O que nos
espera, um desmame ou um
derrame ?
Aylê-Salassié Filgueiras
Quintão*
A partir de
agosto uma enxurrada de
promessas, ameaças,
falsidades e agressões
serão derramadas sobre os
brasileiros pelos
candidatos à Presidência da
República, que se
consideram protegidos,
nesses dois a três meses,
pela legislação eleitoral .
Não podem ser agredidos nem
censurados. Entretanto,
essa alegria não parece
durar muito. Seja quem for o
eleito, um dilema já está
posto: a mudança do sistema
(forma)de governo.
Passadas as
eleições e iniciada mais
uma legislatura no
Congresso, a Câmara dos
Deputados
promoverá, oficialmente, uma
discussão sobre a adoção no
Brasil de um sistema de
governo
semipresidencialista. O
presidente da Câmara, Arthur
Lira, criou um grupo de
trabalho para discutir o
assunto, e apresentar
uma proposta de mudança
constitucional nesse
sentido. Pela suposta e
futura nova forma de
governo, o poderosíssimo
cargo de Presidente da
República, que reúne em um
só ente a chefia do Estado
com a chefia do Governo,
perderia parte de sua sua
força governativa para o
Congresso Nacional.
O
presidencialismo adotado no
Brasil é um sistema
altamente empoderador e, ao
mesmo tempo,
subserviente. Expressa-se
na estrutura do Estado,
como o Executivo, tendo
como contraparte, o
Legislativo e o
Judiciário. São os tais
"Três Poderes". É
representado pelo
Presidente da República e
todo seu aparato
ministerial, seis milhões
de funcionários públicos, as
forças armadas, as empresa
públicas, as autarquias o
patrimônio nacional e todas
as obras públicas federais
em andamento no País.
A essa força
expressiva acrescenta-se
ainda o privilégio de
elaborar e executar o
orçamento nacional de
quase dois trilhões de
reais, o direito de cobrar
impostos, de gastar todo
dinheiro público e, por
cima, exercer o poder de
polícia. Uau!...
Poderosíssimo! Muitos dos
que chegam ao cargo não
resistem a esses afagos e
sacralidades da lei, e
tornam-se autoritários ou
carismáticos, reivindicando
ainda mais poder.
A
legislação eleitoral não
contém dispositivos
suficientes, senão
retóricos, para impedir a
subordinação
desse gigantesco aparato de
Estado a um único sujeito,
que pode ser alguém
portador de dupla
personalidade - os políticos
são os que mais se aproximam
disso - , ser um
corrupto ou mesmo um
incompetente, como
tem acontecido. O aparelho
institucional é enorme, e
o exercício de sua gestão
nos campos da política, da
economia e da sociedade
exige daquele que o detém
além de sanidade, ética e
competência gestora. Alguns
chegam a ele sem nunca ter
ocupado quaisquer funções
administrativas públicas ou
mesmo na iniciativa privada.
Então o cargo não pode ser
ocupado por qualquer um,
desde que saiba ler e
escrever.
Que opções
teriam os brasileiros para
conduzir este País a um
futuro mais confiável ? Na
democracia
têm-se praticamente dois
sistemas de governo: o
presidencialismo e o
parlamentarismo. Ambos já
foram testados por aqui.
Embora dê aparência de
maior estabilidade, ao
dividir a responsabilidade
do Executivo com o
Legislativo , a experiência
parlamentarista no Brasil
republicano foi um
fracasso. Por sua vez, o
presidencialismo, copiado
do modelo norte-americano,
vem se arrastando há cem
anos, sem encontrar um rumo
certo para a Nação,
cuja governança é
transformada astutamente em
um espaço de negócios, sem a
participação do povo.
Apesar do
grupo de trabalho da Câmara,
não será fácil, contudo,
mudar o presidencialismo
que aí está. Ele
é alimentado por egos,
oligarquias e um certo
fanatismo, quase fora de
controle . Por isso, a
resistência à mudança começa
sempre dentro do próprio
Estado . É algo
estruturalmente doentio,
que agrega um poder imenso,
quase divino, a um ou outro
sujeito eleitos por votos
populares, nem sempre
computado como sensatos, já
dizia Pelé. Por isso, há
quem defenda o
parlamentarismo, uma forma
de compartilhar a
responsabilidade de governar
entre o Executivo e o
Legislativo.
A Câmara dos
Deputados tem em mãos uma
terceira opção. Para
proteger o Estado e a Nação
dos riscos elencados acima,
pretende propor no início da
nova legislatura, em 2023,
a adoção de um sistema de
governo semi
presidencial para o Brasil,
pelo qual o Presidente da
República é eleito pelo povo
como chefe de Estado, assim
como já fazem países como
França, Itália, Alemanha,
Israel, Rússia e outros,
mas tem seus amplos poderes
limitados a função
de comandante em chefe das
forças armadas e condutor
das relações externas,
cabendo-lhe ainda sancionar
ou vetar leis e
materializar, com sua
existência física, a
legitimidade constitucional
do Estado e do Governo.
Mas a
administração das políticas
públicas internas sairia do
seu controle. Passaria a um
primeiro ministro,
indicado por ele, com a
aprovação da maioria no
Parlamento. O modelo é
adotado por muitos países ,
cada um com estilo próprio.
A governabilidade chega a
ficar um pouco confusa,
conforme ocorre na França,
na Itália e na Rússia .
Quase todos
recorrem às coalizões, a
agregação, no Congresso, de
dois ou três partidos de
apoio . Nem sempre isso se
dá sem a utilização de
recursos escusos, conforme
tem mostrado aí o
imaginário sistema de
presidencialista de
coalizão.
Existe um
problema que não pode ser
descartado. Na coalizão, o
partido ou o seu
representante não abre mão
da sua maneira de entender
os objetivos do Estado e a
direção das políticas
públicas. Um ministro
oriundo de um partido
conservador minimiza a
política agrária, um mais à
esquerda fortalece-a. A
política da indústria e
comércio vista do ponto de
vista empresarial é uma, da
perspectiva ambiental é
outra. Termina por confundir
a governabilidade e a
envolver mesmo o gabinete
executivo em desvios
fraudulentos.
A coalizão
gera quase sempre também, um
grupo de partidos
oposicionistas fortes ou
barulhentos, que
negando apoio aos
governantes e
desqualificando a
governabilidade tumultuam a
gestão de governo. Sobrevive
disso: ser oposição . E
creiam: dá dinheiro.
Recusam-se a dialogar com os
governantes. Passam todo o
tempo tentando
solapar as
bases da gestão do Estado,
mesmo contradizendo, em
alguns casos, as próprias
posições. Para se ter uma
ideia , no Brasil mais
atual tem partido que pediu
- e repetiu - o impeachment
de todos os governos. Não se
sabe, portanto, se o
semipresidencialismo é uma
tentativa de desmamar que m
vive pendurado nas tetas do
Estado ou se se trata de um
derrame indireto dos
recursos e do Poder do
Estado. Dos governos no
Brasil deve-se sempre
esperar a confirmação do
anátema de Alkmin: Moralizemos,
ou locupletemos todos.
*
Jornalista e professor