Os sem pátria : Wir
sind Ilegal überall
Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*
À sombra da invasão da Ucrânia pela Rússia,
teve início , na Suíça, o Fórum Econômico
Mundial de Davos, reunindo lideranças
políticas, empresariais e intelectuais do
mundo, entre elas cinquenta chefes de
Estado. A recuperação econômica da Ucrânia -
ainda em fase de destruição - é um dos
principais temas a serem abordados. Mas,
não fica explícito a intenção de discutir
uma solução para o reassentamento dos quatro
milhões de civis vitimados pela ação militar
russa, e refugiados nos países vizinhos .
A necessidade da discussão de uma política
de emigração para o planeta torna, a cada
dia, mais premente . Aumenta a olhos vistos
o fluxo de pessoas, sem eira nem beira, com
raízes culturais distintas em movimento pelo
mundo. Cerca de 175 milhões de pessoas vivem
fora das regiões de origem. Em sua maioria,
são civis expulsos por guerras fratricidas
nos próprios países. A questão é, portanto,
emergente, e faz aflorar aspectos ainda
pouco conhecidos. Em terra estranha, e no
processo de adaptação domiciliar, esses
imigrantes geram problemas inesperados e
graves para aqueles que os acolhem
solidariamente.
Neste texto, vamos esticar um pouco a corda
mas, na verdade, não precisamos ir muito
longe, porque os problemas da imigração
começam a bater nas costas do Brasil. O
Paraguai vem registrando um número
pouco comum de imigrantes alemães. Às
margens do rio Paraná, consideradas as
terras mais férteis do país,
foram instalados núcleos de imigrantes
alemães chamados de Hohenau, Obligado e
Bella Vista, reconhecidos por todos como “
As Colônias Unidas”.
A maioria dessa população é constituída de
cidadãos alemães , que fugiram da onda de
estrangeiros de costumes desconhecidos que
vem se refugiando em seus país: turcos,
africanos, sírios, árabes, etc. Em 2019,
viviam na Alemanha cerca de 11,2 milhões de
pessoas com passaporte estrangeiro e 21,2
milhões de pessoas tinham raízes na
imigração. Há pouco tempo discutiu-se em
alguns países europeus a obrigatoriedade do
uso da burca pelas mulheres árabes
imigradas, costume desconhecido no Ocidente.
- Na Alemanha: fui abordada por um árabe,
não sei a nacionalidade, enquanto eu
aguardava um ônibus dentro da rodoviária em
Dresden. Ele tentou me colocar à força
dentro do carro dele. Fui salva por um grupo
de aposentados alemães (homens e mulheres)
que saíam para uma excursão. O grupo me
ajudou, e também chamou a polícia. Então até
entendo o medo deles, relata para
a rádio BBC de Londres uma jovem
brasileira, Camila.
O problema dos fluxos migratórios pelo mundo
apresenta facetas culturais que, as
autoridades internacionais, concentradas na
reinstalação material dessas pessoas em
movimento, insistem em desconhecer ou não
conhecem mesmo, a começar pelas análises das
motivações que amparam o processo de
emigração.
Alguns analistas internacionais entendem,
por exemplo, que, ao invadir a Ucrânia, o
que Putin quer mesmo é se apropriar dos
portos ucranianos nos mares de Azov e Morto
- Mariupol, Kerson, Odessa. Já o fez em
Sebastopol, na Criméia, em Rostov do Don
em Kharkov. O propósito seria dispor de
uma via direta da Rússia com o Mediterrâneo,
para dizer que é só sua. Problema futuro
para a Turquia, porque os estreitos de
Bósforo e de Dardanelos ficam em seu
território, e é por ali que todo esse fluxo
marítimo pretendido pelos russos teria de
passar.
Mas, à parte as motivações dos senhores da
guerra, quase todos bilionários, uma das
marcas mais expressivas desses fluxos
migratórios situa-se no campo da política.
Um país ou um sujeito que se diz
revolucionário invade a nação do outro e
as populações civis e as oposições internas
fogem amedrontadas. Os aeroportos de Barajas,
em Madrid, e o Fiumicino, de Roma,
todo o dia enfrenta problemas com o
desembarque de fugitivos políticos da
Albânia. Em geral, o país mais procurado
pela imigração é os Estados Unidos. As
pessoas saem da América Central, viajam a
pé 3 a 4 mil km, à procura de trabalho em
território norte-americano.
O problema desses fluxos migratórios é a
desumanidade do processo. Ao invadir a
Ucrânia com armamento pesado, Vladimir
Putin revela-se pouco incomodado com o
destino das populações civis. No sentido
desse barbarismo, assemelha-se à Josef
Stálin, responsável pelo assassinato de fome
de milhares de ucranianos. Para Stálin, "a
morte de milhões era apenas uma
estatística". Mesmo com a Rússia expulsa de
vários fóruns e conferências
internacionais, a fuga de civis da
Ucrânia não parece comover Putin . Seus
propósitos são de Estado, e há quem dê
legitimidade interna e externamente à
covarde iniciativa .
O Presidente russo não demonstra ter
qualquer preocupação com os atingidos pelos
bombardeios , muito menos com os quatro
milhões de ucranianos - um grande de número
de crianças - que estão sendo obrigados a
abandonar os lares em solo nativo, para
morar na rua nos países vizinhos. Algumas
famílias estão desembarcando no Brasil, onde
já vivem cerca de 600 mil ucranianos.
O Brasil, desde o Império, tem sido um
abrigo sistemático para fluxos migratórios
de várias origens. Os
brasileiros receberam, recentemente, os
haitianos, vítimas de terremotos; os
venezuelanos perseguidos pelos governo de
Chávez e Maduro; os hondurenhos, fugindo da
política repressiva de Daniel Ortega; e
recebe sistematicamente bolivianos
e migrantes de países vizinhos à procura de
melhores condições de vida. Em sentido
contrário, existem hoje dois milhões de
brasileiros vivendo no exterior por razões
diversas.
O que é preciso ficar claro para o Fórum de
Davos é que não se trata apenas de acolher,
alimentar e absorver os estrangeiros no
mercado de trabalho. Os imigrantes,
dependendo da procedência, trazem costumes e
práticas incomuns para as populações que os
acolhem . Em Boa Vista, a chegada dos
venezuelanos gerou uma enorme quantidade
de problemas incompatíveis com o modo de
vida da população local.
Reconhece-se que Imigração, legal ou não, é
parte da história da humanidade. O Planeta
Terra é de todos os seres vivos! Baleias vêm
gerar filhotes na costa brasileira entre
julho e outubro. Depois retornam para a
Antártida . E assim vivem tranquilas
desfraldando os mares. Os humanos, não.
Faz-se questão de atrapalhar a vida do
outro, por motivos fúteis.
O que aconteceu em Donbass, Lugansk, Donetsk
, Criméia, Geórgia e ameaça as cidades
portuárias da Ucrânia, ocupada ao longo dos
anos, por cidadãos russos acolhidos pelos
ucranianos, poderia vir a ocorrer no
Paraguai amanhã, tal a quantidade de
estrangeiros que está desembarcando no País.
A repórter da rádio BBC Mundo, Mar Pichel,
investiga as razões por trás desse fenômeno,
e mostra atritos que já acontecem entre a
população nativa e os recém-chegados.Wir
sind Ilegal überall ("Somos ilegais em
todos os lugares"). Cidadãos do mundo. Davos
não pode fazer de conta que o problema não
existe.
*Jornalista e professor
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