacote
do veneno": a economia
brasileira precisa ser
reinventada.
Aylê-Salassié Filgueiras
Quintão*
A fragilidade da
economia brasileira
diante da globalização
é tamanha que qualquer
conflito fora de
suas fronteiras - não
importa a distância: no
planeta - afeta
diretamente o sistema
produtivo interno . Os
efeitos negativos chegam
rápido ao consumidor.
Pois, não é que a guerra
entre a Rússia e a
Ucrânia vai impactar por
aqui a inflação , o
consumo de alimentos,
inclusive a cesta
básica, a política
ambiental e tende a
tirar a tranquilidade
até dos índios.
Na agenda do Congresso
dois projetos de lei
prometem ajudar a agitar
o cenário: o PL
6299/2022 ,
chamado 'Pacote do
Veneno", que amplia a
legitimidade do uso de
agrotóxicos na
agricultura ; e o PL
191/2020, flexibilizador
das regras para as
empresas mineradoras
para explorar minério em
terras indígenas.
Cerca de 240 áreas
estão na mira do PL.
Como se
sabe, com toda a riqueza
mineral revelada no País
há mais de 40 anos, por
um projeto que se
chamou "Radam" (radar
metria), as reservas
minerais brasileiras
passaram a ser
referência entre as
maiores do mundo. Mas,
em se tratando de
compostos minerais para
a produção de
fertilizantes NPK
(nitrogênio, potássio,
e fósforo), que dá o
impulso à produtividade
agrícola e à nossa
produção , as reservas
brasileiras conhecidas
têm possibilidade de
suprir apenas até 40 %
das demandas atuais da
agricultura .
Apesar
disso, o Brasil está
entre os cinco maiores
produtores agrícolas do
mundo: China, Estados
Unidos, Brasil, Índia e
Rússia. Ocupa o primeiro
lugar na produção de
café, cana-de-açúcar,
laranja e bovinos, além
de segundo e terceiro
na produção de soja
(2º), milho (3º), suínos
(3º) e equinos (3º).
Para 2021, a produção
nacional de grãos foi
estimada em 271 milhões
de toneladas, um aumento
de 5,7%, ou 14,7 milhões
de toneladas a mais que
2019/20, segundo a
Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab).
Entretanto, o maior
índice de produtividade
mundial é dos Estados
Unidos, devido à
mecanização da
agricultura, o uso de
insumos (fertilizantes)
e de corretivos da
acidez dos solos.
Para
manter essa posição
privilegiada no ranking
mundial, o Brasil
importa, contudo, 85%
dos fertilizantes
consumidos, dos quais
94% do potássio da
Rússia e de Belarus,
países envolvidos na
guerra com a Ucrânia,
outro grande produtor de
alimentos . Com a
guerra, o Brasil está à
procura de novos
fornecedores, como
tentando redescobrir as
próprias reservas.
Existem, mofando nas
gavetas dos burocratas
do Ministério das Minas
e Energia, pelo menos
408 pedidos
de exploração de
potássio, 3.900 de
fosfato e que somam
20,24 milhões de
hectares inexplorados.
No Instituto
Brasileiro de Meio
Ambiente , os processos
de autorização de lavra
mineral arrastam-se por
anos.
As
reservas brasileiras de
potássio estimadas somam
mais de 1,1 bilhão de
toneladas: 837 milhões
, em Minas Gerais; 18,6
milhões, em São Paulo; e
38,7 milhões em Sergipe,
além de mais 254,3
milhões de toneladas na
Amazônia. De acordo com
o ministério da
Agricultura, menos de 10
% está dentro de
reservas indígenas ou
de futuras reservas:
237 delas não tiveram
ainda homologação.
Em
contrapartida, dados do
IBGE revelam que ,
aproximadamente, um
terço das famílias
brasileiras com renda de
até um salário mínimo
vive na miséria,
subnutridas ou
desnutridas mesmo, por
causa da escassez de
alimentos protéicos. De
olho nas vendas
externas, todos os
governos brasileiros
têm priorizado as
exportações de
commodities
(produtos básicos), não
se chegando ao
desabastecimento interno
devido às importações de
alimentos (milho,
trigo). Não existe no
País uma "política de
segurança alimentar " ,
nem de "socorro
alimentar". O problema é
sempre empurrado para
o futuro.
Uma política para os
fertilizantes é
realmente necessária
mas, em si, não resolve
o problema da fome no
Brasil nem vai conter a
inflação . Outros fortes
componentes tangíveis (comércio,
transporte, seguros) e intangíveis,
sobretudo,
uma disposição política
efetiva para assegurar
alimentos para a
população, a preços
compatíveis com a renda
do brasileiro ou até o
fornecimento gratuito .
Explorar os recursos
minerais nacionais, sem
afrontar os preceitos
da
sustentabilidade, resolveria,
parcialmente, essa
dependência das
importações dos insumos
agrícolas. Nessa mesma
esteira transita o PL
6299-2022, chamado de
'Pacote do Veneno",
envolvendo outra
questão delicada: a
liberação do uso de
agrotóxicos na
agricultura. Nesse
sentido, o governo
brasileiro tem agido
levianamente,
desde 1989, proibindo
alguns agrotóxicos e,
concomitante, liberando
ou fazendo vistas
grossas para outros.
Mais de
1.500 agrotóxicos e
componentes afins são
abrangidos por essa
estratégia. As agências
internacionais
consideram 60%
deles cancerígenos,
desreguladores hormonais
ou reprodutivos,
indutores do câncer e
das mutações genéticas.
De acordo com o
Ministério da Economia,
em 2019, o Brasil
importou 335 mil
toneladas de agrotóxicos
. O número representa um
crescimento de 18% em
relação a 2018. A
importação desses
produtos tem aumentado
seguidamente desde
2000. A legislação
reguladora reclama, de
fato, por um
aperfeiçoamento, não um
relaxamento, como
propõe o PL 6299-2022.
Diante desse quadro,
conclui-se que para
sobreviver como modo de
produção no Brasil, o
capitalismo, que
está sempre se
reinventando, precisa
fazê-lo novamente,
porque a crise nos
meios de subsistência e
a deterioração da coesão
social tem contribuído
para elevar as
disparidades entre
cidadãos, conforme
mostram recentes
relatórios de "riscos
globais". A produção de
alimentos no mundo
aumentou, mas também
o número de famintos,
que beira a um bilhão de
pessoas no mundo.
*Jornalista e
professor