Theresa Catharina de Góes Campos

     
Semipresidencialismo no Brasil - Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*
 
O que nos espera, um desmame ou um derrame ?
 
Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*
 
A partir de agosto  uma  enxurrada de promessas, ameaças, falsidades e agressões  serão derramadas  sobre os brasileiros pelos  candidatos à Presidência da República, que se consideram  protegidos, nesses dois a três meses, pela legislação eleitoral . Não podem ser agredidos nem censurados.  Entretanto, essa alegria não parece durar muito. Seja quem for o eleito,  um dilema já está posto: a mudança do sistema (forma)de governo. 
 
Passadas as eleições e iniciada  mais uma legislatura no Congresso, a Câmara dos Deputados promoverá, oficialmente, uma discussão sobre a adoção no Brasil de um sistema de governo semipresidencialista. O presidente da Câmara, Arthur Lira, criou um grupo de trabalho para discutir o assunto, e apresentar uma proposta de mudança constitucional nesse sentido. Pela  suposta e futura nova forma de governo, o poderosíssimo  cargo de Presidente da República, que reúne em um só ente a chefia do Estado com a chefia do Governo, perderia parte de sua  sua força governativa  para o Congresso Nacional. 
 
O  presidencialismo adotado no Brasil é um sistema altamente empoderador e, ao mesmo tempo, subserviente. Expressa-se na  estrutura do Estado, como o Executivo,  tendo como contraparte, o Legislativo e o Judiciário. São os tais "Três Poderes". É representado pelo  Presidente da República e todo seu aparato ministerial,  seis milhões de funcionários públicos, as forças armadas, as empresa públicas, as autarquias o patrimônio nacional e todas as obras públicas federais em andamento no País.

 
A essa força expressiva acrescenta-se ainda o privilégio de elaborar e executar o orçamento nacional de quase dois trilhões de reais, o direito de cobrar impostos, de gastar todo dinheiro público e, por cima, exercer   o poder de polícia.  Uau!... Poderosíssimo!  Muitos dos que chegam ao cargo  não resistem a esses afagos e sacralidades  da lei, e tornam-se autoritários ou carismáticos, reivindicando  ainda mais poder. 

 
  A   legislação eleitoral  não contém dispositivos suficientes, senão retóricos, para impedir a subordinação desse gigantesco aparato de Estado a um único sujeito, que pode   ser alguém  portador de dupla personalidade - os políticos são os que mais se aproximam disso - ,  ser  um  corrupto  ou mesmo um  incompetente, como tem acontecido. O aparelho institucional é enorme,  e  o  exercício de sua gestão  nos campos da política, da economia e da sociedade  exige daquele que o detém além de sanidade, ética e  competência gestora. Alguns chegam a ele sem nunca ter ocupado quaisquer funções administrativas públicas ou mesmo na iniciativa privada. Então o cargo não pode ser ocupado por qualquer um, desde que saiba ler e escrever.

 
Que opções teriam os brasileiros para conduzir este País a um futuro mais confiável ? Na democracia têm-se praticamente dois sistemas  de governo: o presidencialismo e o parlamentarismo. Ambos já foram testados por aqui. Embora dê aparência de  maior  estabilidade, ao dividir a responsabilidade do Executivo com o Legislativo , a experiência parlamentarista no Brasil republicano foi um fracasso.  Por sua vez, o presidencialismo, copiado do modelo norte-americano,  vem se arrastando há  cem anos, sem encontrar um rumo certo para a Nação, cuja governança é transformada astutamente em um espaço de negócios, sem a participação do povo.  

 
Apesar do grupo de trabalho da Câmara, não será fácil, contudo, mudar o  presidencialismo que aí está. Ele é alimentado por  egos, oligarquias e um certo fanatismo, quase fora de controle .  Por isso, a resistência à mudança começa sempre dentro do próprio Estado . É algo estruturalmente  doentio, que agrega um poder imenso, quase divino, a um ou outro sujeito eleitos por votos populares, nem sempre computado como sensatos, já dizia Pelé.  Por isso, há quem defenda o parlamentarismo, uma forma  de compartilhar a  responsabilidade de governar entre o Executivo e o Legislativo. 

 
A Câmara dos Deputados tem em mãos uma terceira opção. Para proteger o Estado e a Nação dos riscos elencados acima, pretende propor no início da nova legislatura, em 2023, a  adoção de um sistema de governo  semi presidencial para o Brasil,  pelo qual o Presidente da República é eleito pelo povo como chefe de Estado, assim como já fazem países como França,  Itália, Alemanha, Israel,  Rússia e  outros, mas tem seus  amplos poderes limitados a função de comandante em chefe  das forças armadas e  condutor das relações externas, cabendo-lhe ainda sancionar ou vetar leis e materializar, com sua existência física,  a  legitimidade constitucional do Estado e do Governo.  

 
Mas a administração das políticas públicas internas sairia do seu controle. Passaria a um primeiro ministro, indicado por ele, com a aprovação da   maioria no Parlamento. O modelo é adotado por muitos países , cada um com estilo próprio.  A governabilidade chega a ficar um pouco confusa, conforme ocorre na França, na Itália e na Rússia . 
Quase todos recorrem   às  coalizões, a agregação, no Congresso, de dois ou três partidos de apoio . Nem sempre isso se dá sem a utilização de recursos escusos, conforme tem mostrado aí o imaginário  sistema de presidencialista de coalizão. 

 
Existe um problema que não pode ser descartado. Na  coalizão, o partido ou o seu representante não abre mão da sua maneira de entender os objetivos do Estado e a direção das  políticas públicas. Um ministro oriundo de um partido conservador minimiza a política agrária, um mais à esquerda fortalece-a. A política da indústria e comércio vista do ponto de vista empresarial é uma, da perspectiva ambiental é outra. Termina por confundir a governabilidade  e a envolver mesmo o gabinete executivo   em desvios fraudulentos.      

 
A coalizão gera quase sempre também, um grupo de partidos oposicionistas fortes ou barulhentos, que negando apoio aos governantes e desqualificando a governabilidade tumultuam a gestão de governo. Sobrevive disso: ser oposição . E creiam: dá dinheiro. Recusam-se a dialogar com os governantes. Passam todo o tempo tentando 
solapar as bases da gestão do Estado, mesmo contradizendo, em alguns casos,  as próprias posições. Para se ter uma ideia , no Brasil  mais atual tem partido que pediu - e repetiu - o impeachment de todos os governos. Não se sabe, portanto, se o semipresidencialismo é uma tentativa de desmamar que m vive pendurado nas tetas do  Estado ou se se trata de um derrame indireto dos recursos e do  Poder do Estado. Dos governos no Brasil deve-se sempre esperar a confirmação do anátema de Alkmin: Moralizemos, ou locupletemos todos
 
* Jornalista e professor
 

Jornalismo com ética e solidariedade.